segunda-feira, junho 19, 2006

ouvir ou escutar?...


ontem alguém me dizia, brincando um pouco,
que tenho o hábito de dar muita atenção às pessoas,
que gosto de as ouvir, de conversar, e me demoro muito tempo nisso...
ouvi isto e tomei-o como uma provocação!
Dei por mim a perguntar-me se o que tenho feito é ouvir ou escutar?
é que há uma diferença substancial nas duas atitudes:
eu posso ouvir sem escutar, mas não posso escutar sem ouvir.
Confesso que sou um apaixonado pelas pessoas, por cada pessoa, gosto de estar com elas, gosto de me deixar surpreender por elas, gosto de as ouvir, mas sobretudo de as escutar, gosto de no meio da multidão ver cada rosto como único,...
Para mim cada pessoa é um pedaço do infinito, de eternidade, de esperança e por isso disponho-me a "perder tempo", a estar, a escutar...vivemos tudo de maneira tão fugaz que temos de (re)aprender a arte de escutar. Escuta quem deseja estar, escuta quem deseja aprofundar, quem deseja ir além da superficialidade, quem deseja ver para além do tempo...
Escutar significa dispor-me a acolher, a compreender, a eliminar preconceitos, a vencer a incomunicação em que tantas vezes vivemos, que tantas vezes promovemos...
Escutar tornou-se por isso uma missão que assumo todos os dias em cada relação que estabeleço, em cada gesto que pratico, ...
Nem sempre tem sido fácil, nem sempre o consigo, nem sempre me disponho a tal, mas caminho...e escuto, parafraseando Sophia, como quem é olhado e amado e em cada escuta ponho solenidade e risco.

sábado, junho 03, 2006

A (des)propósito?!...



Está aí celebração do Pentecostes!
De entre as muitas coisas que tenho reflectido e rezado, e diante da “confusão” que ultimamente se pretende gerar na inteligência e no coração dos cristãos, a propósito da deturpação de alguns aspectos da vida de Jesus e da vida da Igreja, chego à conclusão que, no meio de tudo isto, o Espírito Santo tem sido muito mal tratado!

Muitos (até crentes mais “esclarecidos”) continuam a confundir o Espírito Vivificador com poder, com domínio. Outros há que O confundem com uma “energia positiva” que nos impele para o futuro e que nos faz (aparentemente) mais felizes. Não posso aqui esquecer os que, numa atitude mais “piegas”, quase querem obrigar o Espírito Santo a ser o salvador da sua incompetência e preguiça em aprofundar a fé. Por isso, tudo o que deviam fazer ou dizer e não fizeram ou disseram é interpretado, na sua lógica pseudo-profética, como um sinal de que o Espírito de Deus não quer “isto” ou “aquilo”. Há outros ainda, e não são assim tão poucos, que dispensam o Espírito Santo pois são possuidores de “tão grandes capacidades” que, se o Espírito do Ressuscitado se manifestasse, poderia ocultar o que eles são e valem…quem anda por estes caminhos anda enganado e anda a enganar-nos!
Provavelmente quem optou por ler as constatações que ficam ditas atrás pode perguntar-se: “mas a que propósito são feitas tais constatações?”. Para alguns elas podem ser apenas a expressão do “despropósito” de um cristão que é padre e que provavelmente estaria mal disposto no dia em que escreveu isto, ou, por outro lado, de um pessimista pronto a lançar um “anatema sit” aos homens e mulheres deste tempo. Quem assim pensar estará enganado.
Para mim a constatação de tudo isto constitui uma provocação a pensar e a repensar a forma como em Igreja estamos a anunciar, viver e celebrar a nossa fé. Significa assumirmos um dinamismo mais de escuta e acolhimento, de Deus e dos homens e mulheres com quem partilhamos o nosso quotidiano, do que de condenação ou de preconceito. Significa entendermos que uma fé sem compromisso eclesial não é fé. Significa que temos de assumir corajosa e definitivamente um compromisso de formar na fé com solidez, profundidade, audácia e alegria aqueles que baptizamos, para não corrermos o risco de termos comunidades construídas com base numa “fé débil”, que se assustam sempre com aqueles que gritam mais alto, e que não têem argumentos e seriedade nas propostas que apresentam.
Para que isto aconteça, precisamos de nos calar mais para melhor ouvirmos a voz de Deus, a voz do Espírito Santo. Precisamos de deixar que seja o Espírito Consolador a marcar o nosso ritmo enquanto Igreja, comunidades e crentes. Precisamos de acolher com mais alegria e mais esperança o Espírito da Verdade e da Vida que Deus uma vez mais nos quer conceder. Precisamos tão simplesmente de deixarmos que o Espírito de Cristo seja o protagonista nas nossas palavras, nos nossos gestos,… Só assim a nossa vida, a nossa Igreja, as nossas comunidades serão mais proféticas, mais testemunho, mais dom de Deus.
Que a confusão não nos “confunda”, nem nos iluda.
Não vale a pena o caminho da superficialidade, de nada valem as nossas correrias, os nossos muitos projectos e sonhos, se não nascerem no cenáculo, na intimidade de um coração e inteligência humilde e simples que se deixam comover e “desconcertar” pelo mistério amoroso deste Deus Trindade que se manifestou plenamente em Jesus Cristo, e que nos continua a amar e animar pelo Espírito Santo, o Senhor que dá a verdadeira Vida.
De nada nos adiantará pedir “Vem Espírito Santo…” se não estivermos dispostos a correr estes riscos. É isto que peço e rezo neste Pentecostes.

