terça-feira, junho 28, 2016

VAI E UNGE!


De quantos encontros são feitos os nossos dias? Na correria do quotidiano é normal cruzarmo-nos com muita gente, vemos apressada e superficialmente rostos, acenamos com a cabeça ou com as mãos para dar uma breve saudação, em alguns casos ainda conseguimos apertar a mão do outro, mas é um ‘toque’ superficial, sem tempo, pois ‘temos de ir’ que o relógio não para.

É urgente que os nossos caminhos quotidianos se tornem ‘sacramento do encontro’, lugar onde nos vemos e nos contemplamos, lugar onde degustamos a vida e a compartilhamos em profundidade, lugar onde o outro se torna parte de mim, lugar onde a história sagrada do outro se torna um apelo a ver, sentir e cheirar o bem, o bom e o belo da vida, de cada vida, em cada história.

Se cada encontro (re)começar com um olhar contemplativo e um coração escancarado (re)aprenderemos, com a força sempre sedutora e vulnerável da ternura, que somos muito mais, e muito melhor, do que imaginamos! (re)descobriremos o eterno em cada momento e o ‘tesouro escondido’ por dentro de cada gesto e palavra pronunciadas. É que afinal nenhum de nós é um obra já acabada e o que falta ainda (re)construir não se encontra na espuma dos dias, exige de nós ir mais fundo...exige discernimento ( = ler por dentro).

A Palavra que nos visita esta semana desperta-nos para uma vida ‘Cristificada’ (Lc 9, 51-62). Com Ele, e como Ele, somos Ungidos ( =Cristo, na língua Grega; Messias, na língua Hebraica); Com Ele, e como Ele, somos Peregrinos que atravessam o tempo fazendo de cada lugar e encontro um Kairós ( = tempo habitado pela Salvação); Com Ele, e como Ele, tocamos as feridas da existência humana e sentimos o doce desassossego do Espírito que faz com que “tudo o que é verdadeiramente humano encontre eco em nosso coração” (GS 1); Com Ele, e como Ele, temos como mesa e altar o quotidiano e ali nos repartimos para sermos sabor e presença do Reino que o Pai nos oferece, não como prémio mas como medida para tudo o que somos, pensamos, dizemos e fazemos; Com Ele, e como Ele, atravessamos a cidade dos homens com o Evangelho no coração e nos lábios para oferecer a todos uma palavra de benção, reconciliação, cura e libertação.


Eu e tu somos uma missão nesta terra, é para isso que estamos no mundo. É preciso considerarmo-nos como que marcados a fogo por esta missão de iluminar, abençoar, vivificar, levantar, curar, libertar. Nisto uma pessoa se revela enfermeira do no espírito, professor no espírito, político no espírito..., ou seja, pessoas que decidiram, no mais íntimo de si mesmas, estar com os outros e ser para os outros’ (EG 273). Então, como fez Elias com Eliseu (Rs 19, 16b), ou como Cristo fez com Pedro e Paulo, também Ele te diz hoje: “Vai...e Unge! Vai...e cura. Vai...e abraça. Vai...e perdoa! A todos, para sempre, como Ele fez. Pois foi para essa Liberdade que Cristo nos libertou. BOA SEMANA!




terça-feira, junho 21, 2016

CUIDO, LOGO EXISTO!

Distraídos e anestesiados somos devorados pelo relógio que nunca para! Bauman diz que vivemos num tempo em cuja identidade ou é de ‘turista’ ou de ‘vagabundo’, as referências e decisões sólidas tornaram-se fluídas e, não obstante a tragicidade de tudo isso, somos cada vez mais indiferentes...

Com seus ritos e dogmas a indiferença vai fazendo caminho entre nós: na falta do ‘bom dia’, na omissão de gentileza, na falta de apreço pelo que o outro é, no modo como nos olhamos pessoal ou coletivamente...estamos, lentamente, a ‘demonizar’ e a esquecer o humano. A nossa memória, quase potenciada ao infinito pela nova religião (do latim ‘religare’) chamada tecnologia, é afinal cada vez mais curta e os nossos “terabytes emocionais”, que deveriam ser espaço (e)terno para o (re)encontro, o diálogo e a partilha, estão cada vez mais monossilábicos e vazios, dando lugar a um sentimentalismo epidérmico e perigoso.

Precisamos, urgentemente, (re)aprender a arte de cuidar e contemplar. Precisamos de silêncio e de um coração de criança para reaprender afetos. Se nos falta encanto para ver o novo, precisamos reaprender a contemplar o quotidiano e a ver em cada instante ‘o milagre’ de um caminho feito de escuta, decisão, ousadia e criatividade. Nenhum de nós é um monólogo. Muito menos somos cinzentos! As cores da vida, e do coração, dão-nos a possibilidade de nos tornarmos ‘semeadores da ternura’ e (re)construtores da esperança.

