terça-feira, junho 03, 2014

...A OLHAR P’RÓ CÉU?



Só quem ama conhece o peso da palavra ‘saudade’. É verdade que nos custa partir e custa-nos ver partir. No coração há sempre a sensação de que um pedaço de nós fica onde estivemos; e um pedaço de nós vai com os que partem. Mas a fé, que é encontro com Cristo, o Evangelho com Rosto, nunca é solidão. Ela é sempre experiência de comunhão oferecida e (re)começada. Com a força sempre vulnerável, mas fiel, do Amor. É assim também, com esta certeza tatuada em nossos corações, que nos encontramos esta semana com este Jesus que ‘ascende ao Pai’.

Gosto de olhar a vida como um dinamismo constante não de subida (= para o alto) mas de descida (= profundidade). E é assim também que Deus muda a nossa ‘geografia’ quando manda dizer aos homens da Galileia: ‘porque estais a olhar para o céu?’ (Atos 1, 1-11). Quem passa o tempo todo a olhar para o céu pode ter vocação para a ‘meteorologia’, mas desvanece na sua capacidade de contemplar o mundo, a história, as pessoas. É, portanto, o próprio Deus que nos desperta. Deus não nos quer a olhar p’ró céu. Deus quer-nos a 'ser céu'! E isso muda tudo, e muda-nos.

Mas o que muda afinal? MUDA a nossa forma de começar cada dia, de olhar cada pessoa, de ler cada acontecimento. MUDA-TE na medida em que não te faz espectador da história mas protagonista. E MUDA-NOS porque nos leva a perceber que aquele ‘o nosso coração está em Deus’ que dizemos em cada missa não é uma metáfora mas uma realidade, um projeto, um dinamismo que tem o seu cumprimento neste Jesus, verdadeiro Deus e plenamente homem, que com a sua ascensão aboliu as ‘fronteiras’ ou ‘portagens’ entre o céu e a terra, e que agora está presente junto de todos, podendo ser invocado por todos, através de toda a história e em todos os lugares.

Bento XVI, comentando este acontecimento escreve: «Cristo junto do Pai não está longe de nós; quando muito, somos nós que estamos longe d’Ele. Mas o caminho entre Ele e nós está aberto. Não se trata aqui de um percurso de caráter cósmico-geográfico, mas sim da ‘navegação espacial’ do coração que conduz da dimensão de reclusão em nós mesmos para a dimensão nova do amor divino que abraça o universo» e conclui: «Jesus parte abençoando. Abençoando, parte. E, na bênção, permanece. As suas mãos continuam estendidas sobre este mundo. As mãos de Cristo que abençoam são como um tecto que nos protege; mas, ao mesmo tempo, são um gesto de abertura que fende o mundo para que o Céu penetre nele e nele possa afirmar a sua presença. No gesto das mãos que abençoam, exprime-se a relação duradoura de Jesus com os seus discípulos, com o mundo. Ao partir, Ele eleva-nos acima de nós mesmos e abre o mundo a Deus».

Eis-nos, portanto, diante das coordenadas para o nosso ‘GPS existencial’ e para o nosso ‘coração de discípulos’ nesta semana: SER CÉU! Com um coração que, tendo como medida a eternidade, é capaz de oferecer ternura aos que se sentem sós, perdão e misericórdia aos que se sentem ‘indignos’ de Deus e da vida, e esperança aos que não conseguem olhar para além do passado. No Evangelho Jesus é bem claro: «Ide... Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos» (Mt 28, 16-20).

Para não ficarmos simplesmente a olhar p’ró céu, mas a sê-lo, que os nossos gestos dêem “Glória a Deus nas alturas”…e PÉS na terra! Pois a nossa missão é (re)partir. BOA SEMANA!




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