sexta-feira, junho 02, 2006

da confusão à ternura...

Há dias alguém me chamava a atenção para a necessidade dos padres darem mais tempo do seu ministério ao sacramento da reconciliação e dizia-me:
" andam sempre tão ocupados! nós nem os vemos, mas precisamos de desabafar, de falar, de alguém que nos ouça, e os psicólogos não são a solução. há coisas que só com um padre eu consigo falar"
Que estranho, pensei, num tempo em que parece não haver lugar para Deus na vida dos homens e mulheres, sou surpreendido por um jovem que me interpela assim.
Dois dias depois uma catequista numa paróquia queria á força levar uma biblia na procissão de entrada da missa de domingo, pois era hábito!!! e eu deveria esperar mais cinco minutos pois uma outra tinha ido buscar uma biblia. De repente aparece-me de novo a dizer que já podiamos começar pois tinha ido arranjar ali um outro livro que substituia a biblia. fiz-lhe um reparo dizendo: "sabe que livro tem na mão?" ela disse-me: não, mas este serve. Eu retorqui: "esse que serve, é uma biblia, está um pouco em mau estado, mas é aquilo que procurava" olhou-me como se eu tivesse dito uma asneira grave!!!!
no dia seguinte, Deus surpreende-nos sempre, tive um encontro de partilha de vida com 9 irmãos meus no ministério. Falámos da ternura, do afecto, da capacidade de amar com um coração universal...
Dois dias depois o Deus da ternura surpreende-me uma vez mais, aquela minha amiga que agora anda "à procura da fé..." encontrou-me num aniversário muito especial, uma casa de mulheres que há 125 anos se dedicam a tratar doentes mentais.

Ela Estava diferente. Tenho a certeza de que agora começou a "encontrar-se a si própria", falei-lhe do coração de Deus e de como me tinha marcado o último encontro que tivemos...mais tarde visitou este espaço e percebi que estva a dar passos novos, importantes, decisivos, tinha descoberto o rumo da terra da alegria.
disse-me no msn que tinha passado por cá...tentei agradecer-lhe o comentário. mas como a net tb falha, ela já não recebeu esse agradecimento.
Tentei dizer-lhe que foi bom vê-la passar da confusão à ternura.
Nesse mesmo dia, olhei para trás e vi que nesta semana uma vez mais Ele me surpreendeu.

Falou-me do amor que sabe ouvir e que reconcilia, do amor que é paciente quando há confusão, do amor que é ternura e acolhimento na redescoberta da dignidade da pessoa, do amor que impele à mudança, que aponta caminho...
Também Ele me disse que vale a pena passar da confusão à ternura...como sempre no coração de Deus.