terça-feira, março 29, 2011

Do deserto ao coração, da água do poço à fonte da vida...

A propósito das leituras da Eucaristia de Domingo passado (27 Março) aqui deixo alguns pontos que são fruto do meu encontro com a palavra de Deus e que me ajudaram ao encontro com Ele.
1. Quando o deserto somos nós…


Olhando o povo que atravessa o deserto vemos (e ouvimos na sua murmuração) que o entusiasmo da primeira hora esmoreceu... No caminho que vai da terra da escravidão à terra prometida facilmente se põe de lado a memória das obras que o próprio Deus já tinha realizado em seu favor (passaram o mar, provaram a água doce, foram saciados com codornizes…e ainda protestam!). E aquela que devia ser uma hora de esperança, de confiança, torna-se numa amarga contemplação das vicissitudes e numa caminhada que, de murmuração em murmuração, conduz não só à revolta e à desconfiança...mas também ao desejo de abandonar Aquele por quem se sentem abandonados.


Este caminho, creio, é metáfora de todos os nossos caminhos quotidianos. Com relativa facilidade também nós “habitamos de porquês” os nossos trilhos e facilmente nos esquecemos do “com quem os fazemos e partilhamos”. Neste “com quem” falo de Deus, certamente, porque como homem de fé me habituei a ler a realidade como o lugar da sua presença e acção, mas também falo daqueles e daquelas com quem diariamente cruzamos caminho e construímos história…e como é fácil fazer de cada encontro ou uma graça ou um deserto…é que às vezes o deserto não é a realidade que nos envolve…às vezes o deserto somos nós, quando teimosamente nos repetimos em rotinas já sem vida, ou em gestos e palavras profundamente carregados de morte e despidos de acolhimento, ternura, compreensão. E assim, de deserto em deserto o caminho torna-se mais amargo, à vida acrescentam-se pesos que ela não tem…e passamos ao lado do essencial (e que é o grande convite que a quaresma nos faz) passar do deserto ao coração, da morte à Vida, do finito ao Eterno.


2. Quando o deserto nos atravessa…


O Evangelho apresenta-nos um encontro junto a um poço. Este não é um encontro qualquer, é o encontro do Mestre com uma mulher Samaritana. Ela é apresentada sem nome, numa hora estranha para se ir à fonte, ficamos a saber depois, pelo diálogo com o Mestre,


- que tem uma história pessoal pouco recomendável (5+1 Maridos),


- é por cultura uma "fora da lei" (Samaritana),


- por experiência afectiva uma rejeitada (já teve cinco maridos),


- por experiência comunitária uma excluída das relações (a esta hora já ninguém a vê!).



Podemos imaginar, intuir, o deserto que habitava o coração desta mulher…e a sede que certamente traria em seu coração.


Este encontro à hora de noa torna-se para ela um encontro providencial, é a hora em que aceita ser confrontada por Alguém que lhe diz a verdade com amor e que lhe revela, com a oferta do “dom de Deus”, que o verdadeiro arrependimento não é o fim da vida, mas antes o seu o principio.


É assim que corajosamente ela larga o cântaro que não pode conter nem aprisionar o dom e se faz ela mesma dom para os outros com a alegre notícia deste encontro.


Neste encontro “esponsal” em Sicar, é toda a humanidade que se encontra com o Esposo que vai a caminho da Páscoa, da Sua Páscoa. Também nós somos convidados a fazer este encontro e a confrontarmo-nos no que somos, no que fazemos, no que dizemos ou no que calamos, com o “dom de Deus” que passa em nós, e no meio de nós, em cada dia e em cada hora…Não ao jeito dos discípulos (que chegaram atrasados depois de virem das compras e que a única coisa que aparentemente querem é que o Mestre coma [para ver se se cala!]) mas com a disponibilidade da inteligência e do coração de quem descobriu, como nos dizem as testemunhas no final do evangelho, “que Ele [Jesus] é realmente o Salvador do mundo!”.


3. Passar do deserto ao coração, da água do poço à fonte da vida!


Paulo na segunda leitura, continuando a narrar-nos a sua paixão pelo Crucificado-Ressuscitado, escreve aos Romanos e recorda-nos que só o amor nos pode desarmar, isto é, só o amor nos pode fazer sair do círculo das nossas conveniências e interesses mesquinhos e abrir-nos ao dom infinito do amor gratuito de Deus e ao dom que são (sempre!) os outros. É por isso que “quando ainda éramos pecadores, Cristo morreu por nós” (2ª Leitura).


E como não somos meros receptores do dom, mas colaboradores activos (e alegres!) com a Graça que foi derramada em nossos corações, diante do confronto que nos faz a palavra, e a caminho da Páscoa, creio que se alargam então os horizontes da nossa inteligência e, creio também, que se renova em nós o desafio a visitarmos todos os desertos humanos levando-lhes a consolação e a esperança que brotam desta fonte da vida que é Cristo. É urgente passarmos do deserto ao coração e da água do poço à fonte da vida! E aqui cada um é que sabe por onde deve começar…


É que, a alegria de quem acolhe o dom não tem preço nem medida, não cabe num cântaro e extravasa o poço… É por isso que não podemos ignorar o desafio do salmista quando nos diz: Vinde, exultemos de alegria no Senhor, aclamemos a Deus, nosso salvador. Prostremo-nos em terra, adoremos o Senhor que nos criou. Pois Ele é o nosso Deus e nós o seu povo, as ovelhas do seu rebanho” (Salmo Responsorial).

1 comentário:

Cat@ disse...

Obrigada por esta reflexão :) Um abraço, aqui desde a terra do sol nascente!