sábado, abril 15, 2017

Nunca estaremos sozinhos...


Assim escreveu, de maneira sublime, Bento XVI:

“No nosso tempo, especialmente depois de ter atravessado o século passado, a humanidade tornou-se particularmente sensível ao mistério do Sábado Santo. O escondimento de Deus faz parte da espiritualidade do homem contemporâneo, de maneira existencial, quase inconsciente, como um vazio no coração que se foi alargando cada vez mais. No final do século XIX, Nietzsche escreveu:  "Deus está morto! E quem o matou fomos nós!". Esta célebre expressão, observando bem, é tomada quase ao pé da letra da tradição cristã, frequentemente a repetimos na Via-Sacra, talvez sem nos darmos conta plenamente do que dizemos. Depois de duas guerras mundiais, os lager e os gulag, Hiroshima e Nagasaki, a nossa época tornou-se um Sábado Santo em medida cada vez maior:  a escuridão desse dia interpela todos os que se questionam sobre a vida, de modo particular interpela a nós, crentes. Também nós somos responsáveis por esta escuridão.

E, no entanto, a morte do Filho de Deus, de Jesus de Nazaré tem um aspecto oposto, totalmente positivo, fonte de consolação e de esperança. Isto faz-me pensar no facto de que o Santo Sudário se comporta como um documento "fotográfico", dotado de um "positivo" e de um "negativo". Com efeito, é exatamente assim:  o mistério mais obscuro da fé, ao mesmo tempo, é o sinal mais luminoso de uma esperança que não tem confim. O Sábado Santo é a "terra de ninguém" entre a morte e a ressurreição, mas nesta "terra de ninguém" entrou Um, o Único, que a atravessou com os sinais da sua Paixão pelo homem:  "Passio Christi. Passio hominis". O Sudário fala-nos precisamente deste momento, está a testemunhar aquele intervalo único e irrepetível na história da humanidade e do universo, no qual Deus, em Jesus Cristo, partilhou não só o nosso morrer, mas inclusive o nosso permanecer na morte. A solidariedade mais radical.

Naquele "tempo-além-do-tempo" Jesus Cristo "desceu à mansão dos mortos". O que significa esta expressão? Quer dizer que Deus, feito homem, chegou até ao ponto de entrar na solidão extrema e absoluta do homem, onde não chega raio de amor algum, onde reina o abandono total sem palavra de conforto alguma:  "mansão dos mortos". Jesus Cristo, permanecendo na morte, ultrapassou a porta desta solidão última para nos guiar também a nós a ultrapassá-la com Ele. Todos nós sentimos algumas vezes uma sensação assustadora de abandono, e o que mais nos assusta é precisamente isto, como quando somos crianças, temos medo de estar sozinhos no escuro e só a presença de uma pessoa que nos ama pode dar-nos segurança. Aconteceu exatamente isto no Sábado Santo:  no reino da morte ressoou a voz de Deus. Sucedeu o impensável:  ou seja, que o Amor penetrou "na mansão dos mortos":  também no escuro extremo da solidão humana mais absoluta nós podemos escutar uma voz que nos chama e encontrar alguém que nos pega pela mão e nos conduz para fora. O ser humano vive porque é amado e pode amar; e se até no espaço da morte penetrou o amor, então também lá chegou a vida. Na hora da extrema solidão nunca estaremos sozinhos:  "Passio Christi. Passio hominis".

Este é o mistério do Sábado Santo! Exatamente do escuro da morte do Filho de Deus brilhou a luz de uma esperança nova:  a luz da Ressurreição”

(Bento XVI, 02/05/2010)

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