terça-feira, dezembro 27, 2016

SAUDAÇÕES INCÔMODAS!...

(foto retirada de http://radioalansaar.co.za/barrel-bomb-attack-kills-11-children-in-syrias-aleppo-monitor/)

Caríssimos, eu desobedeceria ao meu dever de bispo se lhes dissesse “Feliz Natal” sem incomodá-los. E eu quero incomodar. Eu não posso suportar a ideia de fazer saudações inócuas, formais, impostas pela rotina do calendário.

Então, meus queridos irmãos, a vocês as minhas melhores saudações incômodas!

Que Jesus, nascido por amor, lhes dê náuseas pela vida egoísta, absurda, sem impulso vertical, e lhes conceda a graça de recriar a sua vida na doação de si mesmos, na oração, no silêncio, na coragem. Que o Bebê que dorme em cima da palha lhes tire o sono e faça vocês sentirem o travesseiro da sua cama tão duro quanto uma pedra até acolherem de verdade um desalojado, um necessitado, um pobre que vaga pelas suas ruas por falta de compaixão.

Que o Deus feito carne faça vocês se sentirem vermes toda vez que a sua carreira se tornar o ídolo da sua vida; toda vez que passar os outros para trás for o projeto dos seus dias; toda vez que as costas do próximo se tornarem o instrumento da sua escalada.

Que Maria, a mãe que só encontrou no esterco dos animais o berço em que deitar com ternura o fruto do seu ventre, force vocês, com os seus olhos feridos, a suspender suas festinhas de fim de ano até que a sua consciência hipócrita enxergue que as latas de lixo e os incineradores das clínicas são transformados impunemente em túmulos sem cruz de vidas humanas exterminadas.

Que José, aquele que encarou mil portas fechadas na cara e que é símbolo de todas as desilusões paternas, incomode a esbórnia da sua comilança e dê curto-circuito no seu desperdício de luzes piscantes até vocês entrarem em crise sincera diante do sofrimento de tantos pais que derramam lágrimas pelos filhos sem saúde, sem trabalho e sem oportunidades.

Que os anjos, anunciadores da paz, tragam a guerra à sua tranquilidade sonolenta, incapaz de enxergar que, sob o seu silêncio cúmplice, perpetram-se injustiças, expulsam-se pessoas, fabricam-se armas, militariza-se a terra dos humildes, condenam-se povos ao extermínio da fome.

Que os pobres que acorrem à gruta de Belém enquanto os poderosos conspiram na escuridão e a cidade dorme na indiferença façam vocês entenderem que, se quiserem ver “uma grande luz”, precisam se levantar e partir; façam vocês entenderem que as esmolas de quem lucra com o couro das pessoas são calmantes inúteis; façam vocês entenderem que as belas roupas compradas com o décimo terceiro podem até causar boa impressão, mas não aquecem a alma; façam vocês entenderem que a coexistência de pessoas sem lar e de especulação corporativa é um ato de horrendo sacrilégio.

Que os pastores que velavam no meio da noite vigiando o rebanho e perscrutando a alvorada deem a vocês um sentido para a história, a emoção da expectativa, a alegria do abandono em Deus e lhes inspirem o desejo profundo de viver pobres em espírito, porque viver pobre em espírito é a única maneira de morrer rico aos olhos de Deus.

Que, em nosso velho mundo moribundo, nasça a esperança. Feliz Natal!

(Nasceu 18 março 1935 /faleceu 20 abril 1993)



Se quiseres podes ainda ler as palavras incômodas do PAPA FRANCISCO clicando AQUI



segunda-feira, dezembro 19, 2016

(RE)NASCE!...


Todos os nomes têm rosto, trazem consigo uma história para contar, revelam-nos um mundo polifónico de afetos, uma sinfonia de sentimentos, experiências e vivências. Dar nome é, portanto, entrar num território sagrado, é tocar o mistério do outro...é dizer ao outro: “o que tu és, tem sentido e significado dentro de mim”.

Também Jesus quis ter um nome e uma família, quis fazer história conosco e em nós, quis dizer-nos, com o seu ser e agir, que n’Ele temos um sentido e um significado. Não somos um acaso ou simplesmente criaturas, somos seus irmãos, herdeiros com ele do Reino que o Pai preparou, n’Ele e com Ele somos uma história de salvação!

Diante do Amor não precisamos ter medo! O Amor fez-se Emanuel, um Deus-conosco e para nós, como nos recordou tão sabiamente Bento XVI: “O sinal de Deus é a simplicidade. O sinal de Deus é o menino. O sinal de Deus é que Ele faz-se pequeno por nós. Este é o seu modo de reinar. Ele não vem com poder e grandiosidades externas. Ele vem como menino - inerme e necessitado da nossa ajuda. Não nos quer dominar com a força. Tira-nos o medo da sua grandeza. Ele pede o nosso amor: por isto faz-se menino. Nada mais quer de nós senão o nosso amor, mediante o qual aprendemos espontaneamente a entrar nos seus sentimentos, no seu pensamento e na sua vontade - aprendemos a viver com Ele e a praticar com Ele a humildade da renúncia que faz parte da essência do amor. Deus fez-se pequeno a fim de que nós pudéssemos compreendê-Lo, acolhê-Lo, amá-Lo”.

Gosto de olhar José a saborear tudo isto interiormente (Mt 1, 18-24). Gosto de contemplar Deus a habitar os seus sonhos. Gosto do jeito com que Deus sussurra ao coração de José a ternura do Mistério que ele é chamado a acolher e a viver. No silêncio ativo de José gosto de ler as entrelinhas de quem se deixa moldar pelo divino Oleiro, de quem aceita fazer do seu nada amor. Gosto da determinação de José! Sim, para tudo é necessária uma ‘determinada determinação’ (Stª Teresa de Ávila) e José sabe que o caminho que Deus lhe abre diante dos olhos e do coração é o caminho da (e)ternidade, do dom, do silêncio que sabe dar-se e que se faz amor eterno.

