Só
quem ama conhece o peso da palavra ‘saudade’. É verdade que nos custa partir e
custa-nos ver partir. No coração há sempre a sensação de que um pedaço de nós fica
onde estivemos; e um pedaço de nós vai com os que partem. Mas a fé, que é
encontro com Cristo, o Evangelho com Rosto, nunca é solidão. Ela é sempre
experiência de comunhão oferecida e (re)começada. Com a força sempre vulnerável,
mas fiel, do Amor. É assim também, com esta certeza tatuada em nossos corações,
que nos encontramos esta semana com este Jesus que ‘ascende ao Pai’.
Gosto
de olhar a vida como um dinamismo constante não de subida (= para o alto) mas
de descida (= profundidade). E é assim também que Deus muda a nossa ‘geografia’
quando manda dizer aos homens da Galileia: ‘porque estais a olhar para o céu?’
(Atos 1, 1-11). Quem passa o tempo todo a olhar para o céu pode ter vocação
para a ‘