um espaço de partilha, reflexão, discussão e anuncio do amor misericordioso de um Deus loucamente enamorado por todos os que criou à sua imagem e semelhança...
“De quantas portas fechadas é feita a tua vida?”, é a provocação que
nos acompanha esta semana! Na verdade, o
começo de um Jubileu, agora ‘mais próximo’ e ‘mais dentro’ de nós, é sempre
oportunidade para (re)fazer uma ‘peregrinação interior’.
A porta é muitas vezes invocada como sinal de segurança, de preservação
da intimidade, de salvaguarda do que é privado...muitas vezes é também um sinal
de profunda rejeição! Há portas que nunca se destrancam, outras só se entreabrem
quando se responde à famosa interrogação: “Quem é?”. Que bom seria que antes da
pergunta viesse a afirmativa: “Entre!”. Como metáfora da vida, a porta
recorda-nos o quanto algumas vidas são uma prisão permanente...e há vidas e corações
tão ‘blindados’! Por entre portas trancadas, blindadas ou entreabertas a nossa
vida é um desafio permanente a destrancar, a desblindar...a escancarar.
Não foi em vão que um santo do nosso tempo nos interpelava assim: “Não,
não tenhais medo! Antes, procurai abrir, melhor, escancarar as portas a Cristo!
Ao Seu poder salvador abri os confins dos estados, os sistemas económicos assim
como os políticos, os vastos campos de cultura, de civilização e de progresso!
Não tenhais medo! Cristo sabe bem “o que está dentro do homem”. Somente Ele o
sabe!” (João Paulo II)
A misericórdia,
oferta de recomeço para os pecadores e esperança para os frágeis, pede-nos a
capacidade de redescobrir que “a casa de Deus é um abrigo, não uma prisão e a
porta se chama Jesus” (Papa Francisco). Pede-nos sobretudo a ousadia de sair do
templo e fazer o “Jubileu ao contrário”, tal como o sonhou Tonino Bello quando
afirmava que o problema maior das nossas comunidades cristãs não é o de abrir
portas de entrada para os espaços sagrados mas portas que se escancarem do
templo para a praça, seguindo a Cristo-peregrino e tocando todos os ‘estaleiros
quotidianos’ onde cada pessoa continua a ser desfigurada e espera ansiosamente
o regaço, consolo e a ternura do Deus-Amor.
Por estes dias somos chamados a redescobrir que a misericórdia e a alegria são irmãs gémeas. Há uma alegria, a que nasce da fé, que precisamos também de aprender a cantar quotidianamente com estas palavras do grande Profeta da Esperança: "Deus é o meu Salvador, tenho confiança e nada temo. O Senhor é a
minha força e o meu louvor. Ele é a minha salvação” (Isaías 12).
Interrogados e desafiados pela pergunta evangélica: “Que devemos fazer?” (Lc 3, 10-18), anima-nos a convicção de que toda a vida é feita de (re)começos, especialmente
quando percebemos que “a misericórdia de Deus é a sua responsabilidade por nós.
Ele sente-se responsável, isto é, deseja o nosso bem e quer ver-nos felizes,
cheios de alegria e serenos” (Papa Francisco). Eis, portanto, os nossos pés que
se colocam a caminho...de Portas abertas e de coração escancarado. Boa Semana!
"Deus só pode dar-nos seu amor, o nosso Deus é ternura" (Cântico de Taizé)
‘Saber esperar é uma virtude’, eis uma frase que
repetimos algumas vezes (negativamente!) uns aos outros para justificar os
nossos atrasos. Na verdade, vivemos num tempo que ‘não tem tempo’! Apressados,
e com os nossos relógios a devorar a agenda de compromissos e reuniões, vamos
perdendo aquela capacidade contemplativa de um artesão que se deixa enamorar
pelos detalhes e aceita que seja a ternura a ritmar as horas e a moldar cada
segundo com o sabor do infinito.
Para dar sabor, e sabedoria, ao tempo que vivemos
eis que a Esperança bate de novo à nossa porta para ser mestra e companheira de
viagem neste itinerário espiritual que nos conduzirá ao Natal. Fá-lo com a
delicadeza de um ‘coração materno’ acolhendo-nos, e recolhendo-nos em seu
regaço, para nos consolar, beijar nossas feridas e refazer a nossa comunhão com
o Amor; Fá-lo com a determinação da Fé para despertar em nossa alma uma
primavera espiritual que abre os olhos do coração e nos faz ver mais
profundamente cada detalhe; Fá-lo com a luz da humildade para nos despertar da
dormência e escancarar as portas da nossa vida para o encontro com o outro onde
nos descobrimos e reconstruímos, por entre fragilidade e risco, com a força
sempre libertadora do perdão que oferece recomeço.
O Advento está aí, Chegou! Este ano entrámos nele por
uma Porta especial. Foi escancarada no coração da África para, a partir dali, nos
lembrar que “todos nós pedimos paz, misericórdia, reconciliação, perdão,
amor...para Bangui, para toda a República Centro-Africana, para o mundo inteiro”
pois “com o amor seremos vencedores na vida e sempre daremos vida. O amor nunca
nos deixará derrotados” (Papa Francisco).
Iluminados pela Palavra que sempre nos alimenta e
entusiasma (LC 21, 25-36), e abraçados por uma Esperança que não (des)ilude, talvez
seja oportuno sussurrar ao nosso coração estas questões: de quanta esperança eu
habito os meus dias? E quanta esperança ofereço nos meus gestos? Com quanta
esperança espero o outro?...É que a esperança não é somente uma questão de
ter...é sobretudo uma questão de ser! Bom Advento. Boa semana!
