Começa
por serenar o coração.
Há quanto tempo não há silêncio dentro de
ti?
Uma
vida sem silêncio dificilmente consegue falar, pois é no silêncio que são
tecidas as palavras, quase ao modo de filigrana,
unindo cada fio de relação, de encontro, numa pequena “teia” que se configura
como uma peça de ‘arte’, a arte de ser…por inteiro…por dentro…para todos…com
todos.
Atravessando
o tempo e a história, como protagonistas e peregrinos, sabemos que o mistério da
vida se desvela, em parte, quando os nossos olhos não se rendem ao factual,
quando o nosso coração não se prende ao que é banal, quando a nossa
inteligência, santuário onde Deus fala ‘o novo’, não se deixa agrilhoar pela
amargura do ‘não há nada a fazer’, ou
pior ainda, do ‘é impossível’.
A
vida, dom e mistério, é um convite a ler atentamente, em profundidade, o tempo e
a história que fomos, somos e que virá. É um exercício constante de ‘vigilância’,
não ao modo das sentinelas que observam o horizonte para ver se vem o inimigo,
mas ao jeito dos profetas, dos santos, que sempre foram capazes de
colher no tempo, no fio da história, a irrupção do que é novo. Sim, é de
novidade que se fala quando se diz “vigiai”, pois vigiar de modo cristão não é
mais do que conjugar no olhar a sintonia
da inteligência e do coração para ver o dom a acontecer, para ver o novo a
(re)surgir.
E com que olhos andas a ‘contemplar’ a
realidade?
Em
tempo de Advento* há uma “vigilância” que é preciso (re)acender, a ‘vigilância
do coração’, para não nos repetirmos no peso de rotinas vazias que vão
desgastando o que somos, corroendo o que vivemos e anulando o horizonte que nos
chama. Essa vigilância do coração’ podemos aprendê-la com S. José.
[San
Giuseppe legge a lume di candela, Gerrit van Honthorst, +/- 1610
-1615, Chiesa di San Francesco a Ripa, Roma]
De
José, na Bíblia, conhecemos essencialmente o
silêncio e a ternura.
Silêncio de um coração que anda em busca
e que é surpreendido pelo chamamento de Deus a ser pai e esposo, protetor e
guardião, homem que abre caminho e que acolhe a novidade. Silêncio de quem se deixa encontrar e habitar pelo Mistério…
Ternura de um homem-esposo-pai que mesmo
não percebendo tudo claramente não se cansa de cuidar, amparar. Ternura de quem responde ao amor
quotidiano com a fidelidade de um ‘sim’ que não desiste perante as dificuldades…
José
é silêncio e ternura porque soube vigiar.
Enquanto
procurava não teve medo de se deixar encontrar, enquanto caminhava não teve
medo de se deixar acompanhar, enquanto sonhava não teve medo de deixar que o
mistério lhe dilatasse o coração e a inteligência para que, abraçando o Menino,
abraçasse o mundo ao qual este Menino era enviado como Salvador.
No
silêncio e na ternura de um quotidiano feito (a) caminho José convida-nos a
alargar os horizontes, às vezes pequenos, da nossa existência a um nível de
profundidade que se chama eternidade
e a deixarmo-nos guiar pela luz, discreta e serena, da fé.
Creio
que é assim, nesta ‘lógica’, que Gerrit
van Honthorst coloca diante de nós este José, leitor e contemplativo.
(re)lendo(-se)
à luz da vela, José convida-nos a entrar pela ‘Porta da Fé’ com a simplicidade
de quem traz perguntas dentro mas que não traz pressa para encontrar respostas. É que a vida, quando não é saboreada por inteiro, e por dentro, corre o risco
de ser desperdiçada em banalidades.
Por
outro lado, este José que (se) lê é
também um convite a olhar o quotidiano como o espaço da ‘surpresa’ e do ‘dom’
que desafiam a ir para além do óbvio, a vencer tanta(s) indiferença(s) com a
diferença de um coração crente, a caminho, cheio de luz recebida e partilhada…
Finalmente,
José, homem da meditação e do silêncio, convida-nos a entrar a ‘porta do
Advento’ procurando em Deus, e com Ele, o sentido e o significado mais profundo
para o nosso quotidiano, para o nosso amar, olhar, acolher…
Se
vigiar-contemplar é próprio de quem
não se deixa vencer pela banalidade, então não te canses de contemplar…porque
Ele vem…Ele está!
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* “A palavra «Advento» é a
tradução da palavra grega parusia, que significa «presença», ou melhor,
«chegada», quer dizer, presença começada. (…) Advento significa presença de
Deus já começada, mas também apenas começada. Isto implica que o cristão não
olha somente o que já foi e o que aconteceu, como também ao que está por vir” (Joseph RATZINGER)
1 comentário:
A espera , preparados pra a vinda de Ele. Com os pecados que carrego mas estar consciente da minhas limitações.
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