segunda-feira, fevereiro 25, 2013

ESCUTA(-ME)...

Para amar é preciso dar-se.
Para ver não bastam os olhos, é preciso também o coração.
Para caminhar não basta saber onde se deve ir, é preciso dar passos concretos.
Para crescer, é preciso aprender a escutar!


‘ESCUTAR’ é uma 'arte' difícil, exigente. Todos ouvimos, mas nem todos escutamos! A FÉ nasce da escuta, da escuta atenta que é fruto do ENCONTRO da nossa razão e do nosso coração com Aquele que nos ama desde sempre e para sempre. Disse-no-lo o Papa Bento XVI no último sábado: “Crer não é mais do que, na escuridão do mundo, tocar a mão de Deus e assim, no silêncio, escutar a Palavra, ver o Amor.”

O nosso quotidiano deveria sem um tempo, um espaço e uma oportunidade para todos crescermos na capacidade de escutar. Quando escutamos os outros, as suas histórias, os seus anseios, os seus sonhos, crescemos sempre! É este o convite que o Pai nos lança para esta semana também, o de uma escuta activa, empática, com o único que pode dar razões de esperança ao nosso ser e ao nosso existir, segreda-nos assim o Pai ao coração: «Este é o meu Filho, o meu Eleito: escutai-O» (Lucas 9, 28-36).

A verdadeira 'transfiguração da vida' acontece quando começamos a escutar(-nos)! É que dentro de cada pessoa há um universo imenso, uma 'constelação de coisas bonitas' que nem a noite pode apagar. Tal como Abrãao foi chamado a ver na noite os milhões de estrelas que cintilam e que dizem que o dia (= um tempo novo) já vem a caminho (Génesis 15, 5-18), também cada um de nós é chamado a ver na sua vida, dentro de si, estas pequenas ‘estrelas’, esta luz, que desperta para um tempo de renovação…É que “transfigurar” a vida, o nosso quotidiano, é muito mais do que fazer coisas. E essa descoberta faz-se quando se descobre que:

'SÓ SE ESCUTA BEM COM O CORAÇÃO'! 


«Senhor, abre os nossos ouvidos à Tua voz
E rasga os nossos corações
com a ternura da Tua Palavra.
Transfigura os nossos dias,
Com o Teu amor feito Páscoa,
faz brilhar nas nossas trevas a luz do teu perdão,
e faz que os nossos gestos e palavras nunca sejam de vaidade e orgulho.
Reveste-nos de coragem para não cairmos na indolência
de quem se resigna a ver a vida passar…
E, no fim, dá-nos a alegria plena de viver para sempre contigo».

domingo, fevereiro 17, 2013

Deixar a errância para entrar em Casa…



Pode um “coração inquieto” desenhar novos mapas no quotidiano? E com que ‘seguranças’ se faz um projeto?...Entramos na quaresma. 40 dias para aprenderes a olhar para além do deserto…Caminharás com os pés descalços…ao teu ritmo. Um convite a deixar a errância para entrar em Casa…



Errância

Dentro de nós há muitos trilhos para percorrer. O nosso “mapa interior” fala-nos de quotidiano feito de muitas histórias e encontros. Fala-nos de momentos e pessoas, de acontecimentos que nos marcaram mais profundamente ou de outros que simplesmente o tempo levou…Mas a vida que somos, e a história que vamos escrevendo, traz também consigo muito de errância, de trilhos percorridos com banalidade, de momentos em que cedemos o passo à amargura de desfiar os dias sem luz e sem cor…e quando parece que já não há história para acontecer e vida para viver, enrola-se o “mapa da vida” cedendo uma vez mais o passo, como que definitivamente, a um conformismo que agrilhoa pés e mãos, faz embotar a cabeça e o coração e olha o quotidiano como o tempo da perdição



Mas se muita vida é feita de errância, mesmo nos trilhos e caminhos mais ignotos, há sempre uma porta (a da Fé) que abre horizontes novos, faz despertar o coração e ensina a reescrever a vida e a história (pessoal) com um rumo que, afinal, faz sentido. É desta errância de quem busca rumo e se deixa abraçar pela novidade que nos fala a ‘confissão de Fé’ com que hoje nos brinda o Livro do Deuteronómio:



