Nenhum
sofrimento, por mais intimo que seja, é anónimo. Todas as nossas dores têm
‘nome e rosto’. Mesmo quando silenciado pela boca, o nosso sofrimento pode
ler-se (e reler-se!) no nosso rosto, nas nossas (poucas) palavras, numa
infinitude de gestos que ficam por realizar ou que são realizados sem vigor,
sem alma ou ansiosamente sem vida. Do sofrimento só se pode falar na primeira
pessoa, porque jamais seremos capazes de entender ou de conhecer profundamente
o sofrimento do outro (que é meu irmão!). Na terra sagrada que é cada
sofrimento, pessoal ou comunitário, só se pode entrar de pés descalços e de
coração aberto. Não há espaço para sentenças de tipo “tupperware” muito bem
arrumadinhas e hermeticamente fechadas como se fossem a última (e definitiva!)
palavra. O sofrimento é uma polifonia de sentido e de sabedoria que só consegue
captar, apreender e enraizar no seu mais intimo, tal aprendizagem, quem tem a
humildade de se fazer companheiro-samaritano nesta viagem.
Há
palavras em excesso diante de tanto sofrimento humano, e há silêncios cúmplices
que são verdadeiramente escandalosos. Como sempre, o Evangelho, escola de
ternura e sabedoria, abre caminho diante de nós para que possamos entrar na
terra sagrada do sofrimento humano sem ‘doutorices’, sem respostas tipo ‘take
away’ ou ‘Mac drive’, pois ser visitado pelo sofrimento não pode jamais
equivaler-se a um ‘passar apressado’, e anónimo, numa qualquer área de serviço
de auto-estrada onde o que já foi previamente confeccionado serve para tudo,
para todos e em tudo. Jesus, sabedoria do Coração do Pai, diante do sofrimento
humano, sabe deter-se, acompanhar, tocar, falar e fazer viver (Marcos 5,
21-43). Ensina-nos o Evangelho que cada pessoa vale mais do que o tempo, Que
cada história é um tesouro precioso, que cada dor precisa do ‘sacramento da
presença’, do perfume do silêncio, do bálsamo de uma esperança que não ilude nem
idealiza, mas que realiza!
Irmanado
com as nossas dores e angústias, com as nossas tristezas e alegrias, Deus, em
Jesus Seu Filho e nosso irmão, toca-nos e deixa-se tocar, interpela-nos olhos
nos olhos e coração a coração com a novidade sempre libertadora do Evangelho e
escancara em nós, a partir do mais profundo do nosso ser, um dinamismo de vida
que nenhuma morte pode esconder ou silenciar. Como nos recorda D. António
Couto: «“Talitha,
qûm” [= menina, filha, irmã, levanta-te!]. Não passa despercebido que a palavra
de Jesus interpela a própria morte, e trata aquela menina ternamente por irmã,
irmãzinha, as irmã querida. Na verdade, o aramaico Talitha é o feminino de
Talya’. E o aramaico Talya’ é a mais bela e significativa palavra para dizer
Jesus, pois significa ao mesmo tempo ‘Filho”, ‘Cordeiro’, ‘Servo’, ‘Pão’».
Começa uma nova semana! 7 dias para
viver com um ‘coração samaritano’. Sabemos, e sentimos, que “O homem não pode viver sem amor. Ele
permanece para si próprio um ser incompreensível e a sua vida é destituída de
sentido, se não lhe for revelado o amor, se ele não se encontra com o amor, se
o não experimenta e se o não torna algo seu próprio, se nele não participa
vivamente” (João Paulo II). ´Bora lá ser, ao longo da semana, rosto e presença
diante dos muitos sofrimentos, pessoas, histórias e rostos com que nos cruzamos
diariamente?!
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