A caminho do Natal, deixemos que o Mistério toque o nosso cotidiano. Deixemo-nos interrogar: “Como acolhemos a ternura de Deus? Deixo-me alcançar por Ele, deixo-me abraçar, ou impeço-Lhe de aproximar-Se? Porém a coisa mais importante não é procurá-Lo, mas deixar que seja Ele a procurar-me, a encontrar-me e a cobrir-me amorosamente com suas carícias. Esta é a pergunta que o Menino nos coloca com a sua mera presença: permito a Deus que me queira bem?” (Papa Francisco).

A casa está pronta. A mesa está posta. Por entre o frio gélido de um rigoroso inverno, vem ao nosso encontro a Luz do mundo, a única luz que aquece nossos corações e dissipa as nossas trevas. De quanta Luz vais encher o teu coração neste Natal? Com quanta Ternura vais aquecer os corações ao teu redor? Quantas portas vais destrancar e permitir aos outros que habitem a tua história sagrada?

Tal como Jesus, também o teu nome é uma história sagrada. Também o teu rosto é sinal de salvação! também a tua vida é um Evangelho. Também tu podes fazer a diferença. Crês nisso? Boa Semana. Vem aí o Natal...(Re)nasce!


*caso a indiferença ainda não te tenha anestesiado, a foto postada no início é de Aleppo...o que está a acontecer ali não é uma 'guerra civil'...é a terceira e pior das guerras mundiais...a da indiferença!

segunda-feira, dezembro 05, 2016

ARREPENDER-SE NÃO MATA, CONVERTE!


Nenhuma história pessoal é um livro já acabado! Somos ‘peregrinos’, a nossa história sagrada é feita dos ‘milagres’ cotidianos, dos pequenos encontros, do cruzar de olhares que vencem a indiferença, das batidas do coração algumas vezes aceleradas outras mais tranquilas...temos muito para narrar, dentro e fora de nós. Se nos déssemos conta do muito e do belo que acontece dentro de nós todos os dias, talvez os nossos olhos fossem menos míopes, nossos lábios menos lamurientos, nossas palavras mais afetuosas, nos gestos mais delicados e nosso coração um altar onde celebraríamos em cada entardecer a doce alegria da nossa existência.

Gosto de olhar o tempo do Advento com a tónica do afeto...gosto de contemplar o nosso Deus-paciente naquele Seu excesso de dom que o faz precipitar-se dos altos céus para ser conosco, e em nós, o Deus-baixíssimo...um Deus que não se limita à medida dos homens mas que é plenamente humano! Gosto de ler Deus nas entrelinhas da vida e ver, de surpresa em surpresa, o seu agir discreto e silencioso oferecendo uma paz não melancólica ou nostálgica, mas uma paz ativa que desperta sentidos, convoca a inteligência e pede discernimento. Gosto de escutar Deus nos seus profetas, os de ontem e os de hoje, e de vê-lo consolar, acompanhar e despertar o seu Povo...

A Palavra que nos nutre ao longo desta semana faz-nos entrar num dinamismo de novidade que transforma os nossos desertos em caminhos, as nossas certezas em tempo de discernimento, as nossas fragilidades em oportunidade de crescer, as nossas chagas em ‘tesouro fecundo’ que o tempo cicatriza fazendo delas porta do futuro. Naquele “Arrependei-vos” (Mt 13, 1-12) com que João nos inquieta nos desertos que nos habitam está condensada a provocação de Deus a deixarmos que Ele reine em nós, na nossa vida, em nossas opções, nos nossos afetos...é que onde Deus reina o humano é pleno, o silêncio torna-se fecundo, o agir não cansa.

Há arrependimentos que nos amarguram e torturam, neles há sempre histórias e acontecimentos que insistimos repetir, ruminar, até nos autodestruirmos e deprimirmos. Isso não é arrependimento, é apenas um processo de culpa e de acusação com que lutamos diariamente...e diante do qual nos sentimos sempre vencidos.
O arrependimento que nasce da fé não nos coloca ‘contra a parede’, não nos ‘aponta o dedo’, liberta-nos da culpa e aponta-nos caminhos! Arrepender-se não mata, converte! E toda a conversão é sempre uma primavera da alma que faz florir a esperança mesmo no meio do mais rigoroso inverno.


Esta semana vamos cruzar-nos no caminho com a ‘Cheia de Graça’, Ela nos garante como ‘sacramento da Ternura’ que o segredo é confiar. E toda a conversão começa sempre com esse gesto sublime de quem aceita entregar tudo nas mãos do único que nos pode oferecer recomeço. A todos. Sempre! Boa Semana.



domingo, novembro 27, 2016

Advento...PARTIR DO FUTURO!


Partilho contigo meu irmão do Advento, uma bela meditação de um profeta da Paz, e desejo-te um caminho 'inquieto' até ao Natal:

"Nós olhamos para o Advento um pouco demasiado a partir do homem. Talvez fosse necessário olhá-lo mais a partir de Deus. Explico:

O Advento a partir do homem

Há uma palavra chave que caracteriza este arco do ano litúrgico, e à volta do qual nós articulamos habilmente os conteúdos do anuncio cristão: espera.

É como uma matrioska: quando a abres encontras outra, isto é, a vigilância. Se abres essa, encontras dentro a esperança. E por aí adiante, até chegares às mais interessantes sub-espécies da mesma família. Colocadas a descoberto, todas estas matrioskas encheriam uma mesa de bons sentimentos.