Meu pai era um arameu errante, que desceu ao Egipto com poucas pessoas, e aí viveu como estrangeiro” (Deut. 26, 4-10)



Sem terra, sem pátria, sem identidade, sem história. Aparentemente uma errância que conduz ao vazio. E no entanto Deus faz despontar o novo! Da escravidão do Egipto saem já em longa ‘procissão’ os que hão-de sentar-se como filhos e irmãos na mesa do banquete da Nova Aliança. Do anonimato do estrangeiro nasce a nova identidade, não mais de servo mas de amigo, concidadão dos santos. E aos apátridas Ele, o criador do Universo, faz agora, e para sempre, herdeiros do Reino novo e eterno que mais ninguém lhes pode roubar…Toda a errância se faz sem ver claro, é passo no desconhecido, mas com Deus nenhum caminho leva ao incerto. E isto não podemos esquecê-lo!



Memória

A errância encontra sentido e rumo quando o coração se deixa habitar pela memória agradecida de quem aprendeu a ver no tempo o Eterno a tecer com ‘ouro fino’ uma existência que é dom e que é chamada ao gratuito de um amor que só sabe servir e acolher, sem julgar e sem temer. E se, como no-lo recorda S. Paulo, “com o coração se acredita” (Romanos 10, 8-13) então um ‘coração sem amnésia’, e grato, faz acontecer o milagre da fé. De uma fé que nasce do Encontro, que é gerada pela Palavra em cada verbo, adjectivo ou substantivo pronunciados na ‘narração do quotidiano’ e que se renova na partilha fraterna à volta da mesa dos irmãos quando na fracção do Pão se gera, como naquele entardecer no Cenáculo, o milagre da Vida em abundância. 


A memória, agraciada e agradecida, é um convite a não “remoer a fragilidade passada” mas a deixar que ela seja ternamente envolvida, como uma mãe que afaga um seu filho, com o perdão que converte e salva. E quantos abraços destes, com coração e perdão, nós precisamos de receber…e de dar!



Projeto

Entrámos na quaresma! Não se trata de uma ‘rotina masoquista’ para “cristãos frágeis que ainda não sabem comportar-se bem”. Atravessar a porta (da Fé) em tempo de quaresma significa predispor o coração e a inteligência a caminhar, não na errância mas na confiança, tal como o Mestre que “durante quarenta dias, esteve no deserto, conduzido pelo Espírito” (Lucas 4, 1-13).

Entrar nos desertos que nos habitam ou que gerámos, em nós e nos outros, dinamizados pela confiança significa essencialmente recusar-se a viver num conformismo de quem repete rotinas sem celebrar a vida, de quem se gasta na preguiça de não querer crescer, de quem se senta a ver a vida passar…provavelmente seria mais cómodo, mas a vida assim não teria sabor!



É a confiança que gera em nós a capacidade de construir, de abrir com serenidade e realismo as portas do futuro, sem nos refugiarmos no passado ou sem vivermos amarguradamente o presente. Da confiança nasce a responsabilidade, que é um outro modo de dizer Fidelidade…diária…progressiva…humilde…ativa…alegre! Diante de todas as ‘tentações’ (dentro ou fora de nós) não somos simplesmente os que resistem, nem vivemos a vanglória de nunca cair…Somos aqueles que com coração de filhos aprenderam a não desistir de  invocar: “Pai, não nos deixes cair em tentação…livra-nos do mal!”. E isto sim, é um projeto! Eu vou vivê-lo, e tu?

quarta-feira, fevereiro 13, 2013

O tempo do “coração a caminho”...



Há rotinas que nos matam e há outras (muitas!) que nos trazem a Vida.
Na hora de partir há que fazer escolhas. Eu já fiz as minhas. Partilho-as contigo.

