quinta-feira, março 22, 2012

...será (ainda) liberdade?

A nossa liberdade é para amar, pois uma liberdade sem amor é cegueira. A liberdade que se abre ao Amor chama-se discernimento, é esforço por vencer a banalidade, é compromisso em procurar a verdade, o bem, a beleza... Vem isto a propósito do Palavra de Deus que hoje é colocada diante da nossa inteligência e do nosso coração.

Os encontros de Jesus com os seus conterrâneos são sempre uma escola onde podemos aprender esta liberdade que conduz ao discernimento, e o diálogo de hoje é exemplo disso: diante do Dom total, verdadeira provocação à liberdade pessoal, os judeus (e nós!) recusam o dom, decidem permanecer na indiferença da incredulidade. Provocados a ir para além da lei, desafiados a ler a vida e a história em profundidade, colocados diante do grande desafio de (re)pensar a imagem que tinham de Deus (e dos homens) os judeus decidem permanecer fechados ao dom. E não é assim (tantas vezes!) connosco? Invocando a “liberdade” passamos o tempo a encontrar desculpas, ouvimos a Palavra mas não O queremos escutar, estamos no meio de todos e tantas vezes não somos presença para ninguém, dizemos amar mas a nossa disponibilidade para servir permanece somente nas “boas intenções”…Talvez te pareçam muito duras as palavras de Jesus hoje: «Eu conheço-vos e sei que não tendes em vós o amor de Deus.(…) Como podeis acreditar, vós que recebeis glória uns dos outros e não procurais a glória que vem só de Deus?»…mas uma liberdade que se constrói na recusa do dom e na indiferença será (ainda) liberdade?

Uma pergunta para o dia de hoje: O que é que andas a fazer com o dom de Deus?...

quarta-feira, março 21, 2012

Nunca te esquecerei!...

A memória desempenha na nossa vida um papel fundamental. Somos sempre uma memória aberta ao futuro, ponto de chegada e desafio a construir. A nossa vida narra-se a partir desta “memória afectiva” que acolhe o passado sem ressentimento, vive como dom o presente e abre-se ao futuro na esperança. A memória e o afecto definem-se numa palavra: Ternura. E é de Ternura [total e Pascal] que nos fala hoje a Palavra de Deus.

Isaías, numa profunda sabedoria colhida na árvore frondosa duma fé peregrina, recorda a um povo triste, cansado e que se julgava sem futuro, que Aquele que nos criou não nos entregou ao acaso, e sublinha de um modo que nos deixa plenos de entusiasmo e de espanto aquilo que a nossa inteligência e o nosso coração deveriam trazer sempre tatuado: “Eu [o Teu Deus] NUNCA TE ESQUECEREI!”.

Não esquecer alguém significa muito mais do que ter “boa memória”, é um dom que devemos pedir e renovar em cada dia, pois “só quem ama é que não esquece”, quem ama dá-se…todo…por inteiro…sempre! É assim que a ternura desenha uma nova configuração para o nosso quotidiano: viver [a partir da Páscoa de Jesus] não pode ser um somar de dias, de encontros, que depressam se transformam num tempo fugaz que o vento leva. Viver (e)Ternamente significa, como dizem os meus amigos brasileiros, “viver com um coração de Mãe”, isto é, “ter lugar sempre para mais um!”, e este “mais um” não é a soma de um número, é uma opção de vida, de amor [Pascal]…pois o amor não escolhe, acolhe; não julga, perdoa; não faz contas, serve!

E afinal, não foi isso que Ele fez?

A nossa quaresma começou há 4 semanas! Já viste o que Ele tem andado a fazer em ti e contigo? Tens-te dado conta da ternura com que este Deus te ama?...

terça-feira, março 20, 2012

Queres ser curado?...

Nos trilhos do nosso quotidiano já todos fomos feridos e já todos ferimos. O essencial não é pois fazer a contabilidade e ver se estamos em vantagem ou se são “os outros” que estão a “ganhar”, é que a vida não é um jogo, uma aposta, muito menos uma batalha. A vida é um dom! Dar-se conta disso, em cada dia [todos os dias!] é já “meio-caminho” para descortinar um pouco do mistério que somos e perceber o quanto ainda temos de crescer.

