Um coração indeciso, amedrontado, nunca nos deixará
‘entrar em casa’. Far-nos-á permanecer sempre à porta. Dar um passo em frente
será, nessa perspetiva, um risco. É que entrar na ‘intimidade’ é um trabalho ‘inútil’
para os que se habituaram a viver na ‘espuma dos dias’, mais acomodados do que
incomodados! «Não se perturbe o vosso coração», diz-nos Jesus no Evangelho
desta semana (Jo 14, 1-12). Um coração ‘perturbado’ não tem discernimento, não
se percebe, nem é capaz da sabedoria necessária para ‘desdobrar o mapa da vida’
e ver, nos caminhos do quotidiano, os traços de eternidade que preenchem e
fortalecem cada um dos nossos passos.
É que Deus quer-nos em paz, mas não acomodados! A ‘Paz
do Ressuscitado’ não é renúncia ao que é verdadeiramente humano, mas sim
dinamismo que nos faz olhar para além de nós, e para além do tempo e ver que
como peregrinos, viandantes ritmados pelo desejo de céu e pelo ‘perfume da Páscoa’,
não podemos perder-nos no CAMINHO indo por atalhos que conduzem ao vazio, nem
podemos viver com a VERDADE uma desafeição que nos leva ao banal, muito menos
podemos desperdiçar a VIDA em opções de morte.
Os contornos do coração do Pai (= a morada que
Jesus nos ‘prepara’) nós já os conhecemos. Sabemos que não descansa, nem se
cansa, enquanto não chegarmos a casa. Não basta portanto, como acontece com o
GPS, ‘reconfigurar’ os nossos caminhos procurando encontrar alternativas mais ‘doces’
ou mais ‘rápidas’. Temos que confrontar-nos,
sem medo, com os nossos passos incertos e desalinhados. Somos provocados a ter
a coragem de chamar pelo nome as nossas contradições. Somos interpelados, pela ‘sabedoria
do coração’, a deixar-nos abraçar pela verdade, seja quando ela é a nosso
favor, seja quando ela é ‘contra’ nós.
Dado que a Fé não é uma ideia, uma teoria ou uma
filosofia, mas é o fruto maduro gerado pelo encontro e ritmado pela confiança,
então o CAMINHO que somos chamados a percorrer é aquele de sermos peregrinos no
nosso ‘santuário do quotidiano’. Com olhos novos e coração novo. Sabemos que só
a força sempre libertadora da ternura pode suscitar um ‘jeito de ser’ e um ‘estilo
de viver’ que vá para além dos ‘entusiasmos adolescentes’, isto é, uma
fidelidade semelhante à de um ourives que vai esculpindo uma pedra-diamante até
chegar à pequena pedra que é mais valiosa porque é uma ‘síntese polifónica’ de
perseverança, amor e dedicação. Para isso, não podemos ‘acampar’ à porta da VIDA
deixando que seja a morte a ritmar e a devorar o nosso tempo. Somos uma
história de Salvação escrita com as letras do amor e da verdade, de uma VERDADE
que tem Rosto e que me revela quem sou, sem me julgar ou condenar.
E se o Amor é oferta de recomeço quando se ajoelha
para levantar os caídos no caminho, então só o Amor pode ser Casa, lugar de
intimidade e de revelação, que te mete não diante de um espelho, como 'Narciso',
mas diante do Único que te chama pelo nome e te revela quem és, porque é Pai…Ali
podes dançar, podes fazer festa e, como uma criança sentada sobre os joelhos do
Pai/Mãe, sussurrando, podes dizer: «perdoa-me!».
Nessa hora, depois de teres 'entrado em Casa', cantarás
assim: «Amo-te, Senhor, com uma consciência não vacilante, mas firme. Feriste o
meu coração com a Tua palavra, e eu amei-te. (…) Amo uma certa luz, e uma certa
voz, um certo perfume e um certo alimento, e um certo abraço, quando amo o meu
Deus, luz, voz, perfume, alimento, abraço do homem interior, onde cada coisa
brilha e ressoa e exala perfume para a alma, e por si só se faz saborear e
cingir. Onde há luz que o espaço não abate e música não amortecida pelo tempo e
perfume que o vento não dispersa e sabor que a saciedade não diminui, e um
abraço que a consumação não desfaz. Isto é o que eu amo, quando amo o meu Deus»
(Santo Agostinho - Confissões X, 6).
Estás à porta?
Não se perturbe o teu coração. Entra,
não és hóspede…és Filho!
BOA SEMANA!
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