Há quem viva a vida só pela
metade. Esses, de medo em medo, semeiam amargura e lamentações, como se existir
fosse uma ‘fatalidade’ e viver fosse tão somente um ‘vale de lágrimas’. Para a
vida ter saber, sabor e sentido não bastam ‘bons propósitos’, boas ideias ou ‘pensamentos
nobres’...já para não falar dos sempre ‘ótimos (e absolutos!) juízos’ que temos
acerca dos outros!
Precisamos ser ‘artesãos da vida’.
Precisamos urgentemente (re)aprender, com um coração de criança, a acolher sem
estar à defesa e a saber que o outro é ‘diferente de mim’, mas não é ‘meu
inimigo’; é decisivo que (re)aprendamos a ‘eternidade da ternura’ num simples e
demorado olhos-no-olhos e coração-a-coração. É curioso como a poeira do tempo e
da história nos vais anestesiando o encanto pela simplicidade...Há quanto tempo
não te sentas no colo de tua mãe? Ainda te lembras da última vez que
acariciaste o rosto dos teus avós? Quantos abraços tens oferecido aos que se
cruzam contigo diariamente? De quanto perdão vão carregadas as tuas palavras? E
os teus olhos como contemplam a presença discreta e silenciosa do Deus-Amor no
mundo? Não te parece contraditório que nós, os discípulos de Cristo, sejamos
tantas vezes os primeiros a ‘amaldiçoar’ o tempo e a história em que vivemos?
Se cada um de nós se desse conta do quanto Deus age na história não perderíamos
tanto tempo com as ‘lamentações de perdição’ e os nossos dias seriam uma
sinfonia de ação de graças. Não sou ingénuo, sei que o mal existe no mundo,
sobretudo nos corações fechados, mas o bem que vemos, ouvimos e fazemos é
infinitamente maior!
A Palavra desta semana
encontra-nos e desconcerta todos os nossos esquemas e pré-juízos! O que está em
causa naquele ‘encontro’ na casa do fariseu não é o pecado, mas a nossa
capacidade de acolher (Lc 7, 36-50). Não basta deixar entrar e ‘preparar a mesa’,
isso é ‘boa educação’, é preciso que o outro tenha espaço no nosso coração, e
isso é Evangelho! Só é capaz de oferecer um perdão desmesurado quem sabe que
cada pessoa é terra e história sagrada, que todos somos recomeço e que Deus é o
único que não desiste de nós e o primeiro a levantar-nos. O perdão não é uma
questão de ‘contabilidade’, é oferta antecipada de um dom imerecido, incondicional
e gratuito. “Ninguém pode ser condenado para sempre pois esta não é a lógica do
Evangelho” (AL 297).
No frasco de alabastro levado
pela mulher-peregrina vai a oferta do seu quotidiano. É a oferta total, amorosa
e confiante da sua fragilidade, dos seus recomeços, das suas dores, perdas e
angústias. É a sua oração de súplica, antecipando não somente o anúncio da
morte de Jesus, mas também a sua própria morte para uma ‘vida velha’ feita de
descaminhos. Ela sabia que só Aquele que é a Vida poderia vencer todas as
mortes que trazia dentro! Foi assim que silenciosamente, naquela casa, o
encontro gerou o perdão e no perdão se deu a cura (interior). Sim, o perdão de Deus
levanta-nos sempre sem nos humilhar e renova em nós a certeza de que somos
filhos e não mais mendigos. Gosto de olhar este encontro como uma metáfora da
nossa vida...gosto de ficar ali em silêncio de olhos fixos em Jesus e naquela ‘mulher-coragem’
que nos ensina a ‘não temer o Amor’. Este encontro desperta sempre em mim um
sonho...partilho-o contigo: Sonho com o dia em que todos nós os batizados
acreditarmos INFINITAMENTE no perdão de Deus...nesse dia começaremos a ser
Cristãos! BOA SEMANA!
*É bom (re)lembrar:
“Saiamos, saiamos para oferecer a todos a vida de
Jesus Cristo! (...) Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter
saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se
agarra às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o
centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos. Se
alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é
que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força,a luz e a consolação da amizade
com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de
sentido e de vida. Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o medo de
nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas normas que
nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos
tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta e Jesus repete-nos sem
cessar: ‘dai-lhes vós mesmos de comer’.” (Papa Francisco, EG 49)
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