É um jogo muito belo de implicações e explicações que nos faz ver quanto é extensa a realidade na qual se deve exprimir a nossa conversão neste período que nos prepara para o Natal.

Espera. Vigilância. Esperança. Oração. Pobreza. Penitência. Conversão. Testemunho. Solidariedade. Paz. Transparência. Depois de ter meditado os textos bíblicos, seria interessante sentar-se à volta da mesa com as pessoas e perguntar-lhes, a cada matrioska que vão abrindo, que nome dariam às outras que ainda estão dentro. Teríamos assim uma amostra de atitudes interiores que, por nascerem de um processo crítico, poderiam ser assumidas com mais facilidade como um quadro ascético para desenhar o caminho do Advento.

Mas, com este procedimento, continuamos ainda um pouco a partir do homem. Dá-se muitas vezes a impressão que o Advento constitui um expediente cíclico que com as suas fontes, nos estimula a recentrar a vida num plano moral, e basta.

Sem dúvida que isso não é errado. Mas corre-se o risco de transformar o Advento numa espécie de ginásio espiritual, no qual se pratica um treino intensivo das boas virtudes. Permanecendo sempre como um exercício excelente, mas dando uma imagem redutora deste grande momento de graça.

O advento a partir de Deus

É momento de olharmos agora as coisas a partir de Deus. Sim, porque no céu também hoje começa o advento, o período da espera. Aqui na terra é o homem que espera o regresso do Senhor. No céu é o Senhor que espera o regresso do homem.

É uma visão prospética esplendida, que nos faz recuperar uma dimensão menos preocupada dos aspectos morais da vida cristã e mais interessada no desígnio divino da salvação.

Talvez se pudesse repetir também aqui o jogo das matrioskas. Uma vez que também para Deus a palavra chave é espera: mas que ulteriores palavras se poderiam encontrar uma no interior da outra? Podemos tentar indicando duas, colhendo assim a alma dos textos bíblicos proclamados: salvação e paz.

A palavra salvação evoca o projeto final de Deus, tal como foi desenhado na primeira leitura e no salmo responsorial. Os povos que sobem ao monte do Senhor e que exultam finalmente diante de Jerusalém, exprimem o sobressalto de Deus que vê reunidos ao seu redor todos os povos na fase final do Reino. Expectativas irresistíveis de comunhão. Solidariedade com o homem. Desejo de comunicar-lhe a própria vida. Disponibilidade para um perdão sem cálculos. Estes são os sentimentos de Deus, tal como nos é dado colher na filigrana das leituras bíblicas.

Hoje é impossível, durante a liturgia, não se referir à ternura do Pai, à sua solicitude, à sua ânsia pelo retorno a casa de seu filho. Vem-nos em mente a expressão da parábola do filho pródigo: “Enquanto estava ainda longe, o Pai o viu” (Lc 15, 20). Aqui está o início da Esperança em cada um de nós. Coragem “a noite vai avançada, o dia está próximo. A nossa salvação está agora mais próxima do que quando abraçamos a fé”.

Aqui está também o inicio do compromisso. O que fazer para não desiludir as esperas do Senhor? Quais são as ‘obras das trevas’ que é preciso recusar, e quais são as ‘armas da luz das quais é preciso revestir-se?

Não se poderia fazer hoje, talvez com oportunos silêncios, um check-up, individual e coletivo, em termos de comunhão? Talvez se volte agora ao manual das boas atitudes morais, só que desta vez como uma galáxia de compromissos para que a alergia de Deus seja completa.

A Palavra Paz evoca, por sua vez, toda uma série de percursos obrigatórios para se chegar à salvação.

Hoje não devemos perder a ocasião de ser concretos e de dizer, sem frases enfraquecidas, que a paz, a justiça e a salvaguarda da criação são o trabalho primordial de cada comunidade cristã. Que acolher de mãos cheias a reserva utópica do Evangelho é o único realismo que hoje nos é consentido. Que ousar pela fé a Paz, desafiando o bom senso da carne e do sangue, é a ‘prova dos nove’ do crédito que damos à Palavra de Deus. Que a não violência ativa deve tornar-se critério irrenunciável que regula todos os relacionamentos pessoais e comunitários.

A profecia de Isaías não tolera interpretações cómodas. Se nós cristãos permitirmos o aumento dos arsenais de espadas e de lanças em detrimento dos arados e das foices, não responderemos às expectativas de Deus.

Assim também, se não soubermos ler em termos fortemente críticos os exercícios dos povos na arte da guerra, desvalorizaremos Isaías, extinguiremos a nossa dimensão profética e, dificilmente na noite de Natal, poderemos acolher a explosão daquele 'Shalom' anunciado pelos anjos aos homens que Deus ama (Lc 2, 14)".


+Don Tonino Bello, Bispo de Molfetta, Giovinazzo e Terlizzi,
faleceu com cancro em 1993, está a decorrer o seu processo de beatificação



domingo, novembro 20, 2016

A TUA CRUZ NÃO ME É INDIFERENTE...


Não há solidão e dor maior do que a de não ser amado. Uma das doenças mais mortíferas do tempo em que vivemos é a solidão do esquecimento e da exclusão. Os novos esquecem os velhos, em família os laços são cada vez mais ténues e ‘os muros’ cada vez mais crescentes...O cotidiano facilmente se vai transformando num ‘deserto existencial’ onde se cruzam a alta velocidade indivíduos e onde aumenta o vazio de quem já não dialoga, escuta, olha nos olhos...

