terça-feira, junho 24, 2014

UM DEUS QUE NOS COMUNGA…

«Não importa quais sejam os amores que alimentaram a nossa existência aqui na terra: fecundos ou estéreis, estáveis ou despedaçados, gloriosos ou miseráveis, ou, talvez, ambas coisas ao mesmo tempo. Sejam quais tenham sido os nossos amores, um dia, Jesus encarregar-se-á de todos, por intercessão de Maria, a primeira especialista em humanidade, para transformá-los numa realidade infinitamente melhor e, com grande surpresa para nós próprios e para todos os comensais que pensavam ter já saboreado o vinho melhor no início, uma vez mais, pela última vez, Jesus repetirá o milagre de Caná, transfigurando cada amor» (E. RONCHI)


Síntese perfeita da dança entre o amor, a ternura e o tempo, o pão é para nós alimento, força, partilha (vem daqui a palavra ‘companheiro’ = aquele com quem se reparte o pão!). O pão traz consigo ‘a memória do amor’ esculpida pelo tempo. De semente lançada à terra até ao grão maduro, há um ‘germinar de esperança’ e de novidade que faz deste crescer uma realidade dinâmica, tecida pelo silêncio, pela fidelidade de quem sabe cuidar e pela humildade de quem sabe acolher com um coração agradecido.
A Palavra com que nos encontrámos neste domingo em que celebrámos o ‘Corpo de Deus’ convocou-nos para três atitudes fundamentais: Uma memória agradecida, uma presença ativa e um dinamismo existencial.
A ‘memória agradecida’ é fruto de um coração peregrino. Quem não sabe por onde andou, e de onde vem, dificilmente poderá ter nos lábios um ‘cântico de gratidão’. É que no nosso deserto quotidiano, como outrora no deserto do Povo bíblico, Deus continua a ‘purificar’ as nossas fomes. Não podemos alimentar-nos de tudo! É que há ‘alimentos’ que nos matam, pois geram em nós uma ‘gula espiritual’ que devora a vida devorando os outros. E há ‘alimentos’ que nos curam, que nos salvam…e que nos fazem ter fome. Fome de vida. De eternidade. De salvação. De misericórdia. O nosso Deus suscita o nosso ‘canto agradecido’, não porque nos ‘enche’ do que lhe pedimos, mas porque nos purifica do que nos torna pesados, indolentes. Sem vida. Foi assim no deserto, é assim nos nossos desertos quotidianos também. Um Deus que suscita em nós, e para nós, ‘oásis’ com a vulnerabilidade da Sua ternura e amor de Pai.
Para quem tem fé a memória é sempre sinal (e sacramento!) da Presença, de uma presença ativa. Se o nosso coração peregrino se sabe amado, a nossa vida enche-se desta presença que é ‘comunhão’. Com os outros. Para os outros. Por isso Paulo recordava-nos que é com Cristo, e a Cristo, que estamos ‘agrafados’. Irmanados. Somos Corpo com Ele e n’Ele. Sem Ele somos ‘realidade fragmentada’. É que a comunhão não se improvisa. Não é uma ‘teoria’, uma ‘ideia’, um ‘projeto’. Ou é realidade ou não é nada, porque a ‘comunhão’ é um outro nome do Amor. E o Amor é sempre concreto!
Se a memória é ‘sacramento’ da presença, certeza viva e ativa deste Amor que irradia, que contagia, que converte e envia. Então há um ‘dinamismo existencial’ novo a ritmar a nossa vida: de cada vez que comungamos, que fazemos e somos comunhão, não é só a Cristo que recebemos como alimento para a nossa Peregrinação. É Ele que nos recebe. Que nos comunga! E isto muda tudo. Ser comunhão, fazer comunhão e receber ‘em comunhão’ não pode ser uma ‘figura de estilo’, nem advérbio, adjetivo ou substantivo ‘neutro’ na nossa existência. Se Ele nos comunga é porque nos quer a ser sinal e instrumento daquela mesma comunhão que Ele é, e que só Ele nos pode dar.
Não é imaginação, é Realidade: a nossa vulnerabilidade, as nossas feridas, o nosso afeto, a nossa vida…tudo comungado por Ele. Tudo cheio de Páscoa n’Ele. Tudo Ressuscitado com(o) Ele! Eis o que nos pede esta “Comunhão” (Jo 6, 51-58)…E se Deus nos comunga assim, quem somos nós para não ‘comungar’ (com) os outros como eles são?

Esta é uma (Boa) Semana para ‘fermentar’ a nossa comunhão com Deus e com os outros. Talvez seja oportuno, de cada vez que tocas no pão pela manhã, fazeres um ‘propósito diário de comunhão’ com algo ou com alguém…’bora lá? 



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