segunda-feira, fevereiro 13, 2017

A ‘BENDITA TRANSGRESSÃO’...


Somos confrontados diariamente com um crescimento assustador da agressividade. Das palavras aos atos ela aí está, não só nos muros que se anunciam como ‘defesa’ da invasão dos migrantes ou no jargão repetido de que o oriente é uma ameaça pois nele (quase) todos são fundamentalistas ou na violência com que nos (des)informam os jornais, mas também nos nossos olhares recriminadores, nas nossas ‘palavras apressadas’, nos julgamentos silenciosos, muitas vezes carregados de ira ou sede de vingança...nenhum de nós está imune a esta ‘tentação quotidiana’.

Vem tudo isto a propósito da Palavra com que Deus visita o nosso coração esta semana (MT 5, 17-37). Há um caminho que Ele iniciou no mais intimo da nossa alma, o Concílio Vaticano II chamou-lhe ‘santuário da consciência’ (GS 16), é aí que Ele nos fala e revela o seu projeto de Amor. Pede-nos escuta atenta, uma fé de 'pés descalços’, um coração aberto ao discernimento. É assim que Ele nos faz saborear não somente o ‘amor à Lei’ mas aquela ‘Lei do Amor’ que Ele solenemente plantou e vem cuidando sempre que nos deixamos modelar e nos transformamos em ‘altar de reconciliação’.

O Encontro Pascal que gera o seguimento e o discipulado faz-nos descobrir que seguir Jesus implica sempre ‘ir além da lei’, é a ‘bendita transgressão’ que se torna ‘medida’ do Evangelho, sinal do Reino e da descoberta fundante de quem sabe, sente e vive que a sua identidade é a de servo inútil, nunca juíz!

Um coração ressuscitado nunca se detém na ‘matemática’, alegra-se sempre com ‘o milagre dos recomeços’, das feridas saradas, dos passos que ousam seguir em frente e para o alto! A plenitude, como nos revela Jesus não está somente (nem primeiramente!) no cumprimento escrupuloso da lei mas no sentido, sabor e significado que o ‘coração-santuário’ sabe descobrir nela e nos ‘pés descalços’ que, de passo em passo, sabem iniciar o caminho da mudança que, na lei do Amor, se chama ‘conversão’.

Somente tocados pela graça e habitados pelo Reino, é que podemos ser um ‘presente’ e uma ‘presença’ para o irmãos de quem nos esquecemos quando, na correria dos dias, vamos a caminho da casa do Pai... Não é à toa que o Evangelho nos manda ‘voltar atrás’...Reconciliar...(Re)unir...é assim que o dom se torna sal e luz para o mundo. E só assim se cumpre a Lei plenamente! Boa Semana!


"Embora aparentemente não nos traga benefícios tangíveis e imediatos, é indispensável prestar atenção e debruçar-nos sobre as novas formas de pobreza e fragilidade, nas quais somos chamados a reconhecer Cristo sofredor: os sem abrigo, os toxicodependentes, os refugiados, os povos indígenas, os idosos cada vez mais sós e abandonados, etc. Os migrantes representam um desafio especial para mim, por ser Pastor duma Igreja sem fronteiras que se sente mãe de todos. Por isso, exorto os países a uma abertura generosa, que, em vez de temer a destruição da identidade local, seja capaz de criar novas sínteses culturais. Como são belas as cidades que superam a desconfiança doentia e integram os que são diferentes, fazendo desta integração um novo factor de progresso! Como são encantadoras as cidades que, já no seu projecto arquitectónico, estão cheias de espaços que unem, relacionam, favorecem o reconhecimento do outro! Sempre me angustiou a situação das pessoas que são objecto das diferentes formas de tráfico. Quem dera que se ouvisse o grito de Deus, perguntando a todos nós: «Onde está o teu irmão?» (Gn 4, 9). Onde está o teu irmão escravo? Onde está o irmão que estás matando cada dia na pequena fábrica clandestina, na rede da prostituição, nas crianças usadas para a mendicidade, naquele que tem de trabalhar às escondidas porque não foi regularizado? Não nos façamos de distraídos! Há muita cumplicidade... A pergunta é para todos! Nas nossas cidades, está instalado este crime mafioso e aberrante, e muitos têm as mãos cheias de sangue devido a uma cómoda e muda cumplicidade." 

(Evangelli Gaudium 210-211)