No encontro com o Evangelho, Palavra que restitui dignidade e oferece salvação, damo-nos conta como para Jesus cada encontro é um ‘sacramento’. Ele gosta de se demorar no encontro, gosta de olhar nos olhos, de escutar e de ler o coração, de ver para além dos nossos limites, de rasgar fronteiras onde só vemos muros, de oferecer infinito onde só olhamos perdição...gosta de entrar no nosso cotidiano, saborear conosco os passos do caminho e sentar-se conosco na mesa da nossa intimidade mais profunda para aí repartir o pão que dá sabor, sabedoria e significado ao nosso existir.

Não poderia ser diferente nesta página que acolhemos como alimento para esta semana! Ei-lo, o nosso Rei, sem blindagem nem filtros, entregue à morte para nos abrir (e)ternamente a porta da vida! Na hora da cruz continua a ser tentado pela arrogância egoísta e mesquinha que tantas vezes nos habita: “Tu não és o Cristo. Salva-te a ti mesmo!”...Como é que o Amor poderia agora contradizer-se?! Deus sabe que o nosso egoísmo gera solidão, Deus sabe que com a ânsia de querermos tudo rápido, muitas vezes ficamos sozinhos, isolados, perdidos... Deus sabe (sim, só Ele o sabe!) que o desamor com que tantas vezes vivemos, somos e nos olhamos precisa de um amor fiel, não só até à cruz mas para além dela! Precisamos de um amor que nos abrace nas nossas contradições, que nos cure sem nos alienar, que nos perdoe sem nos humilhar...e esse Amor só Ele nos pode dar!

Seduzido pela voz suplicante do malfeitor crucificado-arrependido, o Amor-de-todo-Amor não resiste a fazer o seu penúltimo milagre, faz-se perdão...pois o Amor só sabe uma coisa: oferecer recomeço onde todos põem fim! BOA SEMANA.



Esperei por Ti,
na viagem do tempo,
no amanhecer de cada estação.

Ao cair de cada folha no outono,
no alegre despontar da vida
na aurora de todas as primaveras,
no pôr do sol de cada verão,
na travessia serena de cada inverno…

Esperei por Ti,
sem pressa e sem medo,
porque o Amor nunca se atrasa.

E dancei contigo em todas as praças da Vida
embalado pelo perfume suave de um abraço
Que fazia de nós uma só carne.

Esperei por Ti,
para beijar e abraçar a tua história,
derramando em cada uma das tuas feridas
o bálsamo da paz e a delicadeza da ternura
que enche de futuro cada passo
e que amplia as fronteiras do coração.

Esperei por Ti,
sem pressa e sem medo,
porque o Amor nunca se atrasa.

E, as encruzilhadas do tempo,
sabendo que Te esperava,
fizeram de teu coração um diamante
para que brilhassem nele todas as cores da Vida
e pudesses vir ao meu encontro
trazendo no peito a doce luz
que nenhuma noite pode apagar.

Descalço,
corri ao Teu encontro,
beijei-te na fronte para te dar a paz
e, naquela hora de graça,
o tempo tornou-se apenas um instante
que agora nos abraça 'para sempre'
…e nos faz casa um para o outro.

Esperarei por Ti,
sem pressa e sem medo,
porque o Amor nunca se atrasa.



terça-feira, novembro 08, 2016

VIDA (E)TERNA...


“Quanta Ressurreição habita os teus gestos cotidianos?”. É com esta provocação que nos deixamos encontrar pela Palavra desta semana (Lc 20, 27-38). No caminho para Jerusalém, metáfora dos nossos caminhos diários, Jesus deixa-se questionar por aqueles que negavam a ressurreição. É assim o nosso Deus, um Deus que não teme as nossas perguntas, um Deus que não ignora os nossos questionamentos, um Deus que pacientemente se deixa ‘pôr em causa’ pelas nossas dúvidas, pelas nossas ‘incredulidades’. O Deus de Jesus Cristo não nos dá respostas a la carte, acolhe as nossas fragilidades e aceita fazer caminho nelas. Não nos responde o óbvio e estimula-nos a contemplar para além do banal.

A grande provocação de Jesus ao responder aos questionadores do caminho, e a nós também, parece ser a de nos confrontar com as nossas escolhas, os nossos olhares, o ‘peso’ que levam as nossas palavras, a intensidade dos nossos encontros, os nossos projetos, e nos devolver a questão: tudo isso que fazes no teu dia a dia está ‘grávido’ de vida (e)terna?

Não se trata de olhar a vida como um caminho que lá no final se encontra com o céu, trata-se sim de perceber que cada passo do caminho ou vai cheio dele...ou vai cheio de nada! Se as nossas escolhas são cheias de céu, se de cada vez que nos cruzarmos uns com os outros aprendemos a olhar-nos mais olhos nos olhos do que olhar para o chão ou para o lado, então é aos poucos que vamos morrendo para a indiferença, a superficialidade, o banal e é assim que se vai enraizando em nós esse jeito novo de ser de Deus e de ser com Ele...pois pelo caminho vamos semeando e fazendo germinar o grande sonho que ele mesmo plantou no mais íntimo do nosso coração e que Agostinho cantou assim: “Tu nos criaste para Ti, Senhor, e nosso coração anda inquieto enquanto não repousa em Ti”.

Ressuscitar é dizer ao(s) outro(s), diariamente e para além dos nossos preconceitos, “Tu continuas a existir dentro de mim!”. É aprender a olhar o horizonte quando o sol vem beijando a terra e, com a determinação de um primeiro passo, (re)iniciar a peregrinação de atravessar a noite com a doce luz da esperança no coração e nos lábios; é entusiasmar-se, como as crianças, com as coisas simples e belas da vida, tão simples e belas como um abraço demorado, um olhar pacificador, o calor de um ‘obrigado’ ou a carícia de um ‘estou aqui!’...Ressuscitar é não deixar que os sonhos morram sufocados, é viver com ousadia sabendo que em cada limite há uma possibilidade e é saber também que nenhum pecado pode mais que a misericórdia, pois o perdão que o abraça sabe fazer de cada queda um recomeço...