 Da cabeça aos pés…

Nenhum caminho pode começar sem determinação! O primeiro passo é decisivo para marcar ritmo, definir prioridades, consolidar opções. Por entre o silêncio e as palavras, o desafio primeiro é o de ser viandante, peregrino com a luz do Absoluto a iluminar cada passo. Fazer caminho não significa percorrer mil estradas ou todas as encruzilhadas do mundo. Esta é uma outra viagem, mais lenta, com uma densidade e exigência maior. Feita de despojamento, de muito diálogo (interior!)…é um caminho feito com os pés descalços e com uma inteligência que se coloca em peregrinação ao ver brilhar na noite as primeiras estrelas…

Com os pés se caminha, pisando a terra sagrada que é a história, a nossa história pessoal, a minha, a tua…Com os pés desnudados, e com passo firme, a vida deixa de ser a errância das rotinas cinzentas, dos tons amargos e pessimistas, de um desfiar de dias que se sucedem ser trazer novidade. Caminha-se para a “terra da liberdade”, é um êxodo para saborear a promessa que se faz pátria, a Aliança que se faz Encontro…

Com a cabeça levantada, mas sem altivez, podes contemplar desde o início o horizonte que te chama e que te espera. Na fronte o “sinal” da cinza, recordação da tua vulnerabilidade que precisa de ser abraçada pela ternura do perdão. Recordação também de que as perguntas que trazes dentro não te pedem “resposta de cartola” mas são convite a aprofundar as razões da tua esperança, do teu querer e do teu crer…

Qual a firmeza dos teus passos? Que perguntas trazes dentro?

…de todo o coração

Porque és um corpo, lugar de encontro, mistério e templo, o coração é central nesta viagem da cabeça aos pés. Se a cruz te assinala a fronte na hora da partida, será o amor que se ajoelhará diante de ti para te lavar os pés na hora da chegada.

Quando o Mestre se sentar contigo, na Páscoa, à mesa que te faz irmão, não precisas de formalidade, muito menos de medo…basta-te a certeza de teres caminhado na Sua graça cantando em cada passo uma existência que venceu a indiferença.

A Quaresma é o tempo do “coração a caminho”, é tempo já da ‘memória pascal’. É revisitar no tempo a história concreta tecida nos encontros quotidianos, nos laços construídos ou quebrados, nas mãos estendidas e abertas para acolher ou nos braços cruzados da acomodação de quem não quis fazer acontecer a “sinfonia” do encontro fraterno, do amor gratuito, da vida partilhada e celebrada como dom. É tempo para reconstruir com a determinação da ternura e a força libertadora do perdão a “identidade nova” do peregrino que se descobre como “discípulo-apóstolo” em cada recomeço…

Vais deixar nesta quaresma que a determinação da ternura e a força libertadora do perdão te rasguem ‘portas novas’ no teu coração?


Com o ‘perfume’ da Páscoa…

A Quaresma deixa de ser rotina quando o nosso coração vive habitado pela Páscoa! E é para a Páscoa que estamos a caminhar. O ritmo dos nossos passos, o bater do coração, a vivacidade da nossa inteligência são convocados para trabalhar em uníssono. São desafiados, na ‘polifonia do quotidiano’, a reescrever a nossa história com todas as cores do universo.

Partimos com a cinza pois é possível recomeçar!
Somos assinalados com a cinza pois é ela que, na noite gélida do inverno, mantem acesas e quentes as brasas do lume que se quer novo para dar luz e fogo à humanidade.

E quando um ‘fogo novo’ desperta e se torna luz e calor para todos, então é no aconchego do lar que se redescobre a família, que se cria espaço para os amigos, que o Mistério habita cada instante e que a vida, perfumada e agradecida, se torna epifania de Deus, Ressurreição.
  

É sempre tempo de recomeçar!
desperta em nós ‘o novo’ que sonhaste
e faz-nos amar em cada instante
cada passo e cada gesto,
o silêncio e a Palavra,
para que em nós desponte
o "perfume novo" da Páscoa.

