Chegou
a quaresma! Não se trata de uma ‘prescrição médica’ para combater os ‘excessos
pós carnaval’, também não é uma ‘maratona espiritual’ para recuperar ‘o tempo
perdido’ e, se ainda persistir alguma dúvida, que fique claro que a quaresma
também não é ‘um tempo sombrio e sisudo’ que a Igreja nos impõe para ver se
chegamos à Páscoa ‘bem comportadinhos’.
A quaresma é o fruto maduro da Páscoa
de Cristo! Com ela o
próprio Deus, que se faz caminho e peregrino conosco, nos convida a iniciar
esta peregrinação que não se resume apenas a 40 dias, é um itinerário de
vida...de uma vida que na escuta e no acolhimento, no discernimento e na
oração, na gratidão e no dom, vai colhendo em cada passo a Salvação, a Graça e
a Misericórdia. A grande questão que o caminho Pascal que hoje (re)iniciamos
nos coloca é: velhos propósitos ou vida nova? Repetição ou ousadia?
Comodismo ou conversão? É que por debaixo das cinzas que hoje são
colocadas na tua cabeça há um 'perfume novo', um 'tempo novo' e um 'fogo
novo' com o qual Deus quer ungir a tua vida, sarar tuas feridas, renovar o
teu coração.
O caminho quaresmal está grávido de
Páscoa, de Vida em
abundância. Se a cada ano a Igreja nos interpela e desafia ao recomeço é porque
na sua sabedoria ela descobriu que o coração humano precisa ser estimulado
para não se acomodar em vãs repetições, precisa ser desafiado a deixar as
miopias rotineiras e a abrir-se de novo ao dom, ao outro, a Deus.
Não
se trata, portanto, de fazer do Jejum
um exercício diet ou fitness; muito menos fazer da Caridade um ‘aumento de boas intenções’; menos ainda de fazer da Oração um palavreado infinito onde não
há espaço para a escuta, a gratidão e o discernimento. O segredo Pascal do qual está grávida toda a quaresma é-nos sussurrado
por Jesus ao coração quando nos diz: “Assim, quando deres esmola, não
toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas
ruas, para serem louvados pelos homens. Em verdade vos digo: já receberam a sua
recompensa. Quando deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a
direita, para que a tua esmola fique em segredo; e teu Pai, que vê o que está
oculto, te dará a recompensa. Quando rezardes, não sejais como os hipócritas,
porque eles gostam de orar de pé, nas sinagogas e nas esquinas das ruas, para
serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa.
Tu, porém, quando rezares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora a teu Pai
em segredo; e teu Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa. Quando
jejuardes, não tomeis um ar sombrio, como os hipócritas, que desfiguram o
rosto, para mostrarem aos homens que jejuam. Em verdade vos digo: já receberam
a sua recompensa. Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto,
para que os homens não percebam que jejuas, mas apenas o teu Pai, que está
presente em segredo; e teu Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa»
(Mt 6, 1-18).
O
Evangelho convoca-nos. A Igreja, como Mãe, acompanha-nos. Ao nosso lado
caminham os peregrinos que são nossos irmãos. À nossa frente vai Cristo a
pedir-nos para abrir a porta e escancarar o coração, pois é nesse ‘altar
cotidiano’ que Ele nos vai revelar os segredos do Reino ao longo do caminho (Mt
25, 33-40) e assim se fazer Páscoa em nossa vida!
A
Páscoa está plantada em nossos corações, chegou a hora de deixar o dom
florescer e produzir fruto. Pelo caminho é bom ir relembrando:
“A
Quaresma é o tempo para dizer não.
Não à asfixia do espírito pela poluição causada pela indiferença, pela
negligência de pensar que a vida do outro não me diz respeito; por toda a
tentativa de banalizar a vida, especialmente a daqueles que carregam na sua
própria carne o peso de tanta superficialidade. A Quaresma significa não à
poluição intoxicante das palavras vazias e sem sentido, da crítica grosseira e
superficial, das análises simplistas que não conseguem abraçar a complexidade
dos problemas humanos, especialmente os problemas de quem mais sofre. A
Quaresma é o tempo de dizer não; não à asfixia duma oração que nos tranquilize
a consciência, duma esmola que nos deixe satisfeitos, dum jejum que nos faça
sentir bem. A Quaresma é o tempo de dizer não à asfixia que nasce de intimismos
que excluem, que querem chegar a Deus esquivando-se das chagas de Cristo
presentes nas chagas dos seus irmãos: espiritualidades que reduzem a fé a
culturas de gueto e exclusão.
A
Quaresma é tempo de memória, é o
tempo para pensar perguntando-nos: Que seria de nós se Deus nos tivesse fechado
as portas? Que seria de nós sem a sua misericórdia, que não se cansou de
perdoar-nos e sempre nos deu uma oportunidade para começar de novo? A Quaresma
é o tempo para nos perguntarmos: Onde estaríamos nós sem a ajuda de tantos
rostos silenciosos que nos estenderam a mão de mil modos e, com ações muito
concretas, nos devolveram a esperança e ajudaram a recomeçar?
A
Quaresma é o tempo para voltar a
respirar, é o tempo para abrir o coração ao sopro do Único capaz de
transformar o nosso pó em humanidade. É o tempo não tanto para rasgar as vestes
frente ao mal que nos rodeia, como sobretudo para dar espaço na nossa vida a
todo o bem que possamos realizar, despojando-nos daquilo que nos isola, fecha e
paralisa. A Quaresma é o tempo da compaixão para dizer com o salmista: «Dai-nos
[, Senhor,] a alegria da vossa salvação, sustentai-nos com um espírito
generoso», a fim de proclamarmos com a nossa vida o vosso louvor (cf. Sal
51/50, 14), e que o nosso pó – pela força do vosso sopro de vida – se transforme
em «pó enamorado»”
(Papa
Francisco, Homilia da Missa de imposição das cinzas 2017).
Chegou
o tempo do (re)começo, não estranhes que te deseje: BOA PÁSCOA... É para lá
que caminhamos!
Podes ler aqui a: Mensagem do Papa Francisco para a Quaresma
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