Como um dia escreveu tão belamente escreveu Frei Prudente Nery: “Quando chega o inverno, sem que ninguém os instrua, os pássaros erguem-se espontaneamente aos céus em incrível aventura. Conduzidos por um misterioso legado de sua espécie, seguindo apenas os pulsos magnéticos da terra, eles voam, pelas trilhas do sol, milhares de quilômetros, noite e dia, à busca apenas de permanecer na vida. Assim há de ser também conosco, quando, no crepúsculo de todos os outonos, cair sobre nós o frio do inverno. Carregados, então, pelo fascinante destino de nossa espécie, nós voaremos, seguindo apenas os acenos da eternidade, rumo à morada da luz, o coração de Deus. E aí saberemos o que, agora, apenas intuímos e, ouvindo Jesus Cristo, o Caminho, a Verdade, a Vida, cremos: Não existem dois reinos, o reino dos mortos e o reino dos vivos, o reino da terra e o reino dos céus, mas apenas o Reino de Deus, que quis que fôssemos eternos”. BOA SEMANA!

terça-feira, novembro 01, 2016

SANTIDADE...o outro nome do Amor!



"Celebramos, pois, a festa da santidade. Aquela santidade que, às vezes, não se manifesta em grandes obras nem em sucessos extraordinários, mas que sabe viver, fiel e diariamente, as exigências do Batismo. Uma santidade feita de amor a Deus e aos irmãos. Amor fiel até ao esquecimento de si mesmo e à entrega total aos outros, como a vida daquelas mães e pais que se sacrificam pelas suas famílias sabendo renunciar de boa vontade, embora nem sempre seja fácil, a tantas coisas, tantos projetos ou programas pessoais. (...) Somos chamados a ser bem-aventurados, seguidores de Jesus, enfrentando os sofrimentos e angústias do nosso tempo com o espírito e o amor de Jesus. Neste sentido, poderíamos assinalar novas situações para as vivermos com espírito renovado e sempre atual: felizes os que suportam com fé os males que outros lhes infligem e perdoam de coração; felizes os que olham nos olhos os descartados e marginalizados fazendo-se próximo deles; felizes os que reconhecem Deus em cada pessoa e lutam para que também outros o descubram; felizes os que protegem e cuidam da casa comum; felizes os que renunciam ao seu próprio bem-estar em benefício dos outros; felizes os que rezam e trabalham pela plena comunhão dos cristãos... Todos eles são portadores da misericórdia e ternura de Deus, e d’Ele receberão sem dúvida a merecida recompensa" 





segunda-feira, outubro 24, 2016

HIPERMETROPIA OU MIOPIA?!...


Diz-se habitualmente que a viagem mais longa de todas é aquela feita entre a cabeça e o coração. É verdade que há acontecimentos ou situações que nos pegam de surpresa, que nos tocam de modo muito duro e profundo, fazendo-nos até sentir, nem que seja por alguns instantes, interiormente ‘desconectados’...mas, não é menos verdade que há dias, horas ou instantes em que nos sentimos mergulhados e abraçados pela realidade de forma tão ternamente intensa que tudo ao redor ganha sentido e sabor, é como se após um longo inverno se desse o despontar de uma primavera que acontece de dentro para fora.

É assim que gosto de olhar Jesus quando Ele conta uma parábola; Deus a suscitar primavera, de dentro para fora! Despertando em nós a vida que não pode morrer, o coração que não pode sucumbir, a sabedoria que não se pode calar... A subida ao templo daqueles dois peregrinos (Lc 18, 9-14) é metáfora das nossas ‘itinerâncias’, dos caminhos (per)corridos, dos passos mal andados, dos passos dúbios ou firmes. É metáfora da nossa busca interior e da nossa luta espiritual, sim dentro de nós lutam constantemente o ‘hipócrita fariseu’ e o ‘humilde publicano’.

O fariseu que ‘reza a si mesmo’ sofre de uma perturbadora hipermetropia espiritual, vê mal ao perto! O que ele tem para oferecer no mais intimo do seu ser é somente vaidade. Está tão ocupado em apresentar suas virtudes que envenena o mais intenso e puro dos encontros da vida: estar face a face com Deus! O publicano, por sua vez, sofre de uma ‘bendita miopia’...de tão longe olha para Deus, e consciente dos caminhos percorridos, sabe que a cura para ver melhor e mais profundamente é entregar aquilo que é, sem vaidade nem máscaras, com confiança total.

Entre a arrogância e a ternura há um longo caminho que é necessário percorrer. Nessa peregrinação não há mudanças que sejam automáticas ou por decreto, há apenas trilhos e pontes, há toda uma vida que é preciso aprender a contemplar, degustar e celebrar. Há uma urgência que acompanha cada passo do caminho: entrar no santuário da consciência, o “centro mais secreto e o santuário do homem, no qual se encontra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimidade do seu ser” (GS 16).

