Assim escreveu, de
maneira sublime, Bento XVI:
“No nosso tempo,
especialmente depois de ter atravessado o século passado, a humanidade
tornou-se particularmente sensível ao mistério do Sábado Santo. O escondimento
de Deus faz parte da espiritualidade do homem contemporâneo, de maneira
existencial, quase inconsciente, como um vazio no coração que se foi alargando
cada vez mais. No final do século XIX, Nietzsche escreveu: "Deus
está morto! E quem o matou fomos nós!". Esta célebre expressão, observando
bem, é tomada quase ao pé da letra da tradição cristã, frequentemente a
repetimos na Via-Sacra, talvez sem nos darmos conta plenamente do que dizemos.
Depois de duas guerras mundiais, os lager e os gulag, Hiroshima e Nagasaki, a
nossa época tornou-se um Sábado Santo em medida cada vez maior: a
escuridão desse dia interpela todos os que se questionam sobre a vida, de modo
particular interpela a nós, crentes. Também nós somos responsáveis por esta escuridão.
E, no entanto, a
morte do Filho de Deus, de Jesus de Nazaré tem um aspecto oposto, totalmente
positivo, fonte de consolação e de esperança. Isto faz-me pensar no facto de
que o Santo Sudário se comporta como um documento "fotográfico",
dotado de um "positivo" e de um "negativo". Com efeito, é
exatamente assim: o mistério mais obscuro da fé, ao mesmo tempo, é o
sinal mais luminoso de uma esperança que não tem confim. O Sábado Santo é a
"terra de ninguém" entre a morte e a ressurreição, mas nesta "terra
de ninguém" entrou Um, o Único, que a atravessou com os sinais da sua
Paixão pelo homem: "Passio
Christi. Passio hominis". O Sudário fala-nos precisamente deste
momento, está a testemunhar aquele intervalo único e irrepetível na história da
humanidade e do universo, no qual Deus, em Jesus Cristo, partilhou não só o
nosso morrer, mas inclusive o nosso permanecer na morte. A solidariedade mais
radical.
Naquele
"tempo-além-do-tempo" Jesus Cristo "desceu à mansão dos
mortos". O que significa esta expressão? Quer dizer que Deus, feito homem,
chegou até ao ponto de entrar na solidão extrema e absoluta do homem, onde não
chega raio de amor algum, onde reina o abandono total sem palavra de conforto
alguma: "mansão dos mortos". Jesus Cristo, permanecendo na
morte, ultrapassou a porta desta solidão última para nos guiar também a nós a
ultrapassá-la com Ele. Todos nós sentimos algumas vezes uma sensação assustadora
de abandono, e o que mais nos assusta é precisamente isto, como quando somos
crianças, temos medo de estar sozinhos no escuro e só a presença de uma pessoa
que nos ama pode dar-nos segurança. Aconteceu exatamente isto no Sábado
Santo: no reino da morte ressoou a voz de Deus. Sucedeu o
impensável: ou seja, que o Amor penetrou "na mansão dos
mortos": também no escuro extremo da solidão humana mais absoluta
nós podemos escutar uma voz que nos chama e encontrar alguém que nos pega pela
mão e nos conduz para fora. O ser humano vive porque é amado e pode amar; e se
até no espaço da morte penetrou o amor, então também lá chegou a vida. Na hora
da extrema solidão nunca estaremos sozinhos: "Passio Christi. Passio hominis".
Este é o mistério do
Sábado Santo! Exatamente do escuro da morte do Filho de Deus brilhou a luz de
uma esperança nova: a luz da Ressurreição”
(Bento XVI,
02/05/2010)
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