Toda
a nossa vida é feita de ‘memórias’. Uma memória ‘reconciliada’, abre sempre
portas de futuro. Uma memória ‘amarga’ torna-se auto-destruição, veneno ‘pessimista’
que não faz bem, nem deixa ver bem…o bem. Há a memória ‘existencial’, que é feita
de quotidiano e tecida com a filigrana da coragem, da simplicidade, da
criatividade. Essa é também a memória ‘abraçada’ por aquelas rotinas que
consolidam em nós o bom e o belo e nos abrem à novidade, com a serenidade de
quem sabe que a vida não é um minuto, nem um acaso, nem um abismo.
Hoje
é Dia Internacional em Memória das
Vítimas do Holocausto, celebra-se o aniversário da libertação, pelas
tropas aliadas, do campo de extermínio nazi da cidade polaca de Oswiecim (em
alemão: Auschwitz).
A
‘memória’ que hoje celebramos não é simplesmente um evento/acontecimento. Não é
apenas uma recordação do passado, nem somente um alerta para o futuro.
Celebramos hoje a ‘memória da indiferença’, memória da ‘noite/trevas’, memória
de quando o homem se esqueceu que ‘o outro’ é ‘seu irmão’. Memória que faz
ressoar na história as vozes inocentes que sucumbiram ao mais maléfico dos
males que a ‘perda da memória’ pode causar: a brutalidade da indiferença que
gera a morte.
Entrar
em Auschwitz é, ainda hoje, ser atravessado por um silêncio gélido onde ressoam
e ecoam as vozes e as histórias, os rostos, a ‘sufocante incerteza’ de um
futuro que pode não chegar, o ‘negro destino’ de quem não tendo ‘amanhã’ se vê ‘despido’
de qualquer dignidade…pude experimentá-lo quando ali estive em 9 de agosto de
2006, dia de Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith
Stein).
Não
foram só os Judeus, os Ciganos, os opositores Polacos, etc. que morreram em
Auschwitz. Ali, de qualquer modo, morreu um pouco de todos nós! Foi o humano
que foi ‘derrotado’, ‘encarcerado’ e ‘martirizado’ com a ‘bestialidade’ de um
requinte de malvadez que nos deve fazer refletir longamente, com muito
silêncio, com um olhar contemplativo e um coração sintonizado com os gritos de
outros tantos inocentes que, como os de Auschwitz, são marcados com o ‘selo da
morte’ e continuam a ser ‘um número’: no Sudão do sul, na Coreia do Norte, na
Síria, na República Centro-Africana,… ou nas regras do ‘capitalismo selvagem’
que faz de cada homem e mulher, sobretudo hoje, uma fracção de uma percentagem que
deve alimentar o devorador sistema da ‘lei de mercado’.
Tenho-o
dito e redito muitas vezes: o mundo (e de modo particular a Europa) ainda não
se ‘reconciliou’ nem se ‘levantou’ do ignominioso holocausto acontecido em
Auschwitz. Temos contornado, com ‘jogos de cintura’ muito hábeis e com modelos
de vida e de ‘ser-humano’ bastante superficiais, as questões fundamentais que
tal realidade nos deixou como ‘herança’ para a reflexão e a acção.
Desde
Auschwitz que a humanidade vive como ‘náufraga’, sem ‘farol’ para assinalar
terreno firme e indicar-lhe perigos, e sem ‘regaço paterno-materno’ onde se
reclinar a saborear a ternura de uma vida alicerçada num ‘afecto que vê para
além das emoções’ e que sabe potenciar o melhor que nos habita…desde Auschwitz
que nos comanda o medo…o medo de nós, do(s) outro(s) e de Deus.
Precisamos
de voltar a Auschwitz como ‘peregrinos’, com os pés descalços e em busca do
humano; Precisamos de atravessar a ‘barreira invisível’ de um ‘mutismo’ que
atravessou a história e deixou nela brechas que nem as portas, agora
escancaradas, do portão de Oswiecim
conseguem ainda sarar…Precisamos de regressar a Auschwitz, de passar em cada recanto,
de ‘tocar a carne’ e as histórias que ali tragicamente se consumaram... Já
passaram 69 anos, e ainda nos falta tanto para aprendermos a ser…seres humanos.
«No dia 27 de
Janeiro de 1945, os soldados do 60º corpo do Exército Vermelho entravam no
campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, no sul da Polónia. Aí encontraram
sete mil deportados num estado de agonia indescritível. Os nazis deixaram
aqueles sete mil moribundos sem água nem mantimentos, por acharem que o estado
em que se encontravam não permitia, de modo algum, a sua evacuação para outro
campo. Os restantes 60 mil prisioneiros foram conduzidos em marcha acelerada
para campos situados a Oeste. Foi a “marcha da morte” – a maioria morreu por
cansaço, fome ou de tiro, em desesperadas tentativas de fuga. O III Reich
instalou em Auschwitz a maior fábrica de morte, das várias que montou entre a
Alemanha e a Polónia. Aí, entre 1942 e 1945, foram asfixiadas com gás Zyclon B,
depois queimados em fornos crematórios, um milhão de judeus vindos dos países
ocupados pela Alemanha. Havia ainda prisioneiros de guerra polacos (80 mil) e
soviéticos (15 mil), ciganos (20 mil) e 12 mil de diversas nacionalidades.
Auschwitz, pela sua descomunal dimensão, tem o triste registo de ‘maior
cemitério da História’»
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