Os recentes acontecimentos no coração da Europa fizeram também com que o
nosso coração ficasse em sobressalto. Uma vez mais a humanidade se reencontra
com o agir desumano e com a blasfêmia que usa o nome de deus para destruir.
De imediato se reagiu e se decidiu que o ‘contra-ataque’ seria a melhor
resposta...não bastava já sermos derrotados pela crueldade do coração humano
que quer instrumentalizar deus, e temos agora os ‘deuses’ da humanidade a
garantir-nos que pela (in)segurança da guerra sairemos vencedores nesta batalha!
Pobres de nós que nos perdemos entre guerras sem sentido, guerras que fazemos
dentro e fora de nós e que apenas alimentam (e aumentam!) o ego... A nossa passividade
encontra habitualmente como única saída a(s) guerra(s) - dentro e fora de nós!
Para não reagir também eu ‘a quente’, em vez de colocar a bandeira francesa
no perfil do facebook, fui rezando (e repetindo) estes dias uma das bem-aventurança:
“bem-aventurados os fazedores da paz, porque serão chamados filhos de Deus”. Dei
por mim a pensar: de quantos fundamentalismos (religiosos) é feita a nossa vida
quotidiana?...às vezes são tantos! Logo a começar pelo modo como nos olhamos
uns aos outros na rua (o meu olhar é contemplativo ou acusador?), passando pelo
modo como nos cumprimentamos (o meu ‘bom dia’ é apenas um ato formal?), até ao
modo como nos tocamos/abraçamos (ofereço aconchego no meu abraço?), já para não
falar nas palavras que dizemos uns aos outros na família ou no
trabalho...afinal, tem dias em que podemos ser tão, ou mais, fundamentalistas
como aqueles que realizaram o massacre em Paris...e disso não nos damos conta,
nem protestamos, nem ‘bandeirizamos’ os nossos perfis!
Eu creio na não-violência como resposta de Paz aos fazedores da guerra.
Não é passividade. Muito menos resignação. É uma opção. Cheia de Evangelho! É por
isso que não tenho medo! Não tenho medo de confiar nas pessoas. Não tenho medo
dos islâmicos. Não tenho medo dos refugiados. Não tenho medo de Deus. Não tenho
medo de ser chamado filho de Deus! Digo-o para que não tenhamos, também nós,
medo de nos lembrar: do Darfur, do Sudão do Sul, das perseguições na Nigéria, das
vitimas de Minas gerais, dos muros fechados numa Europa ‘mãe da democracia’,
das redes de tráficos de pessoas, do trabalho escravo na China, na Índia e no
Bangladesh...e de todos os outros fundamentalismos (religiosos), que também nós
somos e vivemos todos os dias, e diante dos quais não nos indignamos.
A promessa do Evangelho que escutámos este Domingo: “Passará o Céu e a
Terra, mas as minhas palavras não passarão” (Mc 13, 24-32) não é palavra do
passado, é realidade! Que o medo não nos torne fundamentalistas (religiosos)
num permanente ‘contra-ataque’ e que a certeza da Paz, que nasce no coração dos
que se sabem filhos de Deus, nos leve a sermos mais ousados e criativos. Não é
ingenuidade. É uma opção. É Evangelho. É presença do Ressuscitado. A paz esteja
contigo, meu irmão de cada Domingo! BOA SEMANA!
Para contemplar a vida não
basta abrir os olhos, é preciso ‘destrancar’ o coração. Consegues ainda
‘degustar’ o sabor das caricias da tua avó quanto te sentavas no seu colo? E
ainda te lembras do ‘perfume’ deixado em ti pelo sorriso amável daquele velhinho
a quem deste lugar no autocarro? Ah, já para não falar do sorriso penetrante
daquele irmão-mendigo que tiveste a coragem de olhar nos olhos e, ao dares uma
moeda, deste também ternura e tempo. Ainda te lembras? Se tudo isso são para ti
mais do que memórias, então sê bem-vindo à Santidade!
É na rotina dos dias que se
‘pavimenta’ de eternidade o caminho. E há tantos que abriram caminho de
eternidade para nós...não saberemos nunca agradecer o suficiente! Na verdade, o
que celebramos com a solenidade de ‘todos os santos’ não é somente esta coragem
de fazer extraordinário o que é pequeno e quotidiano, celebramos sobretudo a
simplicidade (anónima e universal!) de quem sabe encher de eterno cada
acontecimento, cada encontro, cada pessoa. E porque o Evangelho é sempre
desassossego do coração e da vida, celebrar a santidade é saber-se desafiado
pela misericórdia e ternura de Deus a ser oferta de recomeço, buscador de
dignidade, um grito profético e ensurdecedor de um coração insurreto na
caridade e na justiça. Não é à toa que a liturgia da Igreja nos coloca, no
coração e na vida, as Bem-Aventuranças (Mt 5) nossa identidade fundamental, já
a preparar-nos para o exame (final) do Amor (Mt 25), celebrado como Vida
(e)terna!
Se o Batismo nos faz profetas,
então que a nossa santidade seja ‘incómoda’ e de ‘mãos sujas’. Que ao altar da
vida levemos como incenso o ‘perfume rude’ dos sem teto; o perfume ‘barato e
incómodo’ das mulheres de rua que vendem a sua carne (que é a mesma de Cristo!)
a tantos ‘bem comportadinhos’ que vivem de paz com deus, mas são devoradores
dos irmãos; o ‘perfume agonizante’ de tantos que vivem carregando pesos de um
passado que os devora e não os deixa entrever um futuro de paz; o perfume de
uma igreja“acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas
estradas” (EG 40). Porque “Se alguma coisa nos deve santamente inquietar e
preocupar a nossa consciência, é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a
força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de
fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida” (EG 49).
