Nos caminhos cotidianos, por
entre as suas encruzilhadas, sabemos como é decisivo vivenciar um afeto que nos
reconstrua dos medos, frustrações, erros...é sempre sanante um olhar que nos
devolva a capacidade de recomeçar e o desejo de sonhar, um olhar que rasgue
infinito(s), de dentro para fora, e nos ajude a saborear o eterno nos ‘pequenos
nadas’ com que vamos, passo a passo, fazendo da vida ‘a dança serena dos
recomeços’. Aliás, o modo como nos olhamos uns aos outros diz muito do que
habita o nosso coração, talvez pudéssemos até mudar o dito popular e
reescrevê-lo assim: “diz-me como me olhas, e dir-te-ei quem és!”.
O Evangelho, ternura com que o
Pai nos visita nos caminhos da vida, convida-nos esta semana a um olhar que vence
a solidão, um olhar que devolva vida. Não é difícil sentirmos na carne, o peso
e a dor da solidão daqueles pobres leprosos. Excomungados do mundo dos vivos,
eram mortos errantes...presença a evitar pelo medo do contágio. Não podiam
experimentar o gesto mais nobre e silencioso do afeto, o toque. Mantidos à
distância, aqueles leprosos lembram-nos metaforicamente todas as realidades, e
pessoas, que etiquetamos e às quais damos morte em vida, também por ‘perigo de
contágio’... “em quem temos deixado de ‘tocar’?”, parece sussurrar-nos a
Palavra.
Como sempre, o Profeta
peregrino de Nazaré recorda-nos que o essencial em cada caminho é dar vida, é
ser vida. Não hesita em acolher e escutar o grito ensurdecedor daqueles dez
leprosos que lhe pedem compaixão (Lc 17, 11-19). Mostra-nos que é com o coração
que se vence a indiferença! Desperta-nos para escutar o grito, tantas vezes
silenciado por uma maioria indiferente, de todos ‘os leprosos’ com que nos
cruzamos diariamente. E há tantas lepras silenciosas, bem mais perigosas que a
Hanseníase... “a que gritos se fecham os nossos ouvidos? Que ‘lepras’ não
queremos que nos toquem?”, parece perguntar-nos de modo inquietante o Evangelho.
Mas a lição não termina na
escuta, vai mais além! O acolhimento do Profeta peregrino de Nazaré gera um ‘perfume
novo’ na vida de um dos errantes peregrinos da solidão (aquele 1 que no
Evangelho é sempre sinal de festa jubilosa no coração de Deus quando, por
exemplo, recupera ‘a ovelha perdida’). Com o coração em festa, ao ver que se
cumpria no caminho a Esperança que havia gestado no mais íntimo do coração por
toda a vida, o ‘peregrino da solidão’ volta para agradecer. Torna-se ‘peregrino
do Encontro’ e, afinal, faz-nos descobrir que a cura de todas as lepras, as do
coração e as da carne, se dá afinal com a fé no mais pequeno e simples dos
gestos: agradecer. E só sabe agradecer quem se sente amado, acolhido,
perdoado...É sempre oportuno recordar que, se um olhar multiplica a Esperança...um
abraço aprofunda-a. BOA SEMANA!
"Jesus, o evangelizador por excelência e o Evangelho
em pessoa, identificou-Se especialmente com os mais pequeninos (cf. Mt25,
40). Isto recorda-nos, a todos os cristãos, que somos chamados a cuidar dos
mais frágeis da Terra. Mas, no modelo «do êxito» e «individualista» em vigor,
parece que não faz sentido investir para que os lentos, fracos ou menos dotados
possam também singrar na vida.Embora aparentemente não nos traga benefícios tangíveis
e imediatos, é indispensável prestar atenção e debruçar-nos sobre as novas
formas de pobreza e fragilidade, nas quais somos chamados a reconhecer Cristo
sofredor: os sem abrigo, os toxicodependentes, os refugiados, os povos
indígenas, os idosos cada vez mais sós e abandonados, etc. Os migrantes
representam um desafio especial para mim, por ser Pastor duma Igreja sem
fronteiras que se sente mãe de todos. Por isso, exorto os países a uma abertura
generosa, que, em vez de temer a destruição da identidade local, seja capaz de
criar novas sínteses culturais. Como são belas as cidades que superam a
desconfiança doentia e integram os que são diferentes, fazendo desta integração
um novo fator de progresso! Como são encantadoras as cidades que, já no seu projeto
arquitetónico, estão cheias de espaços que unem, relacionam, favorecem o
reconhecimento do outro! Sempre me angustiou a situação das pessoas que são
objeto das diferentes formas de tráfico. Quem dera que se ouvisse o grito de
Deus, perguntando a todos nós: «Onde está o teu irmão?» (Gn 4, 9). Onde
está o teu irmão escravo? Onde está o irmão que estás matando cada dia na
pequena fábrica clandestina, na rede da prostituição, nas crianças usadas para
a mendicidade, naquele que tem de trabalhar às escondidas porque não foi
regularizado? Não nos façamos de distraídos! Há muita cumplicidade... A
pergunta é para todos! Nas nossas cidades, está instalado este crime mafioso e
aberrante, e muitos têm as mãos cheias de sangue devido a uma cómoda e muda cumplicidade" (Evangelii Guadium 209-211)
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