Os frutos de um
pontificado não se colhem todos no imediato, é preciso que o tempo passe para
que se possam ler e colher com mais profundidade. Se tivesse que definir o
pontificado de Bento XVI talvez a expressão que, a meu ver, melhor o definiria
seria “minoria criativa”. Creio que a expressão condensa a renovação espiritual
que ele pretendeu suscitar, o diálogo entre a fé e a razão que alimentou e
desenvolveu com uma intensidade talvez nunca antes vista na história da Igreja
e a experiência do diálogo ecuménico e inter-religioso que levou por diante.
Por outro lado, creio que ao jeito dos profetas procurou trazer já à reflexão
no presente, com a lucidez de quem lê na fé os acontecimentos da história,
aquela que num tempo muito breve será a condição dos crentes, sobretudo no
contexto europeu. A primeira vez que Bento XVI falou desta realidade foi na sua
viagem no voo para Praga em, 26 setembro 2009, quando foi interpelado pelos
jornalista acerca do facto da igreja ser, naquele país, uma minoria e de como
poderia ela contribuir para o bem da nação. Na ocasião respondeu assim: «Normalmente
são as minorias criativas que determinam o futuro, e neste sentido a Igreja
católica deve compreender como minoria criativa que tem uma herança de valores
que não são coisas do passado, mas uma realidade muito viva e actual».
Ser uma minoria criativa, capaz de interpelar pela densidade com que vive e
celebra o dom da fé toda a humanidade, de modo a que esta repense o seu modo de
viver, de olhar o homem e de se comprometer com a história, eis o trabalho
destes 8 anos de pontificado. Passar de uma fé feita de uma ‘tradição’ que se
deixou cristalizar pelo tempo e pela acomodação, a uma fé que ‘incomoda’, que
suscita perguntas, dada a radicalidade e profundidade com que é vivida e
anunciada nos gestos quotidianos. Basta estar atento ao percurso que nos propôs
nas suas encíclicas e isso torna-se ainda mais evidente.
A
uma Igreja (europeia!) errante e confusa o Papa propõem-lhe a redescoberta do
‘coração’ e dos ‘sinais da fé’, não pela via da opulência, do esplendor dos
séculos passados, mas pela via da beleza e da verdade quotidianas de quem sabe
dar razões da sua fé e da sua esperança, num cristianismo cheio de vida e
audácia evangélica que faz da Igreja uma casa aberta ao mundo, no coração do
mundo.
Esta
insistência e este percurso do pontificado de Bento XVI não são uma ideia
suscitada do acaso só porque hoje se ‘começam a esvaziar as igrejas na europa’,
esta ‘intuição profética’ foi sendo amadurecida durante toda a sua vida, de um
modo particular nos anos post-conciliares, quando o jovem teólogo Ratzinger em
1969, num conjunto de lições radiofónicas, disse o seguinte: «Da crise hodierna
nascerá uma igreja que terá perdido muito. Tornar-se-á pequena e deverá
repartir mais ou menos dos inícios. Não será mais capaz de habitar os edifícios
que construiu em tempos de prosperidade. Com a diminuição dos seus fiéis,
perderá também grande parte dos seus privilégios sociais. Repartirá de pequenos
grupos, de movimentos e de uma minoria que recolocará a fé no centro da
experiência. Será uma igreja mais espiritual, que não se arrogará um mandato
politico flirtando ora com a esquerda ora com a direita. Será pobre e
tornar-se-á a Igreja dos indigentes. Então as pessoas verão aquele pequeno
rebanho de crentes como qualquer coisa de totalmente novo: descobri-lo-ão como
uma esperança para si mesmos, a resposta que sempre tinham procurado em
segredo» (J. Ratzinger, Faith and Future, Ignatius Press, 2009).
É
para o futuro que aponta Bento XVI. Um futuro escrito não apenas com
‘tonalidades’ mas com a ‘verdade total’ do Evangelho. Ao apontar para o futuro
deixa-nos como legado imediato três desafios muito concretos: Uma vida cristã
autêntica, feita de um cristianismo ‘credível’; Uma igreja mais ‘leve’ e
‘transparente’, não assente no poder, nas intrigas palacianas, mas cada vez
mais voltada para a missão, para o anuncio alegre e determinado da salvação de
Deus em Cristo; Um apelo a vencer a indiferença e o relativismo que nos rodeiam
com uma capacidade de diálogo capaz de ouvir os que pensam de modo diferente,
trilhando com eles ‘o caminho do belo’ para que, por essa via, redescubram o
Homem e o mundo como expressão de Deus que é Amor.
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