Boa Quaresma, Bom Caminho!

sábado, fevereiro 02, 2013

Um 'sonho' ao entardecer…



Há pessoas e momentos que nos marcam para sempre. Há rostos que despertam em nós uma ousadia que nem o coração pode conter. Há momentos da vida (nossa e dos outros) em que o Eterno passa e desassossega para sempre, para o bem…para todos. 

Gosto de olhar a vida consagrada como esta multidão que caminha na história e que, com o desassossego do coração (pois são os insurretos no amor!), vai lançando as sementes do Reino com gestos de ternura que ressuscita, de compaixão que dignifica, de amor que converte.
 

Hoje, pela tarde, passei pela praça de S. Pedro. Estava cheia de consagrados que iam para a celebração com o Papa. É o seu dia e no rosto, mesmo que marcado pelos anos, via-se o perfume da Páscoa.

Na diversidade de cores (do rosto e dos seus hábitos) vi também o peso das rotinas, de uma certa acomodação que toca a todos nós quando nos parece (quase) impossível ‘vencer’ o tão famoso ‘relativismo’ do mundo contemporâneo…

De repente dei por mim a pensar que podia ser diferente a celebração, talvez já hoje, talvez para o ano, não sei…o que sei é que há momentos que são providenciais, e há sonhos que nos habitam e não podemos calar.


Qual foi o sonho?



«Olhei o Papa, velhinho e dobrado pelo peso do tempo, mas com um olhar penetrante, cheio da “luz das nações”.

Descendo muito serena, mas lentamente, as escadarias do “Altar da Confissão” caminhou pelo meio da multidão de homens e mulheres consagrados. Enquanto caminhava cantava com voz límpida: “Levantai, ó portas, os vossos umbrais, alteai-vos, pórticos antigos” [Salmo 23 (24)].

Dirigindo-se à porta da Basílica disse aos que ali se encontravam: Caros irmãos e irmãs Aquele que é a “Luz para se revelar às nações”[Lc 2, 32] tocou um dia o mais profundo dos nossos corações. Desde essa hora que não deve haver em nós mais espaço para a indiferença. “Ele não veio em auxílio dos Anjos, mas dos descendentes de Abraão.” [Hebr. 2, 14-18] por isso, vinde comigo e continuemos, com Ele e como Ele, a ser “sinal de contradição”[Lc 2, 22-40]. Com esta vela acesa, com o perfume da Páscoa em nossos corações, saíamos da casa do Senhor ao encontro das trevas desta cidade. Vamos às periferias do mundo beijar a miséria humana. Depois fez um pouco de silêncio.

De seguida, com uma voz ainda mais decidida disse: ‘Onde a dignidade está ferida levaremos o óleo da consolação. Onde a esperança está adormecida seremos sentinelas que suscitam, na noite o despertar do coração e da mente para o futuro. Onde a injustiça e a mentira crucificam a humanidade, aí nos ajoelharemos diante do homem caído por terra e, como o Mestre, lhe lavaremos os pés. Beijaremos todas as suas feridas com a ternura de um coração de mãe. E, no fim, sabendo que somos ‘servos inúteis a tempo pleno’, viremos de novo aqui, com todos eles: os sem-abrigo, as prostitutas, os estrangeiros que mendigam,… e com eles comeremos o Pão da Vida e adoraremos Aquele que é o nosso Caminho e a Verdade’. 

Dito isto, com passo determinado e uma vela acesa na mão, o Papa saiu do templo. Alguns pensaram que ele tinha enlouquecido! Outros timidamente lá começaram a sair, lentamente, com ele. Por fim, na praça viu-se um mar de luz que se dirigia às periferias da cidade…e à frente caminhava Pedro. Sem pressa ou vaidade. Mas simplesmente como um discípulo e peregrino, vulnerável, tal como naquela manhã junto ao lago quando o Mestre lhe tinha perguntado: “Pedro, tu amas-me?...”».



Depois do sonho, e já em casa, dei-me conta das muitas vezes em que não saio para a praça para levar a luz à periferia…será que vai ser hoje, ou só p’ró ano?...