De quanto céu é feita a tua vida? É uma pergunta essencial para quem ousa
ir além da espuma dos dias! Não se trata de ‘ser bonzinho’ ou de ‘fazer de
conta que o mal não existe’, muito menos se trata de ser ‘ingénuo’. Encher a
vida de céu significa colocar como ponto de partida de cada passo, e em cada
gesto ou palavra, o discernimento. Trata-se essencialmente de um processo de ‘degustação
interior’ que permite ver o que nos humaniza e aquilo que nos desfigura.
Vivemos num tempo onde leveza é confundida com superficialidade, reflexão
e ponderação são olhadas como ‘uma perda de tempo’, e como já ‘não temos tempo’
segue-se adiante, de experiência em experiência, aumentando cada vez mais o
vazio existencial. Vai-se enraizando, sobretudo nas novas gerações, um certo ‘analfabetismo
emocional’ que privilegia uma vida cheia de emoções e comoções mas que é
incapaz de fazer olhar ‘para longe’ e ‘para o alto’. A grande crise que vivemos
não é primeiramente moral, vivemos isso sim uma verdadeira ‘crise humanitária’
e espiritual. Precisamos reaprender a ser humanos, precisamos reencontrar-nos
com as grandes questões da vida e do mundo, não basta saber para onde temos de
ir é preciso educar a vontade...e querer ir! Esta é talvez a maior pobreza do
nosso tempo: não sabermos quem somos, esquecermo-nos de onde viemos e não
ousarmos ir onde Deus nos sonhou e nos espera.
O Evangelho, boa notícia do coração de Deus para o mundo, vem em nosso
auxílio e desperta-nos da ‘espuma dos dias’ (Lc 24, 46-53). O Ressuscitado encontra-nos, como aos
discípulos, em Betânia ( = Casa do Pobre) e pede que a nossa pobreza, sem
deixar de ter os pés bem firmes na terra, se habitue a ‘olhar para o alto’. Não
se trata de fuga, mas de um sentido: aceitar que cada gesto da nossa inteligência
e do nosso coração esteja ‘cheio de céu’. É que, quando o céu nos habita, a
indiferença dá lugar ao diálogo, o ódio é vencido pela ternura, a distância
encurta-se e faz-se encontro, o egoísmo é vencido e tudo se torna motivo para
servir.
Na escola do Evangelho só avança quem aceita ser moldado pelo ‘Amor do
Pai e do Filho’, o Espírito Santo. Aqui não há lugar para auto-suficiência! Neste
caminho o ‘fazer juntos’ é mais importante que o ‘fazer tudo certo’. É por isso
que esta ‘sedução pelo céu’ só é possível, e acontece, num coração-templo!
Com ritmos e experiências diferentes é fundamental redescobrir que
somos ‘peregrinos com um coração-templo’. A caminho do Pentecostes, pedimos ao
Único Amor capaz de ‘renovar a face da terra’ que venha em nosso auxílio, cure
as nossas feridas e nos ajude a “que os nossos olhos, feitos para olhar as
estrelas, não morram a olhar para os nossos sapatos” (J. Tolentino Mendonça).
“Quem és tu, doce Luz que me preenche e ilumina a obscuridade do meu
coração? Conduzes-me como a mão de uma mãe e se me soltasses, não saberia nem
dar mais um passo. És o espaço que envolve todo meu ser e o encerra em si. Se fosse
abandonado por ti cairia no abismo do nada, de onde tu o elevas ao ser. Tu,
mais próximo de mim que eu mesmo e mais íntimo que minha intimidade, e sem
dúvida, permaneces inalcançável e incompreensível, e que faz brotar todo nome:
Espírito Santo – Amor eterno!”
(Oração de Edith Stein, uma santa nossa contemporânea e vítima do regime nazi em Auschwitz)
1 comentário:
Maravilhosa reflexão!
Muita grata por suas sábias palavras Luís!
Deus o abençoe!
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