segunda-feira, novembro 22, 2010

O Rei vai nu…

Alguns hão-de lembrar-se do célebre conto de Hans Christian Andersen. Não, não vou fazer uma paráfrase ao conto. As linhas que se seguem são uma aproximação a uma realidade complexa, profunda…e desafiadora: amar desarmado (que é bem mais do que não ter armas!). Vem tudo isto (ainda) a propósito da solenidade do Rei-Cristo. Agrafo assim o título da solenidade, pois habituados que estamos à pompa e à circunstância (vazias de tudo e cheias de nada), num tempo débil como o nosso, podemos facilmente incorrer em leituras ideológicas e politicas do mistério de Deus, por exemplo, numa nostalgia monárquica, quase visceral, por oposição à res-publica, ou, ainda no campo das hipóteses da nossa excelsa liberdade, numa leitura anárquica do tempo actual centrada numa individualização subjectivista do “tanto me faz…para mim é assim!”.

Há já algum tempo que me habita “o mistério da vulnerabilidade”…e gosto de reflectir sobre o mundo, sobre o Cristianismo, sobre a igreja, sobre mim, a partir desta chave de leitura: o cristão é chamado pelo Mestre a viver, como Ele e com Ele um amor-desarmado, vulnerável.

O amor é ainda, em algumas circunstâncias, um belo acto formal, uma abstracção logicamente formalizada mas que não serve para coisa nenhuma...

Talvez por isso, quando se fala em vulnerabilidade, muitos se assustem, e acorram logo com sinos arrebate, como se de uma nova heresia dos tempos modernos se tratasse, pensando que se deseja a “canonização da fragilidade humana”, de um jeito resignado e fatalista. Não! A vulnerabilidade de que falo não é a de uma des-responsabilização do humano, muito menos a de uma qualquer fuga pseudo-espiritual, que procura em Deus um refúgio para não se confrontar com o que se é.


Falo da vulnerabilidade, como escola e como mistério, naquela lógica do memorial eucarístico que nos recorda que “não há maior amor (vulnerável!) do que dar a vida pelos amigos”; Ou naquela lógica do amor desarmado (e até ao fim!) do Rei dos reis e Senhor dos senhores, que nos diz, rasgando de alto a baixo a nossa inteligência e o nosso coração, “Tomai, isto é o meu corpo entregue por vós”.



Assim, a solenidade que celebramos, é como que um espelho colocado diante de nós, para que, de uma forma serenamente cristã, cada um se veja e reveja no seu modo de amar e de acolher o amor. Por isso o formal fica de fora, não tem aqui lugar, é desadequado, inestético, agressivo…é anti-Reino (de Deus).

Põe-nos em causa, o Messias-feito-Cruz. Convida-nos a revisitar a história humana (e a nossa história pessoal) como lugar de salvação e não de perdição.

Amplia os nossos horizontes, com a bem-aventurança de um Reino Novo e Eterno, que não me dispensa, do qual sou herdeiro…onde o que conta não é o mérito mas a verdade…do que sou e do que sinto, do que vivo…do onde estou…e do onde Ele me quer.

Despe-nos este Rei-Nu da tentação da vaidade, de nos acharmos os melhores e os maiores, e convida-nos a redescobrir que é dos fracos que Ele é o Deus-Forte.

Desmascara-nos nas “boas intenções” (tantas vezes mescladas de nós e vazias de Deus) e convida-nos a olhar para além do que vemos, intuindo e enraizando em nós este jeito Messiânico de ser Deus-connosco, Deus-para-nós, Deus-em-nós e Deus-de-nós.

Provoca-nos, este Rei Crucificado-Ressuscitado, a acolher a história como caminho, a ser cristão sendo (e)ternamente peregrino, a sermos uma Igreja que caminha com a humanidade e que não teme pôr-se em causa, ver-se e rever-se em Deus, em Cristo, no Espírito Santo…enfim, um convite à vulnerabilidade-evangélica que o Pai nos mostrou em Jesus e que sempre renova em nós com o Seu Espírito de Amor.

Diante do Rei-Nu:

Pilatos permaneceu armado de certezas (de coisa nenhuma) diante do amor-desarmado;

Pedro permaneceu certo de tudo (e com medo de todos) ao perceber que o amor não fere…mas dá-se (incompreensível este mistério para um coração que teima em não-se-pôr-em-causa);

O Centurião procura a lógica (para o irracional) e é desarmado por Aquele que contempla, ferido (de amor), trespassado (pelos nossos males).

Um dos ladrões, sem saber ao certo a graça de ter tal Companheiro na sua última viagem, “rouba” ao Amor a graça de ser ternamente perdoado (redescobrindo que o arrependimento não mata, mas converte e salva!);


E eu? E tu?...o que vês no Rei-Nu?

1 comentário:

CLEMENS disse...

O que vejo no Rei-Nu... Vejo Alguém que quer se relacionar comigo. Alguém que não quer ser Rei das Nações mas dos Corações. Pois, somente na medida em que for aí rei, poderá ser verdadeiramente "Rei do Universo"...