Por entre as hipermetropias ou miopias da vida, é importante não esquecermos que o dom é sempre total, o amor infinitamente misericordioso e Deus é sempre o primeiro a acreditar no nosso recomeço! É por isso que: “Hoje é tempo de missão e é tempo de coragem! Coragem para reforçar os passos vacilantes, coragem para retomar o gosto de dedicar a própria vida à causa do Evangelho; coragem para readquirir confiança na força que a missão traz consigo mesma. É tempo de coragem, mesmo se a coragem não significa ter a garantia de sucesso. É-nos pedido coragem para lutar, não necessariamente para vencer; é-nos pedido coragem para anunciar (o Evangelho), não necessariamente para converter (os outros); é-nos pedido coragem para ser alternativos ao mundo, sem contudo nos tornarmos polémicos ou agressivos; é-nos pedido coragem para nos abrirmos a todos, sem nunca diminuir o valor absoluto e a unicidade de Cristo, único salvador de todos; é-nos pedido coragem para resistir à incredulidade sem nos transformarmos em arrogantes; é-nos sobretudo pedido a coragem do publicano que, com humildade, rezava o Senhor para que tivesse compaixão dele que é pecador” (Papa Francisco). Boa Semana!



segunda-feira, outubro 10, 2016

CORAÇÃO PEREGRINO...

 

Nos caminhos cotidianos, por entre as suas encruzilhadas, sabemos como é decisivo vivenciar um afeto que nos reconstrua dos medos, frustrações, erros...é sempre sanante um olhar que nos devolva a capacidade de recomeçar e o desejo de sonhar, um olhar que rasgue infinito(s), de dentro para fora, e nos ajude a saborear o eterno nos ‘pequenos nadas’ com que vamos, passo a passo, fazendo da vida ‘a dança serena dos recomeços’. Aliás, o modo como nos olhamos uns aos outros diz muito do que habita o nosso coração, talvez pudéssemos até mudar o dito popular e reescrevê-lo assim: “diz-me como me olhas, e dir-te-ei quem és!”.

O Evangelho, ternura com que o Pai nos visita nos caminhos da vida, convida-nos esta semana a um olhar que vence a solidão, um olhar que devolva vida. Não é difícil sentirmos na carne, o peso e a dor da solidão daqueles pobres leprosos. Excomungados do mundo dos vivos, eram mortos errantes...presença a evitar pelo medo do contágio. Não podiam experimentar o gesto mais nobre e silencioso do afeto, o toque. Mantidos à distância, aqueles leprosos lembram-nos metaforicamente todas as realidades, e pessoas, que etiquetamos e às quais damos morte em vida, também por ‘perigo de contágio’... “em quem temos deixado de ‘tocar’?”, parece sussurrar-nos a Palavra.

Como sempre, o Profeta peregrino de Nazaré recorda-nos que o essencial em cada caminho é dar vida, é ser vida. Não hesita em acolher e escutar o grito ensurdecedor daqueles dez leprosos que lhe pedem compaixão (Lc 17, 11-19). Mostra-nos que é com o coração que se vence a indiferença! Desperta-nos para escutar o grito, tantas vezes silenciado por uma maioria indiferente, de todos ‘os leprosos’ com que nos cruzamos diariamente. E há tantas lepras silenciosas, bem mais perigosas que a Hanseníase... “a que gritos se fecham os nossos ouvidos? Que ‘lepras’ não queremos que nos toquem?”, parece perguntar-nos de modo inquietante o Evangelho.

Mas a lição não termina na escuta, vai mais além! O acolhimento do Profeta peregrino de Nazaré gera um ‘perfume novo’ na vida de um dos errantes peregrinos da solidão (aquele 1 que no Evangelho é sempre sinal de festa jubilosa no coração de Deus quando, por exemplo, recupera ‘a ovelha perdida’). Com o coração em festa, ao ver que se cumpria no caminho a Esperança que havia gestado no mais íntimo do coração por toda a vida, o ‘peregrino da solidão’ volta para agradecer. Torna-se ‘peregrino do Encontro’ e, afinal, faz-nos descobrir que a cura de todas as lepras, as do coração e as da carne, se dá afinal com a fé no mais pequeno e simples dos gestos: agradecer. E só sabe agradecer quem se sente amado, acolhido, perdoado...É sempre oportuno recordar que, se um olhar multiplica a Esperança...um abraço aprofunda-a. BOA SEMANA!





"Jesus, o evangelizador por excelência e o Evangelho em pessoa, identificou-Se especialmente com os mais pequeninos (cf. Mt25, 40). Isto recorda-nos, a todos os cristãos, que somos chamados a cuidar dos mais frágeis da Terra. Mas, no modelo «do êxito» e «individualista» em vigor, parece que não faz sentido investir para que os lentos, fracos ou menos dotados possam também singrar na vida.Embora aparentemente não nos traga benefícios tangíveis e imediatos, é indispensável prestar atenção e debruçar-nos sobre as novas formas de pobreza e fragilidade, nas quais somos chamados a reconhecer Cristo sofredor: os sem abrigo, os toxicodependentes, os refugiados, os povos indígenas, os idosos cada vez mais sós e abandonados, etc. Os migrantes representam um desafio especial para mim, por ser Pastor duma Igreja sem fronteiras que se sente mãe de todos. Por isso, exorto os países a uma abertura generosa, que, em vez de temer a destruição da identidade local, seja capaz de criar novas sínteses culturais. Como são belas as cidades que superam a desconfiança doentia e integram os que são diferentes, fazendo desta integração um novo fator de progresso! Como são encantadoras as cidades que, já no seu projeto arquitetónico, estão cheias de espaços que unem, relacionam, favorecem o reconhecimento do outro! Sempre me angustiou a situação das pessoas que são objeto das diferentes formas de tráfico. Quem dera que se ouvisse o grito de Deus, perguntando a todos nós: «Onde está o teu irmão?» (Gn 4, 9). Onde está o teu irmão escravo? Onde está o irmão que estás matando cada dia na pequena fábrica clandestina, na rede da prostituição, nas crianças usadas para a mendicidade, naquele que tem de trabalhar às escondidas porque não foi regularizado? Não nos façamos de distraídos! Há muita cumplicidade... A pergunta é para todos! Nas nossas cidades, está instalado este crime mafioso e aberrante, e muitos têm as mãos cheias de sangue devido a uma cómoda e muda cumplicidade" (Evangelii Guadium 209-211)

sexta-feira, julho 15, 2016

O MEU NOME É PAZ!