Quando nos deixamos tocar e
‘perfumar’ pelos últimos, então o Evangelho torna-se a nossa medida de ser e
agir, o bálsamo quotidiano com que aromatizamos todos, e tudo, que tocamos... e
haverá perfume melhor do que abraçar Deus com as nossas mãos sujas?!
Compartilho contigo a vida das
palavras de um pequeno grande profeta, que mesmo estando no céu, continua a
despertar aqui na terra uma ‘santidade incómoda’:
«Pelos
tempos fora se destacaram santos e santas:
de mãos erguidas, de mãos dadas, de mãos largas,
de mãos rotas, de mãos cheias, de mãos limpas...
Nestes dias, e como 'sinal dos
tempos',
exigem-se santos e santas
de mãos sujas,
de mãos rudes.
Mãos admiráveis, de cristãos e
cristãs, manchadas
porque remexem escórias sociais,
e de vidas conspurcadas, não raro, tiram pérolas!
Adoráveis mãos firmes de
crentes
tratadas como dementes,
a construir sacrários vivos de Cristo.
- Oh paradoxo evangélico
um Cristo demitido do corpo social.
Um Cristo ressuscitado porém,
que mãos sujas desenterram de escombros;
vidas aos tombos... remidas também!»
Nenhum
sofrimento, por mais intimo que seja, é anónimo. Todas as nossas dores têm
‘nome e rosto’. Mesmo quando silenciado pela boca, o nosso sofrimento pode
ler-se (e reler-se!) no nosso rosto, nas nossas (poucas) palavras, numa
infinitude de gestos que ficam por realizar ou que são realizados sem vigor,
sem alma ou ansiosamente sem vida. Do sofrimento só se pode falar na primeira
pessoa, porque jamais seremos capazes de entender ou de conhecer profundamente
o sofrimento do outro (que é meu irmão!). Na terra sagrada que é cada
sofrimento, pessoal ou comunitário, só se pode entrar de pés descalços e de
coração aberto. Não há espaço para sentenças de tipo “tupperware” muito bem
arrumadinhas e hermeticamente fechadas como se fossem a última (e definitiva!)
palavra. O sofrimento é uma polifonia de sentido e de sabedoria que só consegue
captar, apreender e enraizar no seu mais intimo, tal aprendizagem, quem tem a
humildade de se fazer companheiro-samaritano nesta viagem.
Há
palavras em excesso diante de tanto sofrimento humano, e há silêncios cúmplices
que são verdadeiramente escandalosos. Como sempre, o Evangelho, escola de
ternura e sabedoria, abre caminho diante de nós para que possamos entrar na
terra sagrada do sofrimento humano sem ‘doutorices’, sem respostas tipo ‘take
away’ ou ‘Mac drive’, pois ser visitado pelo sofrimento não pode jamais
equivaler-se a um ‘passar apressado’, e anónimo, numa qualquer área de serviço
de auto-estrada onde o que já foi previamente confeccionado serve para tudo,
para todos e em tudo. Jesus, sabedoria do Coração do Pai, diante do sofrimento
humano, sabe deter-se, acompanhar, tocar, falar e fazer viver (Marcos 5,
21-43). Ensina-nos o Evangelho que cada pessoa vale mais do que o tempo, Que
cada história é um tesouro precioso, que cada dor precisa do ‘sacramento da
presença’, do perfume do silêncio, do bálsamo de uma esperança que não ilude nem
idealiza, mas que realiza!
Irmanado
com as nossas dores e angústias, com as nossas tristezas e alegrias, Deus, em
Jesus Seu Filho e nosso irmão, toca-nos e deixa-se tocar, interpela-nos olhos
nos olhos e coração a coração com a novidade sempre libertadora do Evangelho e
escancara em nós, a partir do mais profundo do nosso ser, um dinamismo de vida
que nenhuma morte pode esconder ou silenciar. Como nos recorda D. António
Couto: «“Talitha,
qûm” [= menina, filha, irmã, levanta-te!]. Não passa despercebido que a palavra
de Jesus interpela a própria morte, e trata aquela menina ternamente por irmã,
irmãzinha, as irmã querida. Na verdade, o aramaico Talitha é o feminino de
Talya’. E o aramaico Talya’ é a mais bela e significativa palavra para dizer
Jesus, pois significa ao mesmo tempo ‘Filho”, ‘Cordeiro’, ‘Servo’, ‘Pão’».
Começa uma nova semana! 7 dias para
viver com um ‘coração samaritano’. Sabemos, e sentimos, que “O homem não pode viver sem amor. Ele
permanece para si próprio um ser incompreensível e a sua vida é destituída de
sentido, se não lhe for revelado o amor, se ele não se encontra com o amor, se
o não experimenta e se o não torna algo seu próprio, se nele não participa
vivamente” (João Paulo II). ´Bora lá ser, ao longo da semana, rosto e presença
diante dos muitos sofrimentos, pessoas, histórias e rostos com que nos cruzamos
diariamente?!
Quem já viveu a experiência do sofrimento sabe bem como é a inquietação do
coração quando, durante a noite, vigia para que o outro que sofre não se sinta
só e tenha tudo o que necessitar. Ser ‘visitado’ pelo sofrimento é entrar numa
escola onde se (re)aprende o que é verdadeiramente humano. Os pequenos gestos,
que se tornam em gestos decisivos e fundamentais; as pequenas carícias, que
devolvem a esperança e são um bálsamo para as dores; as palavras que ganham outra
densidade, pois diz-se apenas o essencial e o silêncio gera uma cumplicidade
que se traduz em olhos que contemplam…mesmo se inundados pelas lágrimas. Perto ou
longe tu já viveste esta experiência!
