quinta-feira, março 07, 2019

“Não precisamos temer o silêncio verdadeiro...”


Entrevista realizada por:
Mons. Virgílio Almeida e Prof. Luis Miranda
em exclusivo para o Jornal O Auxílio - Paróquia Nossa Senhora Auxílio dos Cristãos - Bessa (PB)



1. D. Laurence, vamos iniciar o período da quaresma, que entre tantos apelos nos convida à oração. “Entra no teu quarto e fecha a porta… e ora”. Que significa este convite para as pessoas do nosso tempo?

Passamos a ter uma cultura muito extrovertida e distraída. Nossos celulares e nossa mídia nos alienaram de nosso aposento interior. A interioridade é o primeiro elemento dos ensinamentos de Jesus acerca da prece. Caso não redescubramos esse significado estaremos condenados à superficialidade. O caminho para o aposento interior é simples, mas não é fácil. A meditação é a disciplina espiritual de um discípulo de Jesus.

2. Vivemos uma cultura, marcada pela ocupação, o ruído, o barulho…Encontramos pessoas cansadas e abatidas pelo peso da vida. Falamos muito de uma verdadeira "Crise existencial”, “vazio interior”.  Em que sentido o silêncio e a meditação podem inaugurar um novo caminho de paz interior, de equanimidade, sendo um “Evangelho” para o nosso tempo?

A meditação faz parte de nossa tradição espiritual e modo de orar. Mas, também é uma expertise de sobrevivência em nossa atualidade. O aprendizado da meditação é uma urgente prioridade. Melhor será se começarmos quando ainda crianças nas salas de aulas. Mas, também precisamos aprender em idade mais madura, e para isso precisamos de apoio. Felizmente, a meditação gera comunidade. Só precisamos começar.

3. D. Laurence, depois deste longo percurso da ‘meditação cristã’, há ainda algumas pessoas que não sabem o que ela é. Se tivesse que dar uma breve definição a nossos leitores, o que diria?

Trata-se da prece do coração: ela segue os ensinamentos de Jesus acerca da prece. Também é uma sabedoria universal que encontramos em todas as tradições. A meditação alia o silêncio à imobilidade e, à simplicidade, que são os elementos essenciais da contemplação. Ela é uma tradicional prática que encontramos na Igreja primitiva. Sente-se, esteja quieto(a), feche seus olhos. Repita mentalmente, e no seu coração, uma única palavra de prece. Sugerimos o termo antigo Maranathá (do Aramaico = Vem, Senhor!). Repita-o fielmente e continuamente, de modo a aprender a colocar de lado todos os pensamentos e imagens, pela repetição dessa única palavra. O objetivo disso é o de nos tornarmos radicalmente pobres em espírito. O resto é o trabalho do Espírito. Meditamos para nos aproximarmos mais da união com Jesus, e para adentrar a prece dele, de modo à com ele nos movermos para além do ego ao Pai no Espírito.

4. Em alguns círculos religiosos, cria-se uma suspeita da "pratica de meditação”. Em que a “Meditação Cristã se assemelha e como se diferencia das práticas orientais e de outros grupos não cristãos?

A meditação é cristã se meditamos na fé cristã, de modo a nos aproximarmos de Jesus. Trata-se de parcela de nossa tradição histórica e teológica. Meditamos com outros cristãos. A meditação não substitui quaisquer outras formas de prece, mas preenche a dimensão que falta à prece.

5. Encontramos em tantas pessoas um desejo de paz, de bênçãos, de contato com o divino. Quais os benefícios e frutos na vida de quem consegue fazer a Meditação Cristã regularmente?

Os benefícios podem ser medidos: na saúde cardiovascular, no sistema imunológico, no relaxamento, na melhoria da qualidade do sono, etc. Mas, esses benefícios são apenas os sinais exteriores de frutos espirituais mais profundos, aquilo que São Paulo chamava de a colheita do espírito (amor, alegria, paciência, bondade, suavidade, e auto-controle). Identificamos isso em nosso relacionamento com nós mesmos e, especialmente, com os outros.

6. Como falar da relação entre Meditação e saúde mental, entre Meditação e uma vida espiritual consistente?

Na tradição mística o termo para saúde espiritual é “apatheia”. Sem isso, calma e equanimidade, integração e harmonia pessoal, não poderemos estar íntegros e em paz em nós mesmos.

7. Por que as pessoas desejam, mas têm um certo medo do silêncio, têm dificuldades de uma pratica regular?  Que orientações daria a quem deseja iniciar um caminho de fé pela via do silêncio, da meditação?

Temos medo da realidade, mas deveríamos temer mais a ilusão. A meditação se parece a uma criança. Caso tenha medo do silêncio e da imobilidade, procure meditar com crianças. Elas nos mostram o quanto a meditação é natural e universal. Nada tema, Jesus disse. Assim, só é necessário começar, e tudo o que você precisa lhe será dado.

