sábado, novembro 28, 2020

ESPERANÇAR...

 


Gosto de saborear o tempo e a história com a tessitura da esperança, com um olhar contemplativo, capaz de ver em cada desafio o lugar onde Deus nos chama. Gosto de degustar em profundidade o “perfume da Páscoa” que perpassa toda a história humana e beija cada uma de nossas cicatrizes. Gosto de palavras que ampliam horizontes. Esperança. Gosto da luz que habita a palavra das palavras. Fé! E, se o mais belo nome de Deus é misericórdia, o jeito dele agir no tempo e na história chama-se ternura, oferta de recomeço, de vida, de salvação.

Ao oferecer-nos, como dom para todos, a Encíclica Fratelli Tutti, o Papa Francisco alertou-nos também para o perigo de “esvaziar de sentido ou manipular as «grandes» palavras” (FT 12) e provocou-nos com uma pergunta: “como se pode levantar a cabeça para reconhecer o vizinho ou ficar ao lado de quem está caído na estrada?” (FT 16). 

No Advento, que a partir de amanhã nos encontra, abraça e envolve, há uma presença, discreta e silenciosa, que quotidianamente nos precede, acompanha e nos fala. Há um Verbo que tem rosto e é um projeto, Esperançar! Com sabedoria, e provocação, assim escreveu o grande educador Paulo Freire: “Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo…”.

O Advento, tempo de Esperançar, convoca-nos e desperta-nos da sonolência de um coração fechado na indiferença e no egoísmo. Chama-nos a estarmos juntos, a sermos um! Os anjos, que enchem de ternura as páginas do Evangelho na natividade do Filho de Deus, reescreveram, ao ver-nos errantes, mudos e indiferentes, o essencial da Boa notícia: “Glória a Deus nas alturas…e pés na terra!”.

Num tempo que nos sequestrou os abraços e nos faz ter como companheiro o vírus da incerteza e da imprevisibilidade, é decisivo recordarmos que: “O ideal cristão convidará sempre a superar a suspeita, a desconfiança permanente, o medo de sermos invadidos, as atitudes defensivas que nos impõe o mundo actual. Muitos tentam escapar dos outros fechando-se na sua privacidade confortável ou no círculo reduzido dos mais íntimos, e renunciam ao realismo da dimensão social do Evangelho. Porque, assim como alguns quiseram um Cristo puramente espiritual, sem carne nem cruz, também se pretendem relações interpessoais mediadas apenas por sofisticados aparatos, por ecrãs e sistemas que se podem acender e apagar à vontade. Entretanto o Evangelho convida-nos sempre a abraçar o risco do encontro com o rosto do outro, com a sua presença física que interpela, com o seus sofrimentos e suas reivindicações, com a sua alegria contagiosa permanecendo lado a lado. A verdadeira fé no Filho de Deus feito carne é inseparável do dom de si mesmo, da pertença à comunidade, do serviço, da reconciliação com a carne dos outros. Na sua encarnação, o Filho de Deus convidou-nos à revolução da ternura.” (Evangelii Gaudium 88).

A Esperança cristã, que celebramos em cada advento, não é um analgésico que nos isenta das nossas responsabilidades quotidianas. Muito menos se resume à banalidade do “vai dar tudo certo”. Esperar é saber, desde o início, que todas as coisas têm um sentido. Por isso, quanto mais enraizados na Esperança, quanto mais comungados por ela, mais comprometidos em encher de futuro todos os encontros e lugares, cada gesto e cada pessoa. Saber esperar, dizemos, é uma virtude. Saber esperançar, é uma missão! 

Por onde começar, logo agora que se escancara a porta do Advento?

Se sabes sorrir com os olhos, torna-te, nestes dias da doce expectativa que fará do teu coração um berço, um artesão dos afetos, capaz de iluminar e aquecer a noite gélida da solidão de quem mora talvez ao teu lado.

Se consegues dilatar o coração, e com ele beijar a dor do outro, sobretudo dos que estão em luto, faz-te casa e mesa de ternura, que sacia com amor os famintos de sentido.

Se ousas ser silêncio para escutar as alegrias e esperanças, tristezas e angústias dos homens e mulheres, teus irmãos, faz-te regaço materno que consola e mãos que acariciam e abençoam.Se não desistes de rezar, e és capaz de contemplar o futuro, acende na noite dos corações peregrinos a chama viva da Esperança. Afinal, também tu nasceste para…Esperançar! Vamos juntos?…

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