terça-feira, dezembro 27, 2016

SAUDAÇÕES INCÔMODAS!...

(foto retirada de http://radioalansaar.co.za/barrel-bomb-attack-kills-11-children-in-syrias-aleppo-monitor/)

Caríssimos, eu desobedeceria ao meu dever de bispo se lhes dissesse “Feliz Natal” sem incomodá-los. E eu quero incomodar. Eu não posso suportar a ideia de fazer saudações inócuas, formais, impostas pela rotina do calendário.

Então, meus queridos irmãos, a vocês as minhas melhores saudações incômodas!

Que Jesus, nascido por amor, lhes dê náuseas pela vida egoísta, absurda, sem impulso vertical, e lhes conceda a graça de recriar a sua vida na doação de si mesmos, na oração, no silêncio, na coragem. Que o Bebê que dorme em cima da palha lhes tire o sono e faça vocês sentirem o travesseiro da sua cama tão duro quanto uma pedra até acolherem de verdade um desalojado, um necessitado, um pobre que vaga pelas suas ruas por falta de compaixão.

Que o Deus feito carne faça vocês se sentirem vermes toda vez que a sua carreira se tornar o ídolo da sua vida; toda vez que passar os outros para trás for o projeto dos seus dias; toda vez que as costas do próximo se tornarem o instrumento da sua escalada.

Que Maria, a mãe que só encontrou no esterco dos animais o berço em que deitar com ternura o fruto do seu ventre, force vocês, com os seus olhos feridos, a suspender suas festinhas de fim de ano até que a sua consciência hipócrita enxergue que as latas de lixo e os incineradores das clínicas são transformados impunemente em túmulos sem cruz de vidas humanas exterminadas.

Que José, aquele que encarou mil portas fechadas na cara e que é símbolo de todas as desilusões paternas, incomode a esbórnia da sua comilança e dê curto-circuito no seu desperdício de luzes piscantes até vocês entrarem em crise sincera diante do sofrimento de tantos pais que derramam lágrimas pelos filhos sem saúde, sem trabalho e sem oportunidades.

Que os anjos, anunciadores da paz, tragam a guerra à sua tranquilidade sonolenta, incapaz de enxergar que, sob o seu silêncio cúmplice, perpetram-se injustiças, expulsam-se pessoas, fabricam-se armas, militariza-se a terra dos humildes, condenam-se povos ao extermínio da fome.

Que os pobres que acorrem à gruta de Belém enquanto os poderosos conspiram na escuridão e a cidade dorme na indiferença façam vocês entenderem que, se quiserem ver “uma grande luz”, precisam se levantar e partir; façam vocês entenderem que as esmolas de quem lucra com o couro das pessoas são calmantes inúteis; façam vocês entenderem que as belas roupas compradas com o décimo terceiro podem até causar boa impressão, mas não aquecem a alma; façam vocês entenderem que a coexistência de pessoas sem lar e de especulação corporativa é um ato de horrendo sacrilégio.

Que os pastores que velavam no meio da noite vigiando o rebanho e perscrutando a alvorada deem a vocês um sentido para a história, a emoção da expectativa, a alegria do abandono em Deus e lhes inspirem o desejo profundo de viver pobres em espírito, porque viver pobre em espírito é a única maneira de morrer rico aos olhos de Deus.

Que, em nosso velho mundo moribundo, nasça a esperança. Feliz Natal!

(Nasceu 18 março 1935 /faleceu 20 abril 1993)



Se quiseres podes ainda ler as palavras incômodas do PAPA FRANCISCO clicando AQUI



segunda-feira, dezembro 19, 2016

(RE)NASCE!...


Todos os nomes têm rosto, trazem consigo uma história para contar, revelam-nos um mundo polifónico de afetos, uma sinfonia de sentimentos, experiências e vivências. Dar nome é, portanto, entrar num território sagrado, é tocar o mistério do outro...é dizer ao outro: “o que tu és, tem sentido e significado dentro de mim”.

Também Jesus quis ter um nome e uma família, quis fazer história conosco e em nós, quis dizer-nos, com o seu ser e agir, que n’Ele temos um sentido e um significado. Não somos um acaso ou simplesmente criaturas, somos seus irmãos, herdeiros com ele do Reino que o Pai preparou, n’Ele e com Ele somos uma história de salvação!

Diante do Amor não precisamos ter medo! O Amor fez-se Emanuel, um Deus-conosco e para nós, como nos recordou tão sabiamente Bento XVI: “O sinal de Deus é a simplicidade. O sinal de Deus é o menino. O sinal de Deus é que Ele faz-se pequeno por nós. Este é o seu modo de reinar. Ele não vem com poder e grandiosidades externas. Ele vem como menino - inerme e necessitado da nossa ajuda. Não nos quer dominar com a força. Tira-nos o medo da sua grandeza. Ele pede o nosso amor: por isto faz-se menino. Nada mais quer de nós senão o nosso amor, mediante o qual aprendemos espontaneamente a entrar nos seus sentimentos, no seu pensamento e na sua vontade - aprendemos a viver com Ele e a praticar com Ele a humildade da renúncia que faz parte da essência do amor. Deus fez-se pequeno a fim de que nós pudéssemos compreendê-Lo, acolhê-Lo, amá-Lo”.

