Entrevista realizada por:
Mons. Virgílio Almeida e Prof. Luis Miranda
em exclusivo para o Jornal O Auxílio - Paróquia Nossa Senhora Auxílio dos Cristãos - Bessa (PB)
1. D. Laurence, vamos iniciar o
período da quaresma, que entre tantos apelos nos convida à oração. “Entra no teu quarto e fecha
a porta… e ora”. Que significa este convite para as pessoas do nosso tempo?
Passamos a ter uma cultura
muito extrovertida e distraída. Nossos celulares e nossa mídia nos alienaram de
nosso aposento interior. A interioridade é o primeiro elemento dos ensinamentos
de Jesus acerca da prece. Caso não redescubramos esse significado estaremos
condenados à superficialidade. O caminho para o aposento interior é simples,
mas não é fácil. A meditação é a disciplina espiritual de um discípulo de
Jesus.
2. Vivemos uma cultura, marcada pela
ocupação, o ruído, o barulho…Encontramos pessoas cansadas e abatidas pelo peso
da vida. Falamos muito de uma verdadeira "Crise existencial”, “vazio
interior”. Em que sentido o silêncio e a
meditação podem inaugurar um novo caminho de paz interior, de equanimidade,
sendo um “Evangelho” para o nosso tempo?
A meditação faz parte de nossa
tradição espiritual e modo de orar. Mas, também é uma expertise de
sobrevivência em nossa atualidade. O aprendizado da meditação é uma urgente
prioridade. Melhor será se começarmos quando ainda crianças nas salas de aulas.
Mas, também precisamos aprender em idade mais madura, e para isso precisamos de
apoio. Felizmente, a meditação gera comunidade. Só precisamos começar.
3. D. Laurence, depois
deste longo percurso da ‘meditação cristã’,
há ainda algumas pessoas que não sabem o que ela é. Se tivesse que dar uma
breve definição a nossos leitores, o que diria?
Trata-se da prece do coração:
ela segue os ensinamentos de Jesus acerca da prece. Também é uma sabedoria
universal que encontramos em todas as tradições. A meditação alia o silêncio à
imobilidade e, à simplicidade, que são os elementos essenciais da contemplação.
Ela é uma tradicional prática que encontramos na Igreja primitiva. Sente-se,
esteja quieto(a), feche seus olhos. Repita mentalmente, e no seu coração, uma
única palavra de prece. Sugerimos o termo antigo Maranathá (do Aramaico = Vem,
Senhor!). Repita-o fielmente e continuamente, de modo a aprender a colocar de
lado todos os pensamentos e imagens, pela repetição dessa única palavra. O
objetivo disso é o de nos tornarmos radicalmente pobres em espírito. O resto é
o trabalho do Espírito. Meditamos para nos aproximarmos mais da união com
Jesus, e para adentrar a prece dele, de modo à com ele nos movermos para além
do ego ao Pai no Espírito.
4. Em alguns círculos religiosos,
cria-se uma suspeita da "pratica de meditação”. Em que a “Meditação Cristã
se assemelha e como se diferencia das práticas orientais e de outros grupos não
cristãos?
A meditação é cristã se
meditamos na fé cristã, de modo a nos aproximarmos de Jesus. Trata-se de
parcela de nossa tradição histórica e teológica. Meditamos com outros cristãos.
A meditação não substitui quaisquer outras formas de prece, mas preenche a
dimensão que falta à prece.
5. Encontramos em tantas pessoas um
desejo de paz, de bênçãos, de contato com o divino. Quais os benefícios e
frutos na vida de quem consegue fazer a Meditação Cristã regularmente?
Os benefícios podem ser
medidos: na saúde cardiovascular, no sistema imunológico, no relaxamento, na melhoria
da qualidade do sono, etc. Mas, esses benefícios são apenas os sinais
exteriores de frutos espirituais mais profundos, aquilo que São Paulo chamava
de a colheita do espírito (amor, alegria, paciência, bondade, suavidade, e
auto-controle). Identificamos isso em nosso relacionamento com nós mesmos e, especialmente,
com os outros.
6. Como falar da relação entre
Meditação e saúde mental, entre Meditação e uma vida espiritual consistente?
Na tradição mística o termo
para saúde espiritual é “apatheia”. Sem isso, calma e equanimidade, integração
e harmonia pessoal, não poderemos estar íntegros e em paz em nós mesmos.
