segunda-feira, março 26, 2018

OS OLHOS DO CENTURIÃO...



Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.  Assim escreveu Saramago, como que a provocar-nos com a pergunta que fica nas entrelinhas: Afinal, O que vês? Em que(m) reparas? Num tempo tão cheio de ritmos frenéticos, de indiferença e de ‘liturgias da banalidade', abre-se diante de nós um pórtico que interpela o nosso coração e a nossa inteligência, VEM AÍ A PÁSCOA!


Fomos chamados e convocados há 40 dias para um caminho de renovação interior. Logo no primeiro passo, que é sempre iniciativa d’Ele, começámos com a garantia de que Deus é o primeiro a acreditar em nós e o único que não desiste de nós. Ali mesmo Ele deixou claras as suas intenções: «Estabelecerei a minha aliança convosco, com a vossa descendência e com todos os seres vivos que vos acompanham ...» (Gen 9, 8-15 ).

Chegámos agora diante da Páscoa, estamos no começo da Semana Maior (ela não vai ter mais dias, mas é a grande semana que nos leva a mergulhar nas fontes da Salvação!). O que vimos (e ouvimos) durante o grande caminho dos 40 dias? Onde nos detivemos? Com que determinação deixámos Deus tocar nossas feridas e curar nossos lamentos? Onde o sussurro da Páscoa foi mais forte que o nosso medo e o nosso pecado? Deus chamou-nos para um caminho Batismal-Pascal e, como Pai, dispôs-se a moldar o nosso coração endurecido pelo medo e pela vergonha do pecado. De aliança em aliança foi-nos narrando e oferecendo ternura e recomeço...

Entremos então nesta ‘Semana da Ternura e do Recomeço deixando-nos guiar pelos olhos do centurião. Aquele homem, não sabemos se era o mesmo de Cafarnaum (Lc 7), era para os seus contemporâneos um homem importante, tinha poder e podia exigir obediência...No entanto, encontramo-lo ali, diante do calvário, mudo! Estava, num frente a frente com Jesus! Não sabemos o que o silêncio daquele espetáculo cruel lhe perguntava interiormente...Sabemos apenas que do seu olhar contemplativo e, do seu coração e inteligência, brotou a ‘bem-aventurança’ do Calvário: “Na verdade, Este homem era o Filho de Deus!” (Mc 14, 1- 15, 47)...

Os olhos do Centurião são janelas pelas quais a Ternura de Deus nos interpela a dar passos concretos rumo à Páscoa.  O que vamos viver e celebrar, o oceano em que vamos mergulhar nos próximos dias, não é uma liturgia da banalidade ou do superficial, muito menos um rito para aplacar a ira do deus-sádico, menos ainda um tempo para ‘lágrimas de crocodilo’...

A PÁSCOA VEM AO NOSSO ENCONTRO, pede-nos imersão, do coração e da vida, no coração de Deus. No Calvário é-nos oferecido sentido, sabor e significado para a nossa vulnerabilidade quotidiana. Da Cruz do Crucificado-Ressuscitado, Deus que é Pai de Misericórdia, quer-nos fazer beber das fontes da Salvação para que possamos caminhar com um Coração-Pascal. Talvez seja oportuno tatuarmos por dentro dos nossos corações esta certeza de Isaac de Nínive: “Deus só pode dar-nos o seu amor!”. Então, quando assim fizermos, abriremos nossos olhos e, como o centurião, também nós reconheceremos o nosso Salvador. O Salvador do Mundo. Por todos. Por Amor. Para Sempre! BOM CAMINHO. BOA SEMANA...SANTA!




segunda-feira, março 12, 2018

O ‘essencial’ do Evangelho...



Caro Nicodemos, faz algum tempo que queria escrever-te.

Sei que de Deus sabes muitas coisas, tens estudado a Torah e, nas tuas obras cotidianas, os ‘últimos’ têm encontrado em ti um bálsamo para as suas dores, seja pelas tuas palavras doces e plenas de sabedoria e sensibilidade, seja pela tua esmola generosa que sempre restitui dignidade e abre portas de esperança. Se outros me falassem de ti diriam que és um homem correto, honesto e caridoso. Nada mal, heim?!

Esta minha carta, caro Nicodemos, é mais do que ‘uma carta’, na verdade ela é uma conversa muito simples que faz tempo quero ter contigo. Sou, como tu, um peregrino. Amo a vida, as pessoas, a natureza. Gosto do que é simples, não fico indiferente diante do sofrimento, não me calo diante da injustiça e procuro viver cada dia plantando um pouco de ternura através daquilo que chamo ‘os milagres cotidianos’. Seria bom que tudo isso fosse diariamente a 100%, mas nunca te esqueças: sou um peregrino...sempre precisado de perdão ( = Recomeço). Não te disse ainda, mas sou discípulo de Jesus. Sim, esse que vens seguindo há já algum tempo em silêncio! E tem tanta gente fazendo o mesmo...

Vou contar-te um segredo: durante muito tempo houve uma pergunta que me tirou o sono: “Haverá um Amor capaz de curar, iluminar e salvar?”, imagino que também essa pergunta te acompanhe! Não te preocupes, não vou dar-te uma resposta, compreenderás mais tarde o motivo...

Sabes, Nicodemos, quando se busca o que é (e)terno, não bastam as ‘respostas já prontas’. Diante das grandes perguntas da vida há uma decisão importante: não se entregar à aparente ‘frustração’, isso já é um começo importante! Tem tanta gente que busca respostas e, na primeira ‘não resposta’, baixa os olhos e, daí em diante, apenas vê o chão...

Soube por João que esta noite vieste ao encontro de Jesus...sei como é entusiasmante esse caminho! Ir ao encontro de Jesus e deixar simplesmente que Ele nos olhe. Afinal, só Ele sabe quem nós somos! Descobrimos nessa hora o ‘essencial’ do Evangelho: “Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigénito, para que todo o que acredita n’Ele não morra, mas tenha a vida eterna. Porque Deus não enviou o Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele” (Jo 3, 16-17).

Caro Nicodemos, não sei o que farás depois desse encontro. Quero apenas dizer-te que a comunidade dos discípulos de Jesus, também conhecida como Igreja, estará de portas abertas para te acolher, a ti e a todos os outros ‘Nicodemos’ que de noite, ou de dia, andam à procura de uma luz e de um Amor capaz de curar, iluminar e salvar! Aqui as tuas dores serão as nossas dores, as tuas alegrias as nossas alegrias, e as tuas dúvidas, ao invés de serem um problema, serão mais um passo para juntos sedimentarmos o caminho do nosso seguimento de Jesus... Sê bem-vindo, meu irmão!