Parto desta experiência vital para te falar de um dos segredos mais belo do
Evangelho: Acreditar na vida depois do nascimento! Sim, quando Jesus nos fala
do seu Reino como ‘semente lançada à terra’ (Marcos 4, 26-34), fala-nos desta capacidade de semear
(e enraizar!), no que é finito, a eternidade. Fala-nos de um dom que se planta
com liberdade, que germina e cresce com a vulnerabilidade da ternura de quem
sabe acompanhar e que produz um fruto que se torna alimento e abrigo para os
que de coração humilde sabem ver (e acolher!), no tempo, essa novidade que
converte a vida: o Evangelho!
A semente plantada no coração do mundo és tu. Sou eu. Somos nós! E, uma vez
que todas as grandes transformações acontecem de dentro para fora, consegues já
ver o que Deus está a semear em ti e contigo? Com razão alguém disse um dia “só
quem acredita no que é pequeno, sabe ver o que Deus faz!”…e tu, Acreditas na
vida depois do nascimento? Deixo-te com uma história que talvez já conheças,
mas que é sempre bom (re)ler…e ACREDITAR! Boa Semana!
«No ventre de uma mulher grávida estavam dois bebés. O primeiro
pergunta ao outro:
- Acreditas na vida depois do nascimento?
- Certamente. Algo tem de haver após o nascimento. Talvez estejamos
aqui principalmente porque nós precisamos nos preparar para o que seremos mais
tarde.
- Que estupidez, não há vida após o nascimento. Como seria essa vida?
- Eu não sei exactamente, mas certamente haverá mais luz do que aqui.
Talvez caminhemos com nossos próprios pés e comeremos com a boca.
- Isso é um absurdo! Caminhar é impossível. E comer com a boca? É
totalmente ridículo! O cordão umbilical alimenta-nos. Eu digo somente uma coisa:
A vida após o nascimento está excluída, o cordão umbilical é muito curto.
- Na verdade, certamente há algo. Talvez seja apenas um pouco diferente
do que estamos habituados a ter aqui.
- Mas ninguém nunca voltou de lá, depois do nascimento. O parto apenas
encerra a vida. E afinal de contas, a vida é nada mais do que a angústia
prolongada na escuridão.
- Bem, eu não sei exactamente como será depois do nascimento, mas
com certeza veremos a mamã e ela cuidará de nós.
- Mamã? Acreditas na mamã? E onde ela supostamente está?
- Onde? Em tudo à nossa volta! Nela e através dela nós vivemos. Sem ela
tudo isso não existiria.
- Eu não acredito! Eu nunca vi nenhuma mamã, por isso é claro que não
existe nenhuma.
- Bem, mas às vezes quando estamos em silêncio, você pode ouvi-la
cantando, ou sente, como ela afaga nosso mundo. Saiba, eu penso que só então a
vida real nos espera e agora apenas estamos nos preparando para ela...»
Não somos simplesmente diante dos outros ou com os outros, somos ‘para os outros’. É assim também que a Palavra, semente de Vida (e)terna para o nosso ser e agir, nos faz entrar no coração daquilo que é essencial na nossa fé: proclamar que Deus é Trindade, origem e fonte de todo o Amor. Amor para todos!
O Amor que nasce do Evangelho é sempre ‘presença’, uma liberdade que se dá e que está disponível para acolher, na gratuidade, o que o outro é e a partir de onde ele está. O Amor (quando é verdadeiro!) nunca idealiza, realiza! Mais ainda, converte e transforma a partir da raiz, em profundidade. Para sempre. É isso que, no dizer de Paulo, nos faz filhos e nos resgata da escravidão! Somos herdeiros de uma identidade que nada, nem ninguém, poderá jamais ‘desfigurar’. Como disse, sabiamente, o Papa emérito Bento XVI: “o verdadeiro amor promete o infinito!”. Mas, para nós, trata-se de algo ainda maior e mais profundo, pois Deus, que é Amor infinito, não só promete, dá! Dá-se para sempre! A todos. E nós somos enxertados, isto é, ligado de modo vital, a Ele para sempre no Amor. Por Amor. Com Amor.
É assim que (re)começa em nós, agora que passaram as grandes festas da Páscoa, o tempo que a liturgia chama de ‘tempo comum’ ( = deixar que Cristo nosso Irmão e Redentor habite os nossos caminhos e alargue as fronteiras do nosso coração). É um tempo que não começa ao acaso, nem por acaso. Se todos os recomeços são providenciais, recomeçar a partir do coração da Trindade é fundamental. Livra-nos da idolatria (dentro e fora de nós!), desperta-nos para a ternura (evitando a tentação de fazer dos outros objetos!) e coloca-nos num dinamismo essencial: ser rosto de um Reino que foi semeado em cada coração e que precisa germinar e dar fruto.
O Amor-Trinitário pede-nos que renunciemos ‘à tentação da perfeição’, porque ela torna-nos egoisticamente solitários, e um solitário, mesmo que fosse perfeito, só poderia amar-se a si mesmo! O Amor-Trinitário convoca-nos para aquele ‘Amor-vulnerável’ de quem se sabe sempre peregrino, trabalhado pelas mãos do ‘Divino Oleiro’, e num 'Êxodo' evangelicamente dinâmico que nos faz olhar para além daquilo que os olhos conseguem ver e fazer de cada gesto, palavra, encontro, olhar, silêncio um hino de ‘Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo’. Não se trata, portanto, de “matemática teológica” para tentar descortinar se a Trindade é 1 = 3 ou 3 = 1, trata-se isso sim de redescobrir, com o encanto de um coração de criança, que com a Trindade, No Amor,...somos UM!
