«Era uma vez…uma
ilha, pequena, a norte do continente africano.
Um lugar muito belo, apreciado pelos
turistas.
Tem 5 mil habitantes, são muito simpáticos e afáveis.
Tem uma
área de 20,2 km².
Um mar calmo, de águas quentes, e um suave perfume.
É bonita,
não achas?...»
Interrompo esta bela história para te dizer que estou
aqui, sentado diante do computador. É Domingo. Já celebrei Eucaristia. Fui ouvir
o Papa no ‘Angelus’ na praça de S. Pedro…Escutei bem o ‘peso’ de afecto,
ternura e sofrimento que tinham esta palavras: «Gostaria de recordar com vocês as
PESSOAS que perderam suas vidas em Lampedusa, na quinta-feira passada. Vamos
todos rezar em silêncio por estes NOSSOS IRMÃOS E IRMÃS: mulheres, homens,
crianças...DEIXEMOS CHORAR NOSSOS CORAÇÕES. Rezemos em silêncio».
Dei por mim,
quase sem querer, a perguntar como Habacuc na primeira leitura da Eucaristia de
hoje: “Até quando, Senhor, pedirei socorro, sem que me escutes? Até quando
clamarei: «Violência!», sem que me salves? Porque me fazes ver a iniquidade e
contemplar a desgraça?”
No ‘grito’
deste homem de Deus está também o grito de tantos e tantas que nestes dias viraram
‘vítimas’ e ‘número’ (hoje já vai em 211!). Fala-se hoje de Lampedusa (sim, é
esse o nome daquela ilha) de modo leviano! Alguns ‘servem-se’ para ter
audiência…para outros ‘serve’ como pedra de arremesso para uma qualquer
oposição tão partidarista quanto oportunista.
De pergunta-em-pergunta
dou-me conta novamente do que disse (e de como disse!) o Papa. Não se serve das
PESSOAS QUE MORRERAM para ter um ‘share de audiência’…também não faz delas uma
arma ‘sindicalista’ para uma qualquer exigência…e, ao contrário de mim, pobre
pecador, também não faz perguntas a Deus…antes, coloca-os no coração de Deus
pois sabe que são seus (e nossos!) irmãos e irmãs…e pede que deixemos “chorar o
coração”…
Sabe o valor de
uma lágrima quem tem memória, sabe o que é o dom da fé quem não foge da
história, da realidade, e sabe quem é Deus aquele que descobriu a todos como
irmãos.
Para viver na
Fé, e com Fé, este jeito de ser “servo inútil a tempo pleno”, como diria D.
Tonino Bello, é preciso pedir a Deus que nos liberte da autossuficiência que
dispensa os outros e o Outro, pedindo-lhe também que nos dê a coragem de repetir
em cada respiro: «aumenta a nossa [pequena] fé»…
Se acreditamos
com o coração, professamos a fé com os olhos abertos! E não podemos ignorar ou contornar
a realidade. Mas, já viste como é tão acomodado o nosso (o meu) ser cristão? Queres
um exemplo? Faço-o em modo de pergunta: «Como é que reages quando algum mendigo
na rua vem pedir-te algo?»…Aí tens a resposta! Não basta só dar-lhe uma moeda ou
ignorá-lo. É ali que a “Lampedusa quotidiana” ganha (mais um) outro rosto e coração
em agonia…é ali que ‘desembarca’ na nossa vida, diante de nós, na praia da
nossa existência (a ‘1 km do areal’- como dizem hoje no telejornal!) alguém que
sucumbirá certamente, agora não afogado no mar de águas calmas, mas
provavelmente no mar da nossa indiferença...
Afinal, se olho
para a vida, «Lampedusa» não é simplesmente o nome de uma ilha «lá longe na
Itália»…Lampedusa é aqui tão perto! E as pessoas que morrem perto da minha/tua
praia continuam a ser tantas, não achas? Talvez fosse bom começar a semana a transformar
em interrogação a afirmação com que o Mestre nos interpela no final do
Evangelho (Lucas
17,5-10) neste Domingo:
«Somos servos…e
fiz(emos) o que devía(mos) fazer?»
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