«Não importa quais sejam os amores que
alimentaram a nossa existência aqui na terra: fecundos ou estéreis, estáveis ou
despedaçados, gloriosos ou miseráveis, ou, talvez, ambas coisas ao mesmo tempo.
Sejam quais tenham sido os nossos amores, um dia, Jesus encarregar-se-á de
todos, por intercessão de Maria, a primeira especialista em humanidade, para
transformá-los numa realidade infinitamente melhor e, com grande surpresa para
nós próprios e para todos os comensais que pensavam ter já saboreado o vinho
melhor no início, uma vez mais, pela última vez, Jesus repetirá o milagre de
Caná, transfigurando cada amor» (E. RONCHI)
Síntese
perfeita da dança entre o amor, a ternura e o tempo, o pão é para nós alimento,
força, partilha (vem daqui a palavra ‘companheiro’ = aquele com quem se reparte
o pão!). O pão traz consigo ‘a memória do amor’ esculpida pelo tempo. De
semente lançada à terra até ao grão maduro, há um ‘germinar de esperança’ e de
novidade que faz deste crescer uma realidade dinâmica, tecida pelo silêncio,
pela fidelidade de quem sabe cuidar e pela humildade de quem sabe acolher com
um coração agradecido.
A
Palavra com que nos encontrámos neste domingo em que celebrámos o ‘Corpo de
Deus’ convocou-nos para três atitudes fundamentais: Uma memória agradecida, uma
presença ativa e um dinamismo existencial.
A
‘memória agradecida’ é fruto de um coração peregrino. Quem não sabe por onde
andou, e de onde vem, dificilmente poderá ter nos lábios um ‘cântico de
gratidão’. É que no nosso deserto quotidiano, como outrora no deserto do Povo bíblico,
Deus continua a ‘purificar’ as nossas fomes. Não podemos alimentar-nos de tudo!
É que há ‘alimentos’ que nos matam, pois geram em nós uma ‘gula espiritual’ que
devora a vida devorando os outros. E há ‘alimentos’ que nos curam, que nos
salvam…e que nos fazem ter fome. Fome de vida. De eternidade. De salvação. De
misericórdia. O nosso Deus suscita o nosso ‘canto agradecido’, não porque nos
‘enche’ do que lhe pedimos, mas porque nos purifica do que nos torna pesados,
indolentes. Sem vida. Foi assim no deserto, é assim nos nossos desertos
quotidianos também. Um Deus que suscita em nós, e para nós, ‘oásis’ com a
vulnerabilidade da Sua ternura e amor de Pai.
Para
quem tem fé a memória é sempre sinal (e sacramento!) da Presença, de uma
presença ativa. Se o nosso coração peregrino se sabe amado, a nossa vida
enche-se desta presença que é ‘comunhão’. Com os outros. Para os outros. Por
isso Paulo recordava-nos que é com Cristo, e a Cristo, que estamos ‘agrafados’.
Irmanados. Somos Corpo com Ele e n’Ele. Sem Ele somos ‘realidade fragmentada’.
É que a comunhão não se improvisa. Não é uma ‘teoria’, uma ‘ideia’, um
‘projeto’. Ou é realidade ou não é nada, porque a ‘comunhão’ é um outro nome do
Amor. E o Amor é sempre concreto!
Se
a memória é ‘sacramento’ da presença, certeza viva e ativa deste Amor que
irradia, que contagia, que converte e envia. Então há um ‘dinamismo
existencial’ novo a ritmar a nossa vida: de cada vez que comungamos, que
fazemos e somos comunhão, não é só a Cristo que recebemos como alimento para a
nossa Peregrinação. É Ele que nos recebe. Que nos comunga! E isto muda tudo.
Ser comunhão, fazer comunhão e receber ‘em comunhão’ não pode ser uma ‘figura
de estilo’, nem advérbio, adjetivo ou substantivo ‘neutro’ na nossa existência.
Se Ele nos comunga é porque nos quer a ser sinal e instrumento daquela mesma
comunhão que Ele é, e que só Ele nos pode dar.
Não
é imaginação, é Realidade: a nossa vulnerabilidade, as nossas feridas, o nosso
afeto, a nossa vida…tudo comungado por Ele. Tudo cheio de Páscoa n’Ele. Tudo
Ressuscitado com(o) Ele! Eis o que nos pede esta “Comunhão” (Jo 6, 51-58)…E se
Deus nos comunga assim, quem somos nós para não ‘comungar’ (com) os outros como
eles são?
Esta
é uma (Boa) Semana para ‘fermentar’ a nossa comunhão com Deus e com os outros.
Talvez seja oportuno, de cada vez que tocas no pão pela manhã, fazeres um
‘propósito diário de comunhão’ com algo ou com alguém…’bora lá?
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