segunda-feira, janeiro 27, 2014

Quando o coração 'habita' a memória...



Toda a nossa vida é feita de ‘memórias’. Uma memória ‘reconciliada’, abre sempre portas de futuro. Uma memória ‘amarga’ torna-se auto-destruição, veneno ‘pessimista’ que não faz bem, nem deixa ver bem…o bem. Há a memória ‘existencial’, que é feita de quotidiano e tecida com a filigrana da coragem, da simplicidade, da criatividade. Essa é também a memória ‘abraçada’ por aquelas rotinas que consolidam em nós o bom e o belo e nos abrem à novidade, com a serenidade de quem sabe que a vida não é um minuto, nem um acaso, nem um abismo.

Hoje é Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, celebra-se o aniversário da libertação, pelas tropas aliadas, do campo de extermínio nazi da cidade polaca de Oswiecim (em alemão: Auschwitz).

A ‘memória’ que hoje celebramos não é simplesmente um evento/acontecimento. Não é apenas uma recordação do passado, nem somente um alerta para o futuro. Celebramos hoje a ‘memória da indiferença’, memória da ‘noite/trevas’, memória de quando o homem se esqueceu que ‘o outro’ é ‘seu irmão’. Memória que faz ressoar na história as vozes inocentes que sucumbiram ao mais maléfico dos males que a ‘perda da memória’ pode causar: a brutalidade da indiferença que gera a morte.

Entrar em Auschwitz é, ainda hoje, ser atravessado por um silêncio gélido onde ressoam e ecoam as vozes e as histórias, os rostos, a ‘sufocante incerteza’ de um futuro que pode não chegar, o ‘negro destino’ de quem não tendo ‘amanhã’ se vê ‘despido’ de qualquer dignidade…pude experimentá-lo quando ali estive em 9 de agosto de 2006, dia de Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein).

Não foram só os Judeus, os Ciganos, os opositores Polacos, etc. que morreram em Auschwitz. Ali, de qualquer modo, morreu um pouco de todos nós! Foi o humano que foi ‘derrotado’, ‘encarcerado’ e ‘martirizado’ com a ‘bestialidade’ de um requinte de malvadez que nos deve fazer refletir longamente, com muito silêncio, com um olhar contemplativo e um coração sintonizado com os gritos de outros tantos inocentes que, como os de Auschwitz, são marcados com o ‘selo da morte’ e continuam a ser ‘um número’: no Sudão do sul, na Coreia do Norte, na Síria, na República Centro-Africana,… ou nas regras do ‘capitalismo selvagem’ que faz de cada homem e mulher, sobretudo hoje, uma fracção de uma percentagem que deve alimentar o devorador sistema da ‘lei de mercado’.

Tenho-o dito e redito muitas vezes: o mundo (e de modo particular a Europa) ainda não se ‘reconciliou’ nem se ‘levantou’ do ignominioso holocausto acontecido em Auschwitz. Temos contornado, com ‘jogos de cintura’ muito hábeis e com modelos de vida e de ‘ser-humano’ bastante superficiais, as questões fundamentais que tal realidade nos deixou como ‘herança’ para a reflexão e a acção.

Desde Auschwitz que a humanidade vive como ‘náufraga’, sem ‘farol’ para assinalar terreno firme e indicar-lhe perigos, e sem ‘regaço paterno-materno’ onde se reclinar a saborear a ternura de uma vida alicerçada num ‘afecto que vê para além das emoções’ e que sabe potenciar o melhor que nos habita…desde Auschwitz que nos comanda o medo…o medo de nós, do(s) outro(s) e de Deus.  

Precisamos de voltar a Auschwitz como ‘peregrinos’, com os pés descalços e em busca do humano; Precisamos de atravessar a ‘barreira invisível’ de um ‘mutismo’ que atravessou a história e deixou nela brechas que nem as portas, agora escancaradas, do portão de Oswiecim conseguem ainda sarar…Precisamos de regressar a Auschwitz, de passar em cada recanto, de ‘tocar a carne’ e as histórias que ali tragicamente se consumaram... Já passaram 69 anos, e ainda nos falta tanto para aprendermos a ser…seres humanos.


«No dia 27 de Janeiro de 1945, os soldados do 60º corpo do Exército Vermelho entravam no campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, no sul da Polónia. Aí encontraram sete mil deportados num estado de agonia indescritível. Os nazis deixaram aqueles sete mil moribundos sem água nem mantimentos, por acharem que o estado em que se encontravam não permitia, de modo algum, a sua evacuação para outro campo. Os restantes 60 mil prisioneiros foram conduzidos em marcha acelerada para campos situados a Oeste. Foi a “marcha da morte” – a maioria morreu por cansaço, fome ou de tiro, em desesperadas tentativas de fuga. O III Reich instalou em Auschwitz a maior fábrica de morte, das várias que montou entre a Alemanha e a Polónia. Aí, entre 1942 e 1945, foram asfixiadas com gás Zyclon B, depois queimados em fornos crematórios, um milhão de judeus vindos dos países ocupados pela Alemanha. Havia ainda prisioneiros de guerra polacos (80 mil) e soviéticos (15 mil), ciganos (20 mil) e 12 mil de diversas nacionalidades. Auschwitz, pela sua descomunal dimensão, tem o triste registo de ‘maior cemitério da História’»




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