O meu nome é Paz!
Não me mates com o ódio,
Não me envenenes com a indiferença,
Não me ameaces com a suspeita ou fundamentalismos.

O meu nome é Paz!
Trago nos lábios a ‘luta inquieta’,
dos que não se escondem cobardemente na violência;
sou Irmã dos que plantam diálogo e fraternidade,
sou Mãe dos que se erguem para construir pontes e estreitar as margens,
sou Avó, sábia e prudente, de todos os valentes
que plantam flores e sementes
onde os corações áridos e revoltados semeiam a morte.

O meu nome é Paz!
Paz na terra, nos corações e na vida...
paz finalmente cumprida
quando os homens por Ele amados
Se (re)descobrirem irmãos.

Por fim,
cessem armas e vinganças,
descrenças e desconfianças,
e, sentados na mesma mesa,
repartindo o pão das diferenças
façamos do mundo a casa
onde a paz todos acolhe, contagia e transforma.

O rosto da Paz serás tu, serei eu e meu vizinho
e assim, bem devagarzinho,

...faremos dela um Caminho!



terça-feira, junho 28, 2016

VAI E UNGE!


De quantos encontros são feitos os nossos dias? Na correria do quotidiano é normal cruzarmo-nos com muita gente, vemos apressada e superficialmente rostos, acenamos com a cabeça ou com as mãos para dar uma breve saudação, em alguns casos ainda conseguimos apertar a mão do outro, mas é um ‘toque’ superficial, sem tempo, pois ‘temos de ir’ que o relógio não para.

É urgente que os nossos caminhos quotidianos se tornem ‘sacramento do encontro’, lugar onde nos vemos e nos contemplamos, lugar onde degustamos a vida e a compartilhamos em profundidade, lugar onde o outro se torna parte de mim, lugar onde a história sagrada do outro se torna um apelo a ver, sentir e cheirar o bem, o bom e o belo da vida, de cada vida, em cada história.

Se cada encontro (re)começar com um olhar contemplativo e um coração escancarado (re)aprenderemos, com a força sempre sedutora e vulnerável da ternura, que somos muito mais, e muito melhor, do que imaginamos! (re)descobriremos o eterno em cada momento e o ‘tesouro escondido’ por dentro de cada gesto e palavra pronunciadas. É que afinal nenhum de nós é um obra já acabada e o que falta ainda (re)construir não se encontra na espuma dos dias, exige de nós ir mais fundo...exige discernimento ( = ler por dentro).

A Palavra que nos visita esta semana desperta-nos para uma vida ‘Cristificada’ (Lc 9, 51-62). Com Ele, e como Ele, somos Ungidos ( =Cristo, na língua Grega; Messias, na língua Hebraica); Com Ele, e como Ele, somos Peregrinos que atravessam o tempo fazendo de cada lugar e encontro um Kairós ( = tempo habitado pela Salvação); Com Ele, e como Ele, tocamos as feridas da existência humana e sentimos o doce desassossego do Espírito que faz com que “tudo o que é verdadeiramente humano encontre eco em nosso coração” (GS 1); Com Ele, e como Ele, temos como mesa e altar o quotidiano e ali nos repartimos para sermos sabor e presença do Reino que o Pai nos oferece, não como prémio mas como medida para tudo o que somos, pensamos, dizemos e fazemos; Com Ele, e como Ele, atravessamos a cidade dos homens com o Evangelho no coração e nos lábios para oferecer a todos uma palavra de benção, reconciliação, cura e libertação.


Eu e tu somos uma missão nesta terra, é para isso que estamos no mundo. É preciso considerarmo-nos como que marcados a fogo por esta missão de iluminar, abençoar, vivificar, levantar, curar, libertar. Nisto uma pessoa se revela enfermeira do no espírito, professor no espírito, político no espírito..., ou seja, pessoas que decidiram, no mais íntimo de si mesmas, estar com os outros e ser para os outros’ (EG 273). Então, como fez Elias com Eliseu (Rs 19, 16b), ou como Cristo fez com Pedro e Paulo, também Ele te diz hoje: “Vai...e Unge! Vai...e cura. Vai...e abraça. Vai...e perdoa! A todos, para sempre, como Ele fez. Pois foi para essa Liberdade que Cristo nos libertou. BOA SEMANA!




terça-feira, junho 21, 2016

CUIDO, LOGO EXISTO!

Distraídos e anestesiados somos devorados pelo relógio que nunca para! Bauman diz que vivemos num tempo em cuja identidade ou é de ‘turista’ ou de ‘vagabundo’, as referências e decisões sólidas tornaram-se fluídas e, não obstante a tragicidade de tudo isso, somos cada vez mais indiferentes...

Com seus ritos e dogmas a indiferença vai fazendo caminho entre nós: na falta do ‘bom dia’, na omissão de gentileza, na falta de apreço pelo que o outro é, no modo como nos olhamos pessoal ou coletivamente...estamos, lentamente, a ‘demonizar’ e a esquecer o humano. A nossa memória, quase potenciada ao infinito pela nova religião (do latim ‘religare’) chamada tecnologia, é afinal cada vez mais curta e os nossos “terabytes emocionais”, que deveriam ser espaço (e)terno para o (re)encontro, o diálogo e a partilha, estão cada vez mais monossilábicos e vazios, dando lugar a um sentimentalismo epidérmico e perigoso.

