domingo, março 03, 2013

"Minoria criativa" ...



Os frutos de um pontificado não se colhem todos no imediato, é preciso que o tempo passe para que se possam ler e colher com mais profundidade. Se tivesse que definir o pontificado de Bento XVI talvez a expressão que, a meu ver, melhor o definiria seria “minoria criativa”. Creio que a expressão condensa a renovação espiritual que ele pretendeu suscitar, o diálogo entre a fé e a razão que alimentou e desenvolveu com uma intensidade talvez nunca antes vista na história da Igreja e a experiência do diálogo ecuménico e inter-religioso que levou por diante. Por outro lado, creio que ao jeito dos profetas procurou trazer já à reflexão no presente, com a lucidez de quem lê na fé os acontecimentos da história, aquela que num tempo muito breve será a condição dos crentes, sobretudo no contexto europeu. A primeira vez que Bento XVI falou desta realidade foi na sua viagem no voo para Praga em, 26 setembro 2009, quando foi interpelado pelos jornalista acerca do facto da igreja ser, naquele país, uma minoria e de como poderia ela contribuir para o bem da nação. Na ocasião respondeu assim: «Normalmente são as minorias criativas que determinam o futuro, e neste sentido a Igreja católica deve compreender como minoria criativa que tem uma herança de valores que não são coisas do passado, mas uma realidade muito viva e actual».
Ser uma minoria criativa, capaz de interpelar pela densidade com que vive e celebra o dom da fé toda a humanidade, de modo a que esta repense o seu modo de viver, de olhar o homem e de se comprometer com a história, eis o trabalho destes 8 anos de pontificado. Passar de uma fé feita de uma ‘tradição’ que se deixou cristalizar pelo tempo e pela acomodação, a uma fé que ‘incomoda’, que suscita perguntas, dada a radicalidade e profundidade com que é vivida e anunciada nos gestos quotidianos. Basta estar atento ao percurso que nos propôs nas suas encíclicas e isso torna-se ainda mais evidente.
A uma Igreja (europeia!) errante e confusa o Papa propõem-lhe a redescoberta do ‘coração’ e dos ‘sinais da fé’, não pela via da opulência, do esplendor dos séculos passados, mas pela via da beleza e da verdade quotidianas de quem sabe dar razões da sua fé e da sua esperança, num cristianismo cheio de vida e audácia evangélica que faz da Igreja uma casa aberta ao mundo, no coração do mundo.
Esta insistência e este percurso do pontificado de Bento XVI não são uma ideia suscitada do acaso só porque hoje se ‘começam a esvaziar as igrejas na europa’, esta ‘intuição profética’ foi sendo amadurecida durante toda a sua vida, de um modo particular nos anos post-conciliares, quando o jovem teólogo Ratzinger em 1969, num conjunto de lições radiofónicas, disse o seguinte: «Da crise hodierna nascerá uma igreja que terá perdido muito. Tornar-se-á pequena e deverá repartir mais ou menos dos inícios. Não será mais capaz de habitar os edifícios que construiu em tempos de prosperidade. Com a diminuição dos seus fiéis, perderá também grande parte dos seus privilégios sociais. Repartirá de pequenos grupos, de movimentos e de uma minoria que recolocará a fé no centro da experiência. Será uma igreja mais espiritual, que não se arrogará um mandato politico flirtando ora com a esquerda ora com a direita. Será pobre e tornar-se-á a Igreja dos indigentes. Então as pessoas verão aquele pequeno rebanho de crentes como qualquer coisa de totalmente novo: descobri-lo-ão como uma esperança para si mesmos, a resposta que sempre tinham procurado em segredo» (J. Ratzinger, Faith and Future, Ignatius Press, 2009).
É para o futuro que aponta Bento XVI. Um futuro escrito não apenas com ‘tonalidades’ mas com a ‘verdade total’ do Evangelho. Ao apontar para o futuro deixa-nos como legado imediato três desafios muito concretos: Uma vida cristã autêntica, feita de um cristianismo ‘credível’; Uma igreja mais ‘leve’ e ‘transparente’, não assente no poder, nas intrigas palacianas, mas cada vez mais voltada para a missão, para o anuncio alegre e determinado da salvação de Deus em Cristo; Um apelo a vencer a indiferença e o relativismo que nos rodeiam com uma capacidade de diálogo capaz de ouvir os que pensam de modo diferente, trilhando com eles ‘o caminho do belo’ para que, por essa via, redescubram o Homem e o mundo como expressão de Deus que é Amor.


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