“De quanta rotina foi feita a tua última quaresma?”. Talvez tenhamos
que começar por esta provocadora-inquietação para nos definirmos diante de mais
uma quaresma que hoje inicia. As rotinas não são necessariamente más, há ‘bons
hábitos’ que somos chamados a repetir quotidianamente e, quanto mais os
repetirmos, mais aprenderemos a pisar o terreno sagrado de uma vida espiritual
transbordante de intimidade com Deus e de comunhão com os irmãos. Quem se cansa
da boa rotina do ‘bom dia’, de um abraço demorado, um olhar pleno de ternura,
um silêncio afetuoso, uma palavra encorajadora...? São os pequenos-milagres-quotidianos
feitos com a simplicidade de um coração habitado pelo Evangelho.
Mas, voltemos às rotinas. Há palavras que de tanto as
escutarmos se tornaram, talvez, um refrão para uma determinada ‘dormência
espiritual’, deixando-nos como que ‘anestesiados’ e em modo ‘piloto automático’.
Uma dessas palavras é ‘Quaresma’, essa nobre senhora vestida de roxo que desperta,
pelo menos anualmente, para um ar taciturno e compungido. Outra das rotinas
traduz-se na companhia que essa nobre senhora traz consigo: o Jejum, a Oração e a Esmola. Atitudes e
práticas cada vez mais ‘neutralizadas’, basta lembrar que para muitos o Jejum
virou ‘dieta’, a Oração uma prática ‘zen’ que não compromete muito a vida e a Esmola
virou ‘uma ajudinha para os pobres’, de preferência algo que sobre na carteira
ou no imenso guarda-roupa lá de casa.
É paradoxal como tudo se vá transformando em ‘rotineiro’ e ‘descartável’!
No dia em que (re)descobrirmos que a Oração
é para nos ajudar a ter Discernimento,
isto é, sabedoria para ‘pesar a vida’ com o que ela tem de essencial e não nos
deixarmos manipular; que o Jejum é
desafio a educar a nossa vontade,
para não vivermos ao sabor da emoção e/ou mergulhados no amargo da desilusão; e
que a Esmola é o fruto maduro de um coração cheio de Evangelho que não
se deixou vencer pela indiferença...nesse dia ‘perfumaremos o rosto’, sairemos
irradiantes para a praça e, com todos os irmãos, cantaremos eternamente o dom da
misericórdia do Pai.
Que o nosso coração desperte para que “não nos deixemos cair
na indiferença que humilha, na habituação que anestesia o espírito e impede de
descobrir a novidade, no cinismo que destrói. Abramos os nossos olhos para ver
as misérias do mundo, as feridas de tantos irmãos e irmãs privados da própria
dignidade e sintamo-nos desafiados a escutar o seu grito de ajuda. As nossas
mãos apertem as suas mãos e estreitemo-los a nós para que sintam o calor da
nossa presença, da amizade e da fraternidade. Que o seu grito se torne o nosso
e, juntos, possamos romper a barreira de indiferença que frequentemente reina
soberana para esconder a hipocrisia e o egoísmo. (...) será uma maneira de
acordar a nossa consciência, muitas vezes adormecida perante o drama da
pobreza, e de entrar cada vez mais no coração do Evangelho, onde os pobres são
os privilegiados da misericórdia divina” (Papa Francisco, Misericordiae Vultus).
A Páscoa chama por nós...e já vem ao nosso encontro! Traz no
seu corpo as marcas da Paixão, nos lábios a Eternidade e no coração um Caminho
novo para a casa do Pai que, cheio de afeto e ternura, nos sussurra: “ESPEREI
POR TI TODOS OS DIAS. A MESA ESTÁ POSTA. VAMOS FAZER FESTA?!”.
"Cantarei
ao Senhor, enquanto viver;
Louvarei o meu Deus enquanto existir.
Nele encontro a minha alegria
Nele encontro a minha alegria"
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