Gosto
de saborear o tempo e a história com a tessitura da esperança, com um olhar
contemplativo, capaz de ver em cada desafio o lugar onde Deus nos chama. Gosto
de degustar em profundidade o “perfume da Páscoa” que perpassa toda a história
humana e beija cada uma de nossas cicatrizes. Gosto de palavras que ampliam
horizontes. Esperança. Gosto da luz que habita a palavra das palavras. Fé! E,
se o mais belo nome de Deus é misericórdia, o jeito dele agir no tempo e na
história chama-se ternura, oferta de recomeço, de vida, de salvação.
Ao
oferecer-nos, como dom para todos, a Encíclica Fratelli Tutti, o Papa
Francisco alertou-nos também para o perigo de “esvaziar de sentido ou
manipular as «grandes» palavras” (FT 12) e provocou-nos com uma pergunta: “como
se pode levantar a cabeça para reconhecer o vizinho ou ficar ao lado de quem
está caído na estrada?” (FT 16).
No
Advento, que a partir de amanhã nos encontra, abraça e envolve, há uma
presença, discreta e silenciosa, que quotidianamente nos precede, acompanha e
nos fala. Há um Verbo que tem rosto e é um projeto, Esperançar! Com sabedoria,
e provocação, assim escreveu o grande educador Paulo Freire: “Esperançar é
se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não
desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para
fazer de outro modo…”.
O
Advento, tempo de Esperançar, convoca-nos e desperta-nos da sonolência de um
coração fechado na indiferença e no egoísmo. Chama-nos a estarmos juntos, a
sermos um! Os anjos, que enchem de ternura as páginas do Evangelho na
natividade do Filho de Deus, reescreveram, ao ver-nos errantes, mudos e
indiferentes, o essencial da Boa notícia: “Glória a Deus nas alturas…e pés na
terra!”.
Num
tempo que nos sequestrou os abraços e nos faz ter como companheiro o vírus da
incerteza e da imprevisibilidade, é decisivo recordarmos que: “O ideal cristão
convidará sempre a superar a suspeita, a desconfiança permanente, o medo de
sermos invadidos, as atitudes defensivas que nos impõe o mundo actual. Muitos
tentam escapar dos outros fechando-se na sua privacidade confortável ou no
círculo reduzido dos mais íntimos, e renunciam ao realismo da dimensão social
do Evangelho. Porque, assim como alguns quiseram um Cristo puramente
espiritual, sem carne nem cruz, também se pretendem relações interpessoais
mediadas apenas por sofisticados aparatos, por ecrãs e sistemas que se podem
acender e apagar à vontade. Entretanto o Evangelho convida-nos sempre a abraçar
o risco do encontro com o rosto do outro, com a sua presença física que interpela,
com o seus sofrimentos e suas reivindicações, com a sua alegria contagiosa
permanecendo lado a lado. A verdadeira fé no Filho de Deus feito carne é
inseparável do dom de si mesmo, da pertença à comunidade, do serviço, da
reconciliação com a carne dos outros. Na sua encarnação, o Filho de Deus
convidou-nos à revolução da ternura.” (Evangelii Gaudium 88).
A
Esperança cristã, que celebramos em cada advento, não é um analgésico que nos
isenta das nossas responsabilidades quotidianas. Muito menos se resume à
banalidade do “vai dar tudo certo”. Esperar é saber, desde o início, que todas
as coisas têm um sentido. Por isso, quanto mais enraizados na Esperança, quanto
mais comungados por ela, mais comprometidos em encher de futuro todos os
encontros e lugares, cada gesto e cada pessoa. Saber esperar, dizemos, é uma
virtude. Saber esperançar, é uma missão!
Por
onde começar, logo agora que se escancara a porta do Advento?
Se
sabes sorrir com os olhos, torna-te, nestes dias da doce expectativa que fará
do teu coração um berço, um artesão dos afetos, capaz de iluminar e aquecer a
noite gélida da solidão de quem mora talvez ao teu lado.
Se
consegues dilatar o coração, e com ele beijar a dor do outro, sobretudo
dos que estão em luto, faz-te casa e mesa de ternura, que sacia com amor os
famintos de sentido.
Se
ousas ser silêncio para escutar as alegrias e esperanças, tristezas e
angústias dos homens e mulheres, teus irmãos, faz-te regaço materno que consola
e mãos que acariciam e abençoam.Se não desistes de rezar, e és capaz de
contemplar o futuro, acende na noite dos corações peregrinos a chama viva da
Esperança. Afinal, também tu nasceste para…Esperançar! Vamos juntos?…