Cada vida é um (re)começo! Uma história tecida com a filigrana de tantos encontros, palavras, silêncios, gestos, olhares. Sim, podemos recomeçar sempre. Todos os dias. A ternura abre portas onde só vemos paredes, um olhar planta infinito onde só vemos limites, um gesto abre ao futuro onde antes só se via passado, um abraço desperta acolhimento onde antes só se via recusa, e o coração...bom, esse faz-nos sussurrar a Vida onde se via apenas morte!


Quando nos faltar a coragem, ou o medo parecer mais forte, vamos olhar-nos olhos nos olhos ainda mais intensamente, vamos deixar que nossos corações se (re)encontrem e, na cumplicidade que só o Amor desperta, vamos sussurrar um ao outro: “Vou cuidar de ti! Não temas! Dá-me um abraço”. 



segunda-feira, junho 13, 2016

NÃO TEMER O AMOR...

Há quem viva a vida só pela metade. Esses, de medo em medo, semeiam amargura e lamentações, como se existir fosse uma ‘fatalidade’ e viver fosse tão somente um ‘vale de lágrimas’. Para a vida ter saber, sabor e sentido não bastam ‘bons propósitos’, boas ideias ou ‘pensamentos nobres’...já para não falar dos sempre ‘ótimos (e absolutos!) juízos’ que temos acerca dos outros!

Precisamos ser ‘artesãos da vida’. Precisamos urgentemente (re)aprender, com um coração de criança, a acolher sem estar à defesa e a saber que o outro é ‘diferente de mim’, mas não é ‘meu inimigo’; é decisivo que (re)aprendamos a ‘eternidade da ternura’ num simples e demorado olhos-no-olhos e coração-a-coração. É curioso como a poeira do tempo e da história nos vais anestesiando o encanto pela simplicidade...Há quanto tempo não te sentas no colo de tua mãe? Ainda te lembras da última vez que acariciaste o rosto dos teus avós? Quantos abraços tens oferecido aos que se cruzam contigo diariamente? De quanto perdão vão carregadas as tuas palavras? E os teus olhos como contemplam a presença discreta e silenciosa do Deus-Amor no mundo? Não te parece contraditório que nós, os discípulos de Cristo, sejamos tantas vezes os primeiros a ‘amaldiçoar’ o tempo e a história em que vivemos? Se cada um de nós se desse conta do quanto Deus age na história não perderíamos tanto tempo com as ‘lamentações de perdição’ e os nossos dias seriam uma sinfonia de ação de graças. Não sou ingénuo, sei que o mal existe no mundo, sobretudo nos corações fechados, mas o bem que vemos, ouvimos e fazemos é infinitamente maior!

A Palavra desta semana encontra-nos e desconcerta todos os nossos esquemas e pré-juízos! O que está em causa naquele ‘encontro’ na casa do fariseu não é o pecado, mas a nossa capacidade de acolher (Lc 7, 36-50). Não basta deixar entrar e ‘preparar a mesa’, isso é ‘boa educação’, é preciso que o outro tenha espaço no nosso coração, e isso é Evangelho! Só é capaz de oferecer um perdão desmesurado quem sabe que cada pessoa é terra e história sagrada, que todos somos recomeço e que Deus é o único que não desiste de nós e o primeiro a levantar-nos. O perdão não é uma questão de ‘contabilidade’, é oferta antecipada de um dom imerecido, incondicional e gratuito. “Ninguém pode ser condenado para sempre pois esta não é a lógica do Evangelho” (AL 297).

No frasco de alabastro levado pela mulher-peregrina vai a oferta do seu quotidiano. É a oferta total, amorosa e confiante da sua fragilidade, dos seus recomeços, das suas dores, perdas e angústias. É a sua oração de súplica, antecipando não somente o anúncio da morte de Jesus, mas também a sua própria morte para uma ‘vida velha’ feita de descaminhos. Ela sabia que só Aquele que é a Vida poderia vencer todas as mortes que trazia dentro! Foi assim que silenciosamente, naquela casa, o encontro gerou o perdão e no perdão se deu a cura (interior). Sim, o perdão de Deus levanta-nos sempre sem nos humilhar e renova em nós a certeza de que somos filhos e não mais mendigos. Gosto de olhar este encontro como uma metáfora da nossa vida...gosto de ficar ali em silêncio de olhos fixos em Jesus e naquela ‘mulher-coragem’ que nos ensina a ‘não temer o Amor’. Este encontro desperta sempre em mim um sonho...partilho-o contigo: Sonho com o dia em que todos nós os batizados acreditarmos INFINITAMENTE no perdão de Deus...nesse dia começaremos a ser Cristãos! BOA SEMANA!



*É bom (re)lembrar:

“Saiamos, saiamos para oferecer a todos a vida de Jesus Cristo! (...) Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarra às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos. Se alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força,a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida. Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta e Jesus repete-nos sem cessar: ‘dai-lhes vós mesmos de comer’.” (Papa Francisco, EG 49)