Gosto de olhar José a saborear tudo isto interiormente (Mt 1, 18-24). Gosto de contemplar Deus a habitar os seus sonhos. Gosto do jeito com que Deus sussurra ao coração de José a ternura do Mistério que ele é chamado a acolher e a viver. No silêncio ativo de José gosto de ler as entrelinhas de quem se deixa moldar pelo divino Oleiro, de quem aceita fazer do seu nada amor. Gosto da determinação de José! Sim, para tudo é necessária uma ‘determinada determinação’ (Stª Teresa de Ávila) e José sabe que o caminho que Deus lhe abre diante dos olhos e do coração é o caminho da (e)ternidade, do dom, do silêncio que sabe dar-se e que se faz amor eterno.

A caminho do Natal, deixemos que o Mistério toque o nosso cotidiano. Deixemo-nos interrogar: “Como acolhemos a ternura de Deus? Deixo-me alcançar por Ele, deixo-me abraçar, ou impeço-Lhe de aproximar-Se? Porém a coisa mais importante não é procurá-Lo, mas deixar que seja Ele a procurar-me, a encontrar-me e a cobrir-me amorosamente com suas carícias. Esta é a pergunta que o Menino nos coloca com a sua mera presença: permito a Deus que me queira bem?” (Papa Francisco).

A casa está pronta. A mesa está posta. Por entre o frio gélido de um rigoroso inverno, vem ao nosso encontro a Luz do mundo, a única luz que aquece nossos corações e dissipa as nossas trevas. De quanta Luz vais encher o teu coração neste Natal? Com quanta Ternura vais aquecer os corações ao teu redor? Quantas portas vais destrancar e permitir aos outros que habitem a tua história sagrada?

Tal como Jesus, também o teu nome é uma história sagrada. Também o teu rosto é sinal de salvação! também a tua vida é um Evangelho. Também tu podes fazer a diferença. Crês nisso? Boa Semana. Vem aí o Natal...(Re)nasce!


*caso a indiferença ainda não te tenha anestesiado, a foto postada no início é de Aleppo...o que está a acontecer ali não é uma 'guerra civil'...é a terceira e pior das guerras mundiais...a da indiferença!

segunda-feira, dezembro 05, 2016

ARREPENDER-SE NÃO MATA, CONVERTE!


Nenhuma história pessoal é um livro já acabado! Somos ‘peregrinos’, a nossa história sagrada é feita dos ‘milagres’ cotidianos, dos pequenos encontros, do cruzar de olhares que vencem a indiferença, das batidas do coração algumas vezes aceleradas outras mais tranquilas...temos muito para narrar, dentro e fora de nós. Se nos déssemos conta do muito e do belo que acontece dentro de nós todos os dias, talvez os nossos olhos fossem menos míopes, nossos lábios menos lamurientos, nossas palavras mais afetuosas, nos gestos mais delicados e nosso coração um altar onde celebraríamos em cada entardecer a doce alegria da nossa existência.

Gosto de olhar o tempo do Advento com a tónica do afeto...gosto de contemplar o nosso Deus-paciente naquele Seu excesso de dom que o faz precipitar-se dos altos céus para ser conosco, e em nós, o Deus-baixíssimo...um Deus que não se limita à medida dos homens mas que é plenamente humano! Gosto de ler Deus nas entrelinhas da vida e ver, de surpresa em surpresa, o seu agir discreto e silencioso oferecendo uma paz não melancólica ou nostálgica, mas uma paz ativa que desperta sentidos, convoca a inteligência e pede discernimento. Gosto de escutar Deus nos seus profetas, os de ontem e os de hoje, e de vê-lo consolar, acompanhar e despertar o seu Povo...

A Palavra que nos nutre ao longo desta semana faz-nos entrar num dinamismo de novidade que transforma os nossos desertos em caminhos, as nossas certezas em tempo de discernimento, as nossas fragilidades em oportunidade de crescer, as nossas chagas em ‘tesouro fecundo’ que o tempo cicatriza fazendo delas porta do futuro. Naquele “Arrependei-vos” (Mt 13, 1-12) com que João nos inquieta nos desertos que nos habitam está condensada a provocação de Deus a deixarmos que Ele reine em nós, na nossa vida, em nossas opções, nos nossos afetos...é que onde Deus reina o humano é pleno, o silêncio torna-se fecundo, o agir não cansa.

Há arrependimentos que nos amarguram e torturam, neles há sempre histórias e acontecimentos que insistimos repetir, ruminar, até nos autodestruirmos e deprimirmos. Isso não é arrependimento, é apenas um processo de culpa e de acusação com que lutamos diariamente...e diante do qual nos sentimos sempre vencidos.
O arrependimento que nasce da fé não nos coloca ‘contra a parede’, não nos ‘aponta o dedo’, liberta-nos da culpa e aponta-nos caminhos! Arrepender-se não mata, converte! E toda a conversão é sempre uma primavera da alma que faz florir a esperança mesmo no meio do mais rigoroso inverno.


Esta semana vamos cruzar-nos no caminho com a ‘Cheia de Graça’, Ela nos garante como ‘sacramento da Ternura’ que o segredo é confiar. E toda a conversão começa sempre com esse gesto sublime de quem aceita entregar tudo nas mãos do único que nos pode oferecer recomeço. A todos. Sempre! Boa Semana.