As feridas não são para guardar, nem para andar a remoer numa ansiedade que nos corrói e desgasta tirando cor aos dias e sabor ao existir. As nossas feridas são para amar, pois as mágoas não se curam de outra forma, só com amor…com muito amor!

Ao abeirar-me hoje do Evangelho deparo-me com uma pergunta desconcertante e provocadora de Jesus: “Queres ser curado?”.

A resposta a esta pergunta pede(-me) profundidade, humildade e, acima de tudo, pede confronto com a verdade. É uma pergunta que me “despe”, me mete a nú com o que fui, sou e vivo e me desafia a fazer memória dos projectos, de sonhos feitos e desfeitos, de encontros e desencontros... Desafia a um (re)encontro muito sério, comigo mesmo na presença d’Ele, lá bem no fundo do coração e da inteligência, onde a vida tantas vezes se escreve numa penumbra que não se abre à luz do dia, e isso dói…pois, lá no fundo, nem sempre é evidente que a resposta à pergunta [desconcertante e provocadora!] seja a de um sim tão claro “como o sol ao meio-dia”.

Mas a pergunta de Jesus não abre portas à passividade, é confronto com o presente para rasgar horizontes novos num futuro que começa…Agora!

Eu creio que as feridas piores de curar não são, porventura, aquelas mais profundas…mas sim aquelas que eu teimo em manter abertas. Ao longo do dia, no nosso diálogo, não sei bem o que Lhe irei responder, mas uma coisa me anima [muito!!!] sei que Ele vai comigo nesta viagem “ao centro de mim” [onde tantas vezes estou “sentado e paralisado”] para me dizer, ali onde eu mais precisar, “Levanta-te…e Anda!”.

E tu, onde é que “andas paralisado” e de que é que precisas ser “curado”?

segunda-feira, março 19, 2012

Ternura e gratidão - o Pai...

Hoje é dia de S. José, dia do Pai.

Por entre a ternura, a gratidão e/ou a lembrança que este dia suscita em todos nós, no nosso itinerário para a Páscoa, recorda-nos J. Tolentino Mendonça: “Os nossos nomes estão escritos no coração de Deus. É Cristo que nos ajuda a dizer ‘Pai-Nosso’. Sozinhos não éramos capazes de rezar, não saberíamos dizer que Deus é nosso Pai. Não saberíamos…foi o que Jesus nos veio revelar.(…) é porque Jesus nos carregou nos seus ombros de Bom Pastor, correu ao nosso encontro, não desistiu de nos reencontrar…é porque Jesus se pregou no corpo da nossa ignorância e da nossa fragilidade…é porque Jesus suportou sobre si o peso dos nossos pesos…que nos revelou quem éramos. Na nossa fragilidade não teríamos força, nem sabedoria para dizer que Deus é nosso Pai. É exactamente porque Jesus se amarrou a nós, que podemos rezar ‘Pai nosso’. E, por isso, o ‘Pai nosso’ é também o contrário da solidão. É Jesus quem nos faz descobrir, em todo o tempo, o mistério do amor de Deus. Se, por vezes, ao rezar o Pai-nosso a nossa voz é débil, o nosso ânimo titubeante, e a nossa prece é um sofrido murmúrio, acreditar que Ele está connosco dá-nos a força necessária”.

Nos sonhos dos nossos pais, por entre os seus esforços e canseiras, estiveram sempre muito presentes duas realidades: o seu amor por nós e o esforço por “desenhar” para nós um caminho que nos levasse ao futuro. Habitualmente a nossa gratidão, no que toca à família, às vezes carece de “atrevimento”, damos como suposto que eles já sabem o quanto os amamos, etc…não será hoje um belo dizia para dizeres ao teu Pai que o amas?...Já disseste, e que mal tem repeti-lo?

domingo, março 18, 2012

É de dia…em plena noite!