Em nenhuma estrada somos nómadas porque há uma certeza, que nasce da fé, e que nos acompanha: “Ele está no meio de nós!” (Mc 16, 15-20). Num tempo em que parece mais fácil construir muros e incitar vinganças, o Evangelho ‘desmorona’ barreiras, preconceitos, ‘filtros’, cura os olhares míopes e faz-nos abrir, de dentro para fora, o coração quando nos convoca e nos envia para irmos e sermos rosto da alegria e boa notícia, de ternura e misericórdia, para a humanidade ferida e cansada. É assim que o Evangelho nos ‘reconstrói’, nos entusiasma e nos dinamiza, à semelhança de um oleiro paciente que modela o barro ou tal como um pai de família que acaricia os filhos e os educa para a autonomia, também a Palavra, de verdade e de vida, nos fortalece para passarmos da mendicidade à dignidade de filhos. Sim, somos discípulos porque somos filhos, gerados nesse oceano infinito do coração de um “Deus (que) só sabe amar” (Roger Schutz).
Nesta semana a Palavra desperta-nos, convoca-nos e envia-nos. Faz-nos vibrar o coração. Desassossega-nos e recorda-nos que somos ‘um Povo em saída’, uma comunidade de irmãos que vive de “corações ao alto” porque enraizados profundamente nesta terra que Ele habita, nos corações que são a Sua casa, nos rostos que são para nós a Sua face, nas dores e angústias dos que hoje são crucificados e nos gestos que nos fazem parar, adorar, agir e agradecer.
Não se trata, portanto, de viver um humanismo filosófico ‘pintado’ com as cores do Evangelho, trata-se isso sim de deixar que o Evangelho, que é Palavra que gera vida e convocação para a construção do Reino, nos mobilize de dentro para fora e nos faça tocar o céu já aqui nos nossos caminhos quotidianos, nos nossos encontros, no modo como nos olhamos, no que dizemos uns aos outros (e também no que dizemos uns dos outros!), no modo como nos deixamos tocar e na delicadeza com que tocamos o outro e a sua história (sagrada!). Sabemos que sozinhos seria impossível! E como o Mestre sabe do que somos feitos, não hesitou (uma vez mais!) em ser o primeiro a confiar em nós quando nos garantiu: “Recebereis a força do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém e em toda a Judeia e na Samaria e até aos confins da terra” (At 1, 1-11).
A missão é a de Cristo. O centro dela o Reino. Os sinais que a tornam visível: homens e mulheres com um coração que sabe ajoelhar-se para servir, adorar, agradecer e cantar a beleza da vida. O que nos dinamiza não é a promessa de “um céu distante”, como se fosse um ‘prémio’ no final, mas sim a certeza de que o céu é o começo e o nosso jeito de viver e de ser discípulo missionário é a consequência. Porque o caminho depende sempre do primeiro passo…e os nossos levam a marca da eternidade e o perfume da Páscoa! BOA SEMANA!
DESAFIO: Convido-te a preparares o coração para o Dia de Pentecostes que se aproxima rezando em cada dia que falta esta pequena oração composta por uma mártir de Auschwitz:
«Quem és Tu, doce luz que me preenche e ilumina a obscuridade do meu coração? Conduzes-me como a mão de uma mãe e se me soltasses, não saberia nem dar mais um passo. És o espaço que envolve todo o meu ser e o encerra em si. Se fosse abandonado por ti cairia no abismo do nada, de onde tu o elevas ao Ser. Tu, mais próximo de mim que eu mesmo e mais intimo que minha intimidade e, sem dúvida, permaneces inalcançável e incompreensível, e que faz brotar todo nome: Espírito Santo – Amor eterno!...Tu és o doce canto do Amor…Espírito Santo – Júbilo Eterno» (Edith Stein)
Há
realidades que o coração inscreveu na nossa vida e que jamais esqueceremos: o
afeto com que em pequenos fomos embalados no colo das nossas mães, o calor do abraço
que nos levantou quando caímos por terra na nossa primeira tentativa de
articular dois passos, o ‘beijo sagrado’ nos nossos joelhos feridos, depois de
mais uma queda, que nos fazia sentir imediatamente sarados, a voz que acalmou
os nossos medos quando, de noite, nos visitava algum pesadelo, aquela palavra
amiga que corrige, e que abre futuro, fazendo-nos olhar para além dos nossos
erros, enfim…um ‘narrar infinito’ não de coisas mas de um amor dedicado, e
delicado, que foi moldando o nosso coração com as raízes do amor e que nos
ajudou a construir a vida ritmados pela ternura que converte, cura, salva.
É
assim, também, que o Evangelho, Amor feito Páscoa, continua a tecer em nós esta
semana os fios daquela Vida que nos faz filhos e irmãos, quando nos recorda que
somos Páscoa para o mundo de cada vez que o nosso agir faz ver que ‘acreditamos
no nome de Jesus Cristo e nos amamos uns aos outros’ (1 Jo 3, 18-24). Acreditar
e amar são verbos (não possessivos!) para serem conjugados na nossa existência
quotidiana através da partilha solidária e daquela comunhão fraterna que vence
o egoísmo com a vulnerabilidade da ternura sendo para todos, e em tudo,
misericórdia (amor que oferece recomeço e ‘não passa adiante’ do grito do
faminto).
Compreendemos
então que para ‘permanecer em Cristo’ (Jo 15, 1-8), e com Ele produzir fruto
abundante, não podemos fugir do mundo! Há hoje uma tentação grande de querer
ser fruto sem ter raízes (profundas) na terra…e se o que somos, e fazemos, não
toca verdadeiramente ‘as misérias humanas’, de que valem os nossos refinados ‘incensos’?
