A Palavra de
Deus que nos é servida como alimento neste V Domingo da Páscoa traz ainda
agrafado o “perfume pascal” do Domingo passado quando escutámos Jesus a
garantir-nos que é “o Bom Pastor, que dá a Vida Eterna às suas ovelhas, que as
segura pela mão e que as conhece”(D. António Couto).
É neste “prado
verdejante e tranquilo”, mas não passivo, que somos então chamados a deixar
ressoar em nós, no mais profundo da nossa inteligência e do nosso coração, esta Palavra agora acabada de proclamar. Convido-vos a reflecti-la como se fosse um tríptico
(um ícone em 3 partes). Cada uma das partes nomeei-as assim:
1. Do medo à confiança.
2. Da distracção à fidelidade.
3. Com um coração de Mãe…para Amar até ao fim.
1. Do
medo à confiança
“Naqueles dias, Saulo chegou a Jerusalém e
procurava juntar-se aos discípulos. Mas todos o temiam, por não acreditarem que
fosse discípulo”. Assim o escutámos na primeira leitura, como
que a recordar-nos que a comunidade crente, por um lado é mais do que aquilo
que os nossos olhos ou inteligência conseguem alcançar; por outro lado, como
que a pôr-nos diante dos olhos aqueles que são os nossos limites, fraquezas,
preconceitos e pecados, para nos dizer que só quando oferecemos confiança e
acolhimento é que somos verdadeiramente corpo de Cristo, comunidade de
discípulos peregrinos na história.
Se
foi assim, no início, com Paulo, deixem-me que diga que não é assim tão
diferente no nosso tempo. Ainda hoje, e falo por mim, continuamos a ter muito
medo e a oferecer muito pouca confiança. Continuamos demasiadas vezes a sonhar
um cristianismo à medida das nossas possibilidades, cercado somente pelas
fronteiras das nossas capacidades, tentando tantas vezes neutralizar a acção desconcertante
do Espírito Santo que derruba as muralhas do preconceito e alarga as fronteiras do coração a um
horizonte novo, infinito, de ternura, compaixão e de comunhão fraterna.
É disto que
o nosso tempo tem sede. É isto que na errância dos dias cheios de rotinas (melancólicas
e vazias) o homem contemporâneo, nosso irmão, procura…e é isto que tantas
vezes, fechados em nós, não lhe damos.
É certo que
um sozinho não muda a história, mas pode iniciá-la. E foi isso que fez Barnabé.
Precisamos de ser como ele, e precisamos de mais como ele, isto é, de discípulos
que derrubam o medo, integram, geram confiança e constroem comunhão.
À luz disto é caso para nos perguntarmos então:
que medos (ainda) nos habitam e que confiança temos andado a
oferecer, a gerar?
2. Da distracção à fidelidade
Para que a confiança
e a comunhão vão para além das palavras e se tornem uma realidade sempre a ser
gerada e oferecida no nosso quotidiano, o Evangelho convida-nos a uma atitude
que é bem o reflexo e o termómetro do nosso ser discípulo: Permanecer. Por 8 vezes no-lo repete o Mestre e recorda-nos que “sem
Ele nada podemos fazer”.
É caso também
para nos perguntarmos:
Como é que temos permanecido n’Ele?
Este nosso permanecer é criativo,
isto é, criador de novidade para os que nos rodeiam e activo na medida em que
reacende em nós o fulgor da primeira hora, o sonho e a capacidade de fazer
pressentir nos passos já dados o perfume do Espírito que tudo renova?
Só
permanece quem ama e quem reza.
Só permanece quem se conhece e reconhece
diante de Deus, sem máscaras, e quem se abre em cada dia, sempre mais, à Sua
vontade. É que o amor não se improvisa e a vida que não se ajoelha para
agradecer, dificilmente descobre os caminhos da gratidão constante e do serviço
permanente e alegre.
Com
o convite a permanecer o Mestre
desafia-nos a fazer das nossas rotinas quotidianas não um tempo de uma “morte
lenta” mas uma oportunidade de crescimento em profundidade e fidelidade. Um tempo
para maturar o essencial, viver o fundamental e construir, por entre o fio do
tempo, uma relação onde, como dizia S. Ambrósio, "Ele [Cristo] é tudo para
nós".
3. Com um
coração de Mãe...Para Amar até ao fim!
S.
João, na sabedoria e profundidade que lhe conhecemos, maturada na estrada da fidelidade
até à cruz recordava-nos na segunda leitura que “Deus é maior que o nosso
coração e conhece todas as coisas”, para de seguida nos resumir, de um modo
simples e absolutamente desconcertante para as nossas matemáticas humanas, o
que significa afinal ser discípulo, dizia-nos ele: ser discípulo é “acreditar em Jesus” e “amar-nos uns aos outros como Ele nos amou”.
Aparentemente
tão fácil…e no entanto nem sempre a nossa Theo-logia, feita de muitas ideias e às
vezes de pouca vida, deixa que o nosso viver seja Teologal, isto é, deste jeito simples, aberto e sem fazer contas.
Nós hoje
celebramos o dia da Mãe, e ninguém melhor do que as Mães sabe o que é derrubar
os medos, oferecer confiança e permanecer.
Se quiserem,
para mim permanecer “é aprender a ter
um coração de Mãe”, um coração que não sossega quando na escuridão da noite se
pressente um sofrimento por menor que ele seja. Um coração que diariamente repete
os mesmos conselhos, não para aborrecer mas para que os possamos interiorizar.
Um coração que não se poupa a sacrifícios, tantas vezes temperados com o sal
das lágrimas. Um coração que sabe que a fidelidade é amar até ao fim, ou
melhor, é amar até depois do fim…tal como o coração de Deus, que mesmo
trespassado continua a ser para nós o refúgio de todas as horas, o consolo para
todas as lágrimas, a oferta de vida para todas as nossas mortes.
Se permanecer é “oferecer, na fidelidade, a
confiança”, então podes contar comigo, e podemos contar uns com os outros, pois
o que somos e o que aqui celebramos não é obra nossa, é dom daquele que [hoje]
nos diz: “Permanecei em mim, pois sem mim
nada podeis fazer”.
BOM DOMINGO!
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