Somos
confrontados diariamente com um crescimento assustador da agressividade. Das palavras
aos atos ela aí está, não só nos muros que se anunciam como ‘defesa’ da invasão
dos migrantes ou no jargão repetido de que o oriente é uma ameaça pois nele (quase)
todos são fundamentalistas ou na violência com que nos (des)informam os jornais, mas
também nos nossos olhares recriminadores, nas nossas ‘palavras apressadas’, nos
julgamentos silenciosos, muitas vezes carregados de ira ou sede de vingança...nenhum
de nós está imune a esta ‘tentação quotidiana’.
Vem
tudo isto a propósito da Palavra com que Deus visita o nosso coração esta semana
(MT 5, 17-37). Há um caminho que Ele iniciou no mais intimo da nossa alma, o Concílio
Vaticano II chamou-lhe ‘santuário da consciência’ (GS 16), é aí que Ele nos
fala e revela o seu projeto de Amor. Pede-nos escuta atenta, uma fé de 'pés
descalços’, um coração aberto ao discernimento. É assim que Ele nos faz
saborear não somente o ‘amor à Lei’ mas aquela ‘Lei do Amor’ que Ele
solenemente plantou e vem cuidando sempre que nos deixamos modelar e nos
transformamos em ‘altar de reconciliação’.
O
Encontro Pascal que gera o seguimento e o discipulado faz-nos descobrir que
seguir Jesus implica sempre ‘ir além da lei’, é a ‘bendita transgressão’ que se
torna ‘medida’ do Evangelho, sinal do Reino e da descoberta fundante de quem
sabe, sente e vive que a sua identidade é a de servo inútil, nunca juíz!
Um
coração ressuscitado nunca se detém na ‘matemática’, alegra-se sempre com ‘o
milagre dos recomeços’, das feridas saradas, dos passos que ousam seguir em
frente e para o alto! A plenitude, como nos revela Jesus não está somente (nem
primeiramente!) no cumprimento escrupuloso da lei mas no sentido, sabor e
significado que o ‘coração-santuário’ sabe descobrir nela e nos ‘pés descalços’
que, de passo em passo, sabem iniciar o caminho da mudança que, na lei do Amor,
se chama ‘conversão’.
Somente
tocados pela graça e habitados pelo Reino, é que podemos ser um ‘presente’ e
uma ‘presença’ para o irmãos de quem nos esquecemos quando, na correria dos
dias, vamos a caminho da casa do Pai... Não é à toa que o Evangelho nos manda ‘voltar
atrás’...Reconciliar...(Re)unir...é assim que o dom se torna sal e luz para o
mundo. E só assim se cumpre a Lei plenamente! Boa Semana!
"Embora
aparentemente não nos traga benefícios tangíveis e imediatos, é indispensável
prestar atenção e debruçar-nos sobre as novas formas de pobreza e fragilidade,
nas quais somos chamados a reconhecer Cristo sofredor: os sem abrigo, os
toxicodependentes, os refugiados, os povos indígenas, os idosos cada vez mais
sós e abandonados, etc. Os migrantes representam um desafio especial para mim,
por ser Pastor duma Igreja sem fronteiras que se sente mãe de todos. Por isso,
exorto os países a uma abertura generosa, que, em vez de temer a destruição da
identidade local, seja capaz de criar novas sínteses culturais. Como são belas
as cidades que superam a desconfiança doentia e integram os que são diferentes,
fazendo desta integração um novo factor de progresso! Como são encantadoras as
cidades que, já no seu projecto arquitectónico, estão cheias de espaços que
unem, relacionam, favorecem o reconhecimento do outro! Sempre me angustiou a
situação das pessoas que são objecto das diferentes formas de tráfico. Quem
dera que se ouvisse o grito de Deus, perguntando a todos nós: «Onde está o teu
irmão?» (Gn 4, 9). Onde está o teu irmão escravo? Onde está o irmão que
estás matando cada dia na pequena fábrica clandestina, na rede da prostituição,
nas crianças usadas para a mendicidade, naquele que tem de trabalhar às
escondidas porque não foi regularizado? Não nos façamos de distraídos! Há muita
cumplicidade... A pergunta é para todos! Nas nossas cidades, está instalado
este crime mafioso e aberrante, e muitos têm as mãos cheias de sangue devido a
uma cómoda e muda cumplicidade."
(Evangelli Gaudium 210-211)
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