Quando
Jesus nos interpela, o coração e a vida, e nos recorda quem ‘sem Ele nada
podemos fazer’, não está com isto a dizer-nos que somos ‘escravos’ ou que
pretende impedir-nos de sermos livres. Está simplesmente a fazer ressoar no
nosso coração aquela ‘memória que nos leva ao coração da Mãe’ e que nos recorda
que somos frágeis, nutridos por um amor infinito que nos levanta, acaricia e
estimula a fazer caminho. Está a recordar-nos que sem esse dinamismo vital, na
realidade não seremos, nem faremos, nada…porque nos faltarão as raízes.
…Já
agora, como é que são as tuas raízes? BOA SEMANA!
* Que
o nosso coração se deixe moldar ao longo deste mês pela “Mãe de todos os
caminhos” e, se quisermos, ousemos rezar-lhe com estas palavras do Papa
Francisco:
«Bem-Aventurada
Virgem de Fátima,
Guarda
a nossa vida entre teus braços:
Abençoa
e fortalece qualquer desejo de bem;
Reacende
e alimenta a fé;
Ampara
e ilumina a esperança;
Suscita
e anima a caridade;
Guia
todos nós no caminho da santidade.
Ensina-nos
o teu mesmo amor de predilecção
Pelos
pequeninos e pelos pobres,
Pelos
excluídos e sofredores,
Pelos
pecadores e os desorientados;
Reúne
todos sob a tua protecção
E
recomenda todos ao teu dilecto Filho, nosso Senhor Jesus.»
E se te magoei alguma vez em
alguma coisa perdoa-me»
(02
Setembro 2014)
Senti, naquela hora, que aquele seria o seu jeito de me dizer um "adeus Luís, até ao céu!" sem me deixar inquieto porque sabia que eu iria sofrer muito quando a 'irmã morte' o viesse buscar. Guardei no coração as palavras até hoje, dia em que a notícia da sua morte despertou a memória (forçadamente) adormecida de uma hora que não queria que chegasse.
Sinto ainda hoje o calor e o afeto daquele abraço de pai, de mestre, de amigo, de irmão. Foi à porta da casa que era também ‘abrigo de todas as horas’ para os que procuravam consolo, acolhimento, ternura, um conselho ou uma palavra de entusiasmo.Ali vivia modestamente, e não podia ser de outra maneira, pois a
medida do seu existir era o Evangelho. Com um coração inquieto repetiu-me em
cada dia do último mês de agosto: “sabes,
já me resta pouco tempo!”. Vendo que o coração do ‘guerreiro de todas as
horas’ começava a dar sinais de cansaço extremo, sempre tentei aliviá-lo nos
trabalhos o mais que podia e, por entre o refrão que me repetia, lá lhe dizia: “Não pense nisso. Teimoso como é ainda vai
viver até aos 100!”. Ria com aquele seu jeito tão expressivo e concluía com
um ar de quase despedida: “Não filho,
não. Estou cansado”. Mas, de imediato retomava o entusiasmo contando-me, mais
uma vez, as histórias desde quando tinha chegado a esta terra (esquecida e
sofrida!) do nordeste do Brasil. Aquela doce repetição nunca foi para mim um
peso, havia sempre mais um pormenorzinho que me revelava um novo ‘diamante’ da
sua alma de Pai e pastor, de irmão e amigo, de confidente e de discípulo.
Era
assim o Padre Manuel Neves, de alma límpida e cristalina como a água mais pura,
com um coração cheio de Páscoa, inquieto para que o nome de Jesus e de Maria
fossem sempre mais conhecidos e amados, sereno quando via o seu povo fazer
silêncio para rezar, entusiasmado quando via o seu rebanho levantar a voz para
denunciar tudo o que era ‘anti-humano’ e profundamente feliz quando, com os
laços da fraternidade nascida do Evangelho, via o Povo ser comunidade que vive
a fé e transforma a vida. Era um profeta. Um santo. Um servo de todos. Por amor.
Como Jesus. Até ao fim.
Hoje
volto à porta da casa paroquial de Chapadinha com o coração rasgado pela dor da
sua partida. Sinto-me órfão! O Padre Neves era para mim um segundo pai. Quando nos
conhecemos pela primeira vez, na Sé velha de Coimbra, em 2006, na celebração de
envio das irmãs Criaditas dos pobres para a cidade de Chapadinha, gerou-se de
imediato uma comunhão e sintonia que só a fé pode gerar. Desde aquela hora que
passei a ouvi-lo com ‘um coração de filho’.
Na
comunhão, intimidade e sintonia que se foi gerando, acabámos por ser nas horas
de alegria, mas também naquelas da tristeza, amigos, irmãos e confidentes. Como
‘filho’ aprendi muito com ele. E o muito que lhe devo só pode ser agradecido
com o coração, porque para o Padre Neves o essencial sempre foi a gratuidade.
Não se trata de uma homenagem ‘póstuma’ onde só se dizem as virtudes, porque
sempre lhe disse o que pensava dele, o bem que ele me fazia e o quanto lhe era
grato. Leal na amizade e na comunhão que nos unia partilhámos o sonho de uma
Igreja sempre mais missionária, sem medo de tocar a terra, mesmo que ferindo-se
ou ‘sujando as mãos’ com a dor dos outros. Inúmeras vezes me falava do quanto
ecoavam, sempre mais fortes, dentro dele os rumos traçados pelo Concílio
Vaticano II e a inspiração determinada e profética de Paulo VI (queria ir a
Roma quando fosse a sua canonização!). Sofria muito, aliás muitíssimo, quando
via o seu povo ser esmagado pela mentira e pela corrupção que geram a miséria e
desfiguram o humano. Por isso era tão ‘rebelde’! Não gostava de uma Igreja de ‘bem
comportadinhos’, fechada em seguranças de um tempo que já passou e ‘blindada’
diante do presente e da novidade que Deus sempre suscita.