8. Estamos para iniciar o tempo quaresmal, tempo de deserto, de silêncio, de oração. Mas também é tempo de viver a Palavra, de cultivar a Caridade Há ainda quem pense que o caminho da oração/contemplação significa desligar-se da realidade. O que tem a nos dizer sobre isso? É a Meditação um caminho individualista ou exatamente o contrário, nos lança na aventura da caridade, da tolerância, da compaixão, da unidade com os outros?

A meditação é a cura, o antídoto, para a solidão e o isolamento. É o caminho da solitude, que é o reconhecimento e a aceitação de nossa identidade única aos olhos de Deus. Caso lhe pareça como um deserto, isso é bom. Jesus se encaminhou para o deserto para se encontrar a si mesmo em Deus, o Pai, e de lá saiu forte e cheio de coragem. Assim é também conosco.  A meditação é o nosso deserto, a região onde encontramos Deus em solitude, e onde transformamos nosso modo de viver e de nos relacionarmos com nós mesmos e com os outros.

9. Falamos em deserto, em silêncio. Quais são, na sua opinião, os grandes desertos que a humanidade está a atravessar? Que ‘silêncios’ mais o preocupam?

O silêncio é o fruto da atenção amorosa. Não é algo negativo. Trata-se de perfeita comunhão e da plenitude de comunicação. Deveríamos temer o falso silêncio que é recusa de nos abrirmos, de nos comunicarmos. Não precisamos temer o silêncio verdadeiro que nos conduz à plenitude da presença de Deus. “Parai e sabei que Eu sou Deus”. A meditação reduz e afinal sobrepuja o medo porque ela é a obra do amor, e o amor perfeito expulsa o medo.

10. Que sugestões daria a um cristão para viver bem esta quaresma que agora se inicia?

Tanto quanto possa: medite toda manhã e toda tarde, durante 20 minutos, ou tanto quanto consiga. Repita a sua palavra de prece ao longo de todo a meditação, de modo que você possa estar na real presença de Jesus, direta e plenamente. Adicionalmente, procure evitar o álcool e os doces (é o que eu faço), de modo a poder exercitar algum autocontrole e cuidado para com o corpo, que é o templo do espírito e um instrumento da prece. Busque a oportunidade especial que cada dia te oferece de ser gentil e generoso(a) para alguém (sem esperar agradecimento ou reconhecimento). Leia o Evangelho do dia após a meditação da manhã e da tarde. E esteja alegre e em paz. Nada há a temer, se você estiver disponível para o amor que flui em seu coração. Esteja disponível para mudanças.



Quem é Dom Laurence Freeman?

Laurence Freeman nasceu na Inglaterra em 1951 onde recebeu educação beneditina e estudou Literatura Inglesa no New College da Universidade de Oxford. Antes de entrar para a vida monástica ele trabalhou para a ONU em Nova Yorque, em banco e em jornalismo. Hoje D. Laurence é um monge beneditino do Mosteiro Christ our Saviour, de Turvey, na Inglaterra, um Mosteiro da congregação de Monte Oliveto. Ele é o diretor da WCCM - Comunidade Mundial para a Meditação Cristã.

D. Laurence estudou teologia na Universite de Montreal e na McGill University. e fez seus votos solenes monásticos em 1979 e foi ordenado sacerdote em 1980.  Em 1991 D. Laurence voltou à Inglaterra para estabelecer o Centro Internacional da recém criada WCCM, agora presente em mais de cem países e que se tornou um Mosteiro sem paredes pelo qual ele viaja e ensina amplamente.

quarta-feira, março 06, 2019

Encher de Páscoa todas as coisas...



A Quaresma chegou. 

Não é apenas “mais uma” a somar a tantas outras que já vivemos. Há quaresma porque há Páscoa! Talvez não seja assim tão despropositado repetir: a quaresma não é uma ‘prévia’ do funeral de Cristo, mas um caminho, interior e comunitário, para redescobrir as fontes da nossa salvação. Um tempo ritmado pela alegria do jejum, da oração e da esmola (Mateus 6, 16-24). Tempo de sintonizar o coração e a vida com Cristo, tempo para saciar nossa sede de perdão, de paz interior, de silêncio...

Espiritualmente a quaresma é tempo para dilatar o coração e encher de Páscoa todas as coisas. Não é tempo para ‘fazer dieta’, é tempo de jejum verdadeiro fugindo da maledicência, da fofoca, dos olhares recriminatórios e de tantas outras coisas que envenenam o nosso cotidiano; É tempo para crescer na oração, pois só um coração de filho, habituado ao silêncio e à escuta, pode viver sem medo o chamado do Pai à conversão; Quaresma é tempo de se redescobrir irmão pela partilha, de que nos vale dar uns trocados se não partilhamos o que nos faz falta?...

O primeiro passo é sempre determinante! Iniciemos esta quaresma com profunda alegria, com um coração cheio de Páscoa, e peregrinemos ao encontro do “Deus dos humildes, auxiliador dos oprimidos, sustentador dos fracos, protetor dos abandonados, salvador dos desesperados” (Judite 9, 11). Ele já vem ao nosso encontro!...