Habituados que estamos ao cinzento dos dias [cheios de lamentações e desculpas] e à profunda escuridão da noite [de cada vez que desistimos de (com)viver], não será estranho vermos no diálogo nocturno de Nicodemos, também ele cheio de noite, um homem que parece procurar sem querer expor-se, alguém que precisa de aprender a confiar mas não se quer comprometer, alguém que busca mas não se quer deixar encontrar…

Aquele homem é uma parábola de todos nós. Por entre contradições e errância, também nós, tantas vezes, passamos pela vida cheios de medo e de noite, não deixando florescer a coragem e limitando-nos a obedecer ao medo de ser visto, de ser (re)conhecido, como alguém que anda à procura do Mestre, que quer escutá-Lo, que quer (re)conhecer-se n’Ele, com Ele…

O medo de errar torna-nos escravos, o medo de correr riscos minoriza a nossa criatividade, o medo de confiar torna-nos egoístas, vaidosos por causa de tudo…e com uma vida cheia de nada. É preciso romper a [nossa] noite com um coração disponível para a escuta…

Diante disto torna-se desconcertante/desafiador escutar S. Paulo que, luminosamente, em plena noite [a nossa!] faz despontar [por dentro!] a aurora de um dia radioso: “Deus, que é rico em misericórdia, restituiu-nos à vida com Cristo” (Ef 2, 4-10). S. João, com o seu olhar sempre contemplativo, obriga-nos a mergulhar em águas mais profundas, as do mistério amoroso de Deus, recordando-nos que: “Deus não enviou o Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele”( Jo 3, 14-21).

Na sabedoria colhida pelo povo, que viveu a dureza do exílio na Babilónia, ressoa um convite ao (re)começo, um convite a desenhar com um coração novo um tempo novo, é esse convite que é feito também a mim e a ti: “Quem de entre vós fizer parte do seu povo ponha-se a caminho e que Deus esteja com ele” (cf. 2 Crónicas 36, 14-23).

E tu, vais ficar aí parado?

...Não vês já a luz do dia a despontar nas tuas noites?

domingo, março 04, 2012

Transfigura(-TE)

Para crescer é preciso aprender a escutar.
Para amar é preciso dar-se.
Para ver não bastam os olhos, é preciso também o coração.
Para caminhar não basta saber onde se deve ir, é preciso dar passos
...pois, para quem tem fé, o futuro é sempre desconhecido, mas nunca é incerto.

A Transfiguração de Jesus vem perguntar-te então: Que tipo de homem/mulher queres ser tu, dos que arriscam (como Abraão) ou dos que se resignam numa passividade interminável?

É que “Transfigurar” a vida, o nosso quotidiano, é muito mais do que fazer coisas…é, acima de tudo, encontrar um sentido para tudo o que se faz. Nesta busca de sentido importa que não esqueças que Deus é o primeiro a acreditar(-Te) quando diz: “Este é o meu filho muito amado”.

Há já uma luz que brilha e um perfume que se sente lá no mais profundo de ti, é a luz da Páscoa e é o perfume da ressurreição, não a vês? não o sentes?

... e que tal, pelo menos hoje, ires à procura?...

Para te despertar do sono, da dormência da vida, S. Paulo recorda(-Te): Se Deus está por nós, quem estará contra nós? Deus, que não poupou o seu próprio Filho, mas O entregou à morte por todos nós, como não havia de nos dar, com Ele, todas as coisas? (Rom. 8, 31b-34).

Senhor, abre os nossos ouvidos à Tua voz
E rasga os nossos corações
com a ternura da Tua Palavra.
Transfigura os nossos dias,
Com o Teu amor feito Páscoa,
faz brilhar nas nossas trevas a luz do teu perdão,
e faz que os nossos gestos e palavras nunca sejam de vaidade e orgulho.
Reveste-nos de coragem para não cairmos na indolência
De quem se resigna a ver a vida passar…
E, no fim, dá-nos a alegria plena de viver para sempre contigo.