Há
conversas e conselhos que guardarei para sempre. Foram ditos em horas
providenciais para mim! Na memória do coração e da fé guardarei não só o seu
jeito, às vezes rude mas sempre terno, mas também as lágrimas que ele
dificilmente deixava escapar mas que eu pude, algumas vezes, testemunhar. Como Pai
escondia-as quase sempre naquele seu: “Obrigado. Muito obrigado!” ou então no
seu desajeitado: “porra, pá!”. Mas o coração comovia-se, e muito!
Se
o pai que gera na carne sofre para evitar a dor dos seus filhos, o Padre Neves,
pai que gerava no Espírito, sofria muito com a dor continuada dos que não
tinham que comer e eram ‘anestesiados’ pela ilusão de uma cesta básica, nascida
da desonestidade política e da falta de compromisso social de tantos cristãos
que a única coisa que querem do Evangelho é um ‘Deus-doce’, à sua medida, e que
não os incomode muito; sofria ao ver os velhinhos tão abandonados e explorados
por filhos e netos ingratos; sofria quando as famílias que ele tanto amava iam sendo
‘devoradas’ e destruídas pelo álcool, pela droga, a infidelidade e por uma
sociedade promíscua; sofria quando via os jovens acomodados, sem rumo, sem voz
e sem futuro; sofria com as injustiça e calúnias vindas de quem não percebia
que o seu tom de voz mais elevado, os seus gestos mais ‘agressivos’, a sua
contínua denuncia do mal nada tinha a ver com ‘política partidária’ mas com uma
vivência séria (e a sério!) do Evangelho de Cristo, o Filho de Deus, que era o
seu único amor. A sua paixão. A sua Vida!
Veio
de longe e fez-se próximo de todos. Tudo o que tinha repartiu. Gastou-se até ao
fim e deixa-nos um caminho aberto: a estrada do Evangelho.
Para
honrar o Padre Neves não será preciso, a título póstumo, dizer muitas coisas.
As homenagens públicas das instituições ele mesmo as dispensaria e diria, com
aquele seu jeito, “ó filhos ajudem os pobres a sair da miséria, criem hospitais
dignos para os nossos doentes e velhinhos, cuidem das famílias, amem e protejam
as crianças, eduquem os jovens e façam surgir oportunidades de um futuro melhor
nesta terra. Que os políticos sejam honestos e que se dê cultura às pessoas”. Por
fim, estou certo, acrescentaria: “e os católicos que estão aqui, que não sejam ‘catoliquinhos’
mas sejam homens e mulheres com as bem-aventuranças no coração e que façam ver
o Reino de Deus já aqui” e iria concluir: “obrigado por tudo. Muito obrigado!”.
Padre
Neves, até ao céu! Não morrerá a semente que plantou. O que em nós foi semeado
foi o Evangelho. Dizer-lhe obrigado é pouco, mas é também o tudo que sempre me
ensinou (tão profundamente bem!) a dizer. É que, tal como me ensinou, serei eu agora a esconder as lágrimas
repetindo-lhe uma última vez: “Obrigado. Muito obrigado!”. “Porra, pá!”.
*O texto-partilha não é simplesmente uma 'homenagem' ao Padre Neves, é também um "Obrigado. muito obrigado!" ao Padre Casimiro que, em todos estes anos, foi irmão e companheiro desta grande peregrinação vivida em Chapadinha pelo Pe Neves e também ao Pe Pedro José, da Diocese de Aveiro, que ali esteve 10 anos como missionário e com os quais aprendi a ternura do Evangelho sem nenhum 'verniz' ou 'adoçante'.
Só o Amor sabe esperar e recomeçar, sabe acolher e reconciliar, sabe
abrir caminhos de novidade e tornar mais próximo o futuro, a eternidade. Este ‘segredo
do Evangelho’ sabe-o somente quem ousa viver com um coração peregrino. Um
coração que faz de cada meta um (re)partir, um caminho de discernimento,
diálogo, vida! Neste caminho não há quem vá ‘adiantado’ ou ‘atrasado’, porque o
amor não tem uma hora marcada, ele, e somente ele, preenche todas as horas, cada
gesto, cada respiro.
Podemos imaginar, e a alegria do Evangelho permite-nos isso sempre,
como era feliz aquela doce inquietação dos gregos que tinham vindo para ‘Ver
Jesus’ (cf. João 12, 20-33). Por entre o olhar e o ver, o que aqueles homens desejam
realmente é o encontro. Querem deixar-se encontrar com Jesus, querem deixar-se
abraçar pela Sua misericórdia, querem escutar uma palavra que não os julgue mas
que os liberte, querem deixar-se contemplar pelo Único que sabe abrir portas
onde todos constroem muros.
Com a clareza de Filho e Irmão, Jesus responde à doce inquietação, ao
entusiasmo, daqueles gregos não com uma ‘troika’ de leis e medidas disciplinares,
mas com uma oferta de sentido para o caminho: ser grão…trigo lançado no coração
da humanidade para germinar o dom da Páscoa. Para isso é preciso entrar pela
porta da cruz e fazer dessa ‘hora’ um escancarar do pórtico da vida, da vida
plena que dá ritmo e sabor a cada gesto quotidiano. É assim que Jesus lhes desvenda
e sussurra o segredo do Evangelho: para ser primavera não basta produzir
flores, é preciso ter raízes fortes. Profundas. A germinarem no coração da vida.
