segunda-feira, novembro 17, 2014

E TU, VAIS MULTIPLICAR(-TE)?


O medo torna-nos estéreis, muitos cristãos vivem ‘grávidos’ de um vento paralisante que nada tem a ver com a brisa suave do Espírito que sempre nos desassossega para alargar horizontes. O Evangelho, graça das graças, é sempre proposta a ir para além dos medos. Por isso, este nosso ‘mergulho’ semanal na Páscoa de Cristo, convida-nos em primeiro lugar, a que nos deixemos encantar, surpreender e comprometer com o dom que nos é feito! Deus coloca em nossas mãos as sementes (= talentos) do Seu Reino. É desconcertante esta confiança plena de Deus. Ele não nos quer ociosos, nem afadigados, mas comprometidos. A causa do Reino não é para acomodados mas para aqueles que acolhem e pressentem, no fio do tempo, este ‘quotidiana ousadia’ de, como dizia a poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen, ‘colocar em cada gesto solenidade e risco’.



Deus não cobra, dá! A gratuidade, única medida de Deus, desconcerta-nos e interpela-nos. Como Pai que ama, Deus não hesita em confiar. E só a confiança pode gerar discípulos! É que Deus não é patrão ou administrador que premeie injustiças ou o demérito dos ociosos. Porque é Pai e Senhor de um Reino de justiça, paz e alegria no Espírito Santo, a Sua vontade é a de fazer germinar, circular e multiplicar os seus dons. Eis-nos então diante dos verbos fundamentais do agir divino: dar, germinar, circular multiplicar! Como andamos a conjugar estes verbos em nós e com a comunidade? Somos como o servo ‘agrilhoado’ pelo medo do regresso do seu senhor ou somos discípulos entusiasmados e comprometidos em ir ao encontro do Senhor com as mãos cheias dos dons repartidos, e portanto, multiplicados?



A criatividade é o outro nome do amor. Há um apelo que não nos pode deixar indiferentes: diante de um mundo complexo, cheio de muitas histórias ‘mal contadas’ e de muitos corações feridos, a confiança que Deus deposita em nós convoca-nos para uma renovada criatividade, isto é, para um amor que sabe ser ‘quotidianamente concreto’, atento, vigilante. Não podemos passar o tempo a desfiar lamentações ou a ‘enterrar’ os dons que Deus coloca em nossas mãos, de lamento em lamento tornamo-nos facilmente servos amedrontados e improdutivos… Deus quer-nos inteiros, comprometidos e convertidos, a assumir os riscos do Amor! E só assume riscos quem não vive ‘à defesa’ ou ao ‘ataque’, arrisca quem descobriu e assumiu a vida como dom e quem tem a eternidade como medida justa para ler, saborear e viver todas as coisas.



Semear é perseverança, multiplicar é fidelidade, colher para repartir é assumir a medida divina. É assim que, de talento em talento, Deus assume este ‘escândalo’ de ser o primeiro a confiar em nós e o único que jamais desiste de nós! E tu, vais multiplicar(-te)?



DESAFIO: Ao longo da semana multiplicar os nossos gestos de acolhimento, perdão, escuta, ternura,…


domingo, novembro 02, 2014

TU, QUE EU AMO, NÃO MORRERÁS!

Cara irmã morte, decidi escrever-te uma carta. 

Trago-te ‘colada’ a mim desde o dia em que nasci. Sei que no dia em que decidires vir ao meu encontro, para que eu faça a minha ‘última viagem’, há sonhos que vão ficar por realizar, palavras que vão ficar por dizer, abraços que vão ficar por dar…há também memórias que levarei comigo, rostos que jamais esquecerei! Será uma viagem feita de recordações, cheia de partilhas, com muita gratidão nos lábios e no coração. Nesse dia não me roubarás nada, apenas me convidarás a ‘ir mais adiante’ no caminho que desde sempre estava preparado para mim.
Queria pedir-te, no entanto, que quando ‘me abraçares’ tragas contigo, para derramar no coração daqueles que ficam, o ‘perfume da eternidade’. Não te peço que os impeças de chorar, pois sei que cada lágrima na hora da partida é um pequeno diamante que o amor foi lapidando ao longo da vida. Também não te peço que os iludas ou ‘anestesies’ tentando convencê-los que não é dor aquilo que sentem. Deixa que eles sintam eu a desprender-me dos seus braços, faz que sintam ainda, por uma última vez, a doçura das minhas carícias e o calor do meu respirar. Deixa que me olhem nos olhos para me dizer: “a-Deus!” e assim me possam confiar (e confiar-se também eles!) Àquele que me sonhou, amou, fez viver e que agora me espera para entrar, do outro lado da porta da Vida, naquela comunhão de Amor que vai para além da paz e do silêncio do cemitério.
Nesse dia, em que o silêncio será teu companheiro de viagem, não te peço flores de alto preço nem longos discursos, muito menos te peço que se escondam as lágrimas com óculos de sol. Não te peço, por fim, que me canonizem ou, no outro extremo, que me amaldiçoem. Peço-te apenas que dês àqueles a quem eventualmente magoei um pedido sincero de perdão e a certeza de que, abraçado pela infinita misericórdia de Deus, no céu serei seu intercessor; Se ainda puderes, e quiseres, deixa naqueles a quem mais amo, tatuada a certeza de que estarão sempre comigo. E, naqueles para quem tu és olhada como uma ‘irmã severa’, peço-te que faças germinar no seu íntimo a certeza serena que nasce daquela Esperança eterna, que agora se faz porta para que eu possa entrar no coração da Vida!
Cara irmã morte, peço-te apenas que, como no comum dos dias, esse ‘último abraço’ e esse “a-Deus” sejam marcados pela simplicidade e pela gratidão de um coração que cantou e viveu a alegria em cada passo. Que se cantem ‘aleluias serenos’. Sobre o caixão apenas ‘grãos de trigo’. Nos lábios palavras de ternura colhidas na Palavra. No coração, não o vazio mas a Vida. E quando a terra me entregar ao céu entoe-se um ‘magnificat’ cheio de Páscoa!

E agora, minha querida irmã, antes de terminar esta carta, e sabendo que todos os dias nos visitas, a nós que somos aqui peregrinos, deixa que desta vez seja eu que te abrace, te ‘surpreenda’ e te faça ‘degustar’ com a serena certeza que Aquele que me ama tatuou para sempre no meu coração:

«Eu sei que o meu Redentor está vivo e no último dia Se levantará sobre a terra. Revestido da minha pele, estarei de pé; na minha carne verei a Deus. Eu próprio O verei, meus olhos O hão-de contemplar» (Job 19).

Minha querida irmã morte, vamo-nos cruzando, por aí, na ‘dança da vida’. Sabes não te temo, e, no dia em que vieres, faremos juntos uma festa com a certeza de que em Cristo “nascemos e não morreremos jamais” (Chiara Corbella).  

BOM DOMINGO para ti que crês na Vida para abraçar a morte!