Precisamos, urgentemente, (re)aprender a arte de cuidar e contemplar. Precisamos de silêncio e de um coração de criança para reaprender afetos. Se nos falta encanto para ver o novo, precisamos reaprender a contemplar o quotidiano e a ver em cada instante ‘o milagre’ de um caminho feito de escuta, decisão, ousadia e criatividade. Nenhum de nós é um monólogo. Muito menos somos cinzentos! As cores da vida, e do coração, dão-nos a possibilidade de nos tornarmos ‘semeadores da ternura’ e (re)construtores da esperança.

Cada vida é um (re)começo! Uma história tecida com a filigrana de tantos encontros, palavras, silêncios, gestos, olhares. Sim, podemos recomeçar sempre. Todos os dias. A ternura abre portas onde só vemos paredes, um olhar planta infinito onde só vemos limites, um gesto abre ao futuro onde antes só se via passado, um abraço desperta acolhimento onde antes só se via recusa, e o coração...bom, esse faz-nos sussurrar a Vida onde se via apenas morte!


Quando nos faltar a coragem, ou o medo parecer mais forte, vamos olhar-nos olhos nos olhos ainda mais intensamente, vamos deixar que nossos corações se (re)encontrem e, na cumplicidade que só o Amor desperta, vamos sussurrar um ao outro: “Vou cuidar de ti! Não temas! Dá-me um abraço”. 



segunda-feira, junho 13, 2016

NÃO TEMER O AMOR...

Há quem viva a vida só pela metade. Esses, de medo em medo, semeiam amargura e lamentações, como se existir fosse uma ‘fatalidade’ e viver fosse tão somente um ‘vale de lágrimas’. Para a vida ter saber, sabor e sentido não bastam ‘bons propósitos’, boas ideias ou ‘pensamentos nobres’...já para não falar dos sempre ‘ótimos (e absolutos!) juízos’ que temos acerca dos outros!

Precisamos ser ‘artesãos da vida’. Precisamos urgentemente (re)aprender, com um coração de criança, a acolher sem estar à defesa e a saber que o outro é ‘diferente de mim’, mas não é ‘meu inimigo’; é decisivo que (re)aprendamos a ‘eternidade da ternura’ num simples e demorado olhos-no-olhos e coração-a-coração. É curioso como a poeira do tempo e da história nos vais anestesiando o encanto pela simplicidade...Há quanto tempo não te sentas no colo de tua mãe? Ainda te lembras da última vez que acariciaste o rosto dos teus avós? Quantos abraços tens oferecido aos que se cruzam contigo diariamente? De quanto perdão vão carregadas as tuas palavras? E os teus olhos como contemplam a presença discreta e silenciosa do Deus-Amor no mundo? Não te parece contraditório que nós, os discípulos de Cristo, sejamos tantas vezes os primeiros a ‘amaldiçoar’ o tempo e a história em que vivemos? Se cada um de nós se desse conta do quanto Deus age na história não perderíamos tanto tempo com as ‘lamentações de perdição’ e os nossos dias seriam uma sinfonia de ação de graças. Não sou ingénuo, sei que o mal existe no mundo, sobretudo nos corações fechados, mas o bem que vemos, ouvimos e fazemos é infinitamente maior!

A Palavra desta semana encontra-nos e desconcerta todos os nossos esquemas e pré-juízos! O que está em causa naquele ‘encontro’ na casa do fariseu não é o pecado, mas a nossa capacidade de acolher (Lc 7, 36-50). Não basta deixar entrar e ‘preparar a mesa’, isso é ‘boa educação’, é preciso que o outro tenha espaço no nosso coração, e isso é Evangelho! Só é capaz de oferecer um perdão desmesurado quem sabe que cada pessoa é terra e história sagrada, que todos somos recomeço e que Deus é o único que não desiste de nós e o primeiro a levantar-nos. O perdão não é uma questão de ‘contabilidade’, é oferta antecipada de um dom imerecido, incondicional e gratuito. “Ninguém pode ser condenado para sempre pois esta não é a lógica do Evangelho” (AL 297).

No frasco de alabastro levado pela mulher-peregrina vai a oferta do seu quotidiano. É a oferta total, amorosa e confiante da sua fragilidade, dos seus recomeços, das suas dores, perdas e angústias. É a sua oração de súplica, antecipando não somente o anúncio da morte de Jesus, mas também a sua própria morte para uma ‘vida velha’ feita de descaminhos. Ela sabia que só Aquele que é a Vida poderia vencer todas as mortes que trazia dentro! Foi assim que silenciosamente, naquela casa, o encontro gerou o perdão e no perdão se deu a cura (interior). Sim, o perdão de Deus levanta-nos sempre sem nos humilhar e renova em nós a certeza de que somos filhos e não mais mendigos. Gosto de olhar este encontro como uma metáfora da nossa vida...gosto de ficar ali em silêncio de olhos fixos em Jesus e naquela ‘mulher-coragem’ que nos ensina a ‘não temer o Amor’. Este encontro desperta sempre em mim um sonho...partilho-o contigo: Sonho com o dia em que todos nós os batizados acreditarmos INFINITAMENTE no perdão de Deus...nesse dia começaremos a ser Cristãos! BOA SEMANA!



*É bom (re)lembrar:

“Saiamos, saiamos para oferecer a todos a vida de Jesus Cristo! (...) Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarra às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos. Se alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força,a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida. Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta e Jesus repete-nos sem cessar: ‘dai-lhes vós mesmos de comer’.” (Papa Francisco, EG 49)