Tal como o grão de trigo, que lançado à terra morre para produzir fruto
abundante, assim também o nosso existir, os nossos caminhos, a nossa busca
interior e os nossos gestos concretos devem ser habitados desta ‘fecundidade Pascal’.
Não uma fecundidade ‘in vitro’ ou ‘intra muros’, sempre em busca de seguranças
que nos façam viver ‘ao ataque na constante defesa’, mas aquela fecundidade dos
‘pés descalços e do coração desnudado’ que sabe suscitar primavera mesmo onde o
dia parece mais sombrio ou onde a vida parece já não fazer mais sentido. E,
quando na noite mais lúgubre, deixarmos de amaldiçoar a escuridão para bendizer
o dom das estrelas, então sim, se abrirão em nós, de dentro para fora, os olhos
do coração e veremos a realidade como um constante ‘milagre’, um dom
desconcertante e gratuito, que nos oferece em cada partida ‘recomeço’ e em cada
chegada ‘o calor do afeto que sabe gerar a Páscoa no coração do outro’. Com razão
dizia Saint-Exupéry: “O essencial é invisível aos olhos…”. BOA SEMANA!
Faz-nos ir ao Teu encontro, Senhor, na nossa
Jerusalém quotidiana.
Abre os nossos ouvidos à Tua voz
e que os nossos olhos se abram para Te ver,Vivo e presente, no rosto de cada irmão.
Faz-nos ir ao Teu encontro, Senhor, como
aqueles estrangeiros que não quiseram calar a sede de verdade que traziam
dentro. Que os nossos corações inquietos encontrem em Ti a paz. Que os nossos
caminhos mal andados encontrem em Ti um rumo. Que o peso das nossas angústias e
desesperos encontrem em Ti a vida e a esperança.
Faz-nos ir ao Teu encontro, Senhor, com um
coração de criança, simples e humilde, aberto à Tua Palavra inspiradora e ao
Teu amor reconciliador. Que as nossas vidas, Senhor, sejam um grão de trigo que
se multiplica e se faz
pão abundante para que não falte a cada irmão a alegria Teu amor terno, da Tua
Páscoa.
Como ‘nómadas’ e ‘peregrinos’ vamos vivendo, na complexidade do nosso
quotidiano, momentos de encontro e de desencontro com Deus e com os outros.
Sabemos que a nossa busca interior é feita de recomeços e, anima-nos a certeza
de que o caminho que Deus faz para nos procurar é tecido, serenamente, pelo
coração do Pai com a filigrana da ternura e da misericórdia.
O Evangelho, esta semana, desnuda-nos e coloca diante dos nossos olhos
e do nosso coração a ‘falsificação’ que todos, tantas vezes exterior e/ou interiormente,
vamos fazendo da nossa relação com Deus. Da Fé queremos apenas a ‘religião’, do
templo apenas um lugar onde ‘incensar’ as nossas vaidades e do átrio da vida um
banco para nos sentarmos acomodadamente e podermos, sem sobressaltos, ‘comercializar’
as nossas idolatrias.
Mesmo sabendo que Deus não gosta de portas fechadas, continuamos a
querer ‘aprisioná-lo’ por entre os muros que criámos à nossa medida. Queremos um
Evangelho ‘emoldurado’, uma vida cristã cheia de ‘reumatismo espiritual’ e,
acima de tudo, continuamos a desejar (soberbamente!) que os outros correspondam
simplesmente às nossas expectativas…incluindo nessa ‘listinha’ também o próprio
Deus! É de tudo isso que Jesus nos liberta esta semana quando ‘joga por terra’
tudo o que nos desumaniza e tudo aquilo que desumaniza a fé e quer fazer dela uma
‘religião de bem comportadinhos’
(cf. João 2,13-25).
Como escreveu sabiamente Don Tonino Bello em 1990: “Hoje o problema mais
urgente nas nossas comunidades cristãs não é aquele de ‘inaugurar’ portas que
se abrem para dentro do espaço sagrado. O problema mais dramático dos nossos
dias é aquele de abrir as portas do interior do templo para a praça. É desta
simbologia que temos necessidade! Para nos fazer compreender que o intimismo
tranquilizador das nossas liturgias torna-se ambíguo se não se escancara aos
espaços do território profano. E para afirmar que o rito deve chegar aos
átrios, entrar nos condomínios, deter-se nas paragens e tocar o homem nos seus ‘estaleiros’
quotidianos. Caso contrário será uma fuga perigosa da realidade».
É hora de sair do nosso ‘santuário interior’. É hora de ‘escancarar’ as
portas do templo da vida e sair ao encontro de todos os que continuam a não ter
lugar na mesa, a não ter o pão quotidiano, a não ter trabalho, saúde…a não ter
um abraço e uma palavra de conforto. Todas as portas foram feitas para serem
abertas. Quantas em ti ainda continuam fechadas?...BOA SEMANA!
Faz-nos sair do
templo, ó Pai,
Do templo das
nossas idolatrias,
Dos nossos
conformismos e acomodações.
Faz-nos sair do
templo, ó Pai,
E conduz-nos pela
mão até à praça
Para que possamos
anunciar aí
As maravilhas do
teu amor,
Sem muros nem
defesas,
Sem autoritarismo
ou vaidade,
Sem legalismo ou
banalidade…
Faz-nos sair do
templo, ó Pai,
E de tudo o que
nos serve de desculpa
Para não nos
comprometermos contigo e com o Reino.
Desassossega-nos,
Chama-nos,
Leva-nos pela mão,
pois somos frágeis,
Modela os nossos
corações com a Tua ternura
E transforma-nos
com a Tua misericórdia.
Faz-nos discípulos
missionários
Cheios de alegria
pascal nos lábios, no coração e na vida.