Há pessoas e momentos que nos marcam para sempre. Há rostos que
despertam em nós uma ousadia que nem o coração pode conter. Há momentos da vida
(nossa e dos outros) em que o Eterno passa e desassossega para sempre, para o
bem…para todos.
Gosto de olhar a vida consagrada como esta multidão que caminha na
história e que, com o desassossego do coração (pois são os insurretos no amor!),
vai lançando as sementes do Reino com gestos de ternura que ressuscita, de
compaixão que dignifica, de amor que converte.
Hoje, pela tarde, passei pela praça de S. Pedro. Estava cheia de
consagrados que iam para a celebração com o Papa. É o seu dia e no rosto, mesmo
que marcado pelos anos, via-se o perfume da Páscoa.
Na diversidade de cores (do rosto e dos seus hábitos) vi também o
peso das rotinas, de uma certa acomodação que toca a todos nós quando nos
parece (quase) impossível ‘vencer’ o tão famoso ‘relativismo’ do mundo
contemporâneo…
De repente dei por mim a pensar que podia ser diferente a
celebração, talvez já hoje, talvez para o ano, não sei…o que sei é que há
momentos que são providenciais, e há sonhos que nos habitam e não podemos
calar.
Qual foi o sonho?
«Olhei o Papa, velhinho e dobrado pelo peso do tempo, mas com um
olhar penetrante, cheio da “luz das nações”.
Descendo muito serena, mas lentamente, as escadarias do “Altar da
Confissão” caminhou pelo meio da multidão de homens e mulheres consagrados. Enquanto
caminhava cantava com voz límpida: “Levantai, ó portas, os vossos umbrais, alteai-vos,
pórticos antigos” [Salmo 23 (24)].
Dirigindo-se à porta da Basílica disse aos que ali se encontravam: Caros irmãos e irmãs Aquele que é a “Luz para se revelar às nações”[Lc 2, 32]
tocou um dia o mais profundo dos nossos corações. Desde essa hora que não deve
haver em nós mais espaço para a indiferença. “Ele não veio em auxílio dos
Anjos, mas dos descendentes de Abraão.” [Hebr. 2, 14-18] por isso, vinde comigo e
continuemos, com Ele e como Ele, a ser “sinal de contradição”[Lc 2, 22-40]. Com
esta vela acesa, com o perfume da Páscoa em nossos corações, saíamos da casa do
Senhor ao encontro das trevas desta cidade. Vamos às periferias do mundo beijar
a miséria humana. Depois fez um pouco de silêncio.
De seguida, com uma voz ainda mais decidida disse: ‘Onde a
dignidade está ferida levaremos o óleo da
consolação. Onde a esperança está adormecida seremos sentinelas que suscitam, na noite o despertar do coração e
da mente para o futuro. Onde a injustiça e a mentira crucificam a humanidade, aí nos ajoelharemos diante do homem
caído por terra e, como o Mestre, lhe lavaremos os pés. Beijaremos todas as
suas feridas com a ternura de um coração de mãe. E, no fim, sabendo que somos ‘servos
inúteis a tempo pleno’, viremos de novo aqui, com todos eles: os sem-abrigo, as
prostitutas, os estrangeiros que mendigam,… e com eles comeremos o Pão da Vida
e adoraremos Aquele que é o nosso Caminho e a Verdade’.
Dito isto, com passo determinado e uma vela acesa na mão, o Papa
saiu do templo. Alguns pensaram que ele tinha enlouquecido! Outros timidamente
lá começaram a sair, lentamente, com ele. Por fim, na praça viu-se um mar de
luz que se dirigia às periferias da cidade…e à frente caminhava Pedro. Sem pressa
ou vaidade. Mas simplesmente como um discípulo e peregrino, vulnerável, tal
como naquela manhã junto ao lago quando o Mestre lhe tinha perguntado: “Pedro,
tu amas-me?...”».
Depois do sonho, e já em casa, dei-me conta das muitas vezes em
que não saio para a praça para levar a
luz à periferia…será que vai ser hoje, ou só p’ró ano?...
2 comentários:
Luis como eu gosto de ler o que escreve. Sabe, é isso mesmo, a Luz a que se refere tem mesmo que sair do centro para a periferia, porque é aí mesmo, nos "arrabaldes" que Ela mais tem que ser anunciada. Um abraço Luis e bom Domingo.
Muito, muito bom! espalhar a luz que em nós trazemos... ;)
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