7. Por que as pessoas desejam, mas
têm um certo medo do silêncio, têm dificuldades de uma pratica regular? Que orientações daria a quem deseja iniciar um
caminho de fé pela via do silêncio, da meditação?
Temos medo da realidade, mas
deveríamos temer mais a ilusão. A meditação se parece a uma criança. Caso tenha
medo do silêncio e da imobilidade, procure meditar com crianças. Elas nos
mostram o quanto a meditação é natural e universal. Nada tema, Jesus disse.
Assim, só é necessário começar, e tudo o que você precisa lhe será dado.
8. Estamos para iniciar
o tempo quaresmal, tempo de deserto, de silêncio, de oração. Mas também é tempo de viver a Palavra, de cultivar a Caridade Há
ainda quem pense que o caminho da oração/contemplação significa desligar-se da realidade. O que tem a nos dizer sobre isso? É a Meditação um caminho individualista ou exatamente o contrário, nos
lança na aventura da caridade, da tolerância, da compaixão, da unidade com os
outros?
A meditação é a cura, o
antídoto, para a solidão e o isolamento. É o caminho da solitude, que é o
reconhecimento e a aceitação de nossa identidade única aos olhos de Deus. Caso
lhe pareça como um deserto, isso é bom. Jesus se encaminhou para o deserto para
se encontrar a si mesmo em Deus, o Pai, e de lá saiu forte e cheio de coragem.
Assim é também conosco. A meditação é o
nosso deserto, a região onde encontramos Deus em solitude, e onde transformamos
nosso modo de viver e de nos relacionarmos com nós mesmos e com os outros.
9. Falamos em deserto,
em silêncio. Quais são, na
sua opinião, os grandes desertos que a humanidade está a atravessar? Que ‘silêncios’
mais o preocupam?
O silêncio é o fruto da atenção
amorosa. Não é algo negativo. Trata-se de perfeita comunhão e da plenitude de
comunicação. Deveríamos temer o falso silêncio que é recusa de nos abrirmos, de
nos comunicarmos. Não precisamos temer o silêncio verdadeiro que nos conduz à
plenitude da presença de Deus. “Parai e sabei que Eu sou Deus”. A meditação
reduz e afinal sobrepuja o medo porque ela é a obra do amor, e o amor perfeito
expulsa o medo.
10. Que sugestões daria a um cristão para viver bem esta quaresma que agora
se inicia?
Tanto quanto possa: medite toda
manhã e toda tarde, durante 20 minutos, ou tanto quanto consiga. Repita a sua
palavra de prece ao longo de todo a meditação, de modo que você possa estar na
real presença de Jesus, direta e plenamente. Adicionalmente, procure evitar o
álcool e os doces (é o que eu faço), de modo a poder exercitar algum autocontrole
e cuidado para com o corpo, que é o templo do espírito e um instrumento da
prece. Busque a oportunidade especial que cada dia te oferece de ser gentil e
generoso(a) para alguém (sem esperar agradecimento ou reconhecimento). Leia o
Evangelho do dia após a meditação da manhã e da tarde. E esteja alegre e em
paz. Nada há a temer, se você estiver disponível para o amor que flui em seu
coração. Esteja disponível para mudanças.
Quem é Dom Laurence Freeman?
Laurence
Freeman nasceu na Inglaterra em 1951 onde recebeu educação beneditina e estudou
Literatura Inglesa no New College da Universidade de Oxford. Antes de entrar
para a vida monástica ele trabalhou para a ONU em Nova Yorque, em banco e em
jornalismo. Hoje D. Laurence é um monge beneditino do Mosteiro Christ our
Saviour, de Turvey, na Inglaterra, um Mosteiro da congregação de Monte Oliveto.
Ele é o diretor da WCCM - Comunidade Mundial para a Meditação Cristã.
D.
Laurence estudou teologia na Universite de Montreal e na McGill University. e
fez seus votos solenes monásticos em 1979 e foi ordenado sacerdote em
1980. Em 1991 D. Laurence voltou à
Inglaterra para estabelecer o Centro Internacional da recém criada WCCM, agora
presente em mais de cem países e que se tornou um Mosteiro sem paredes pelo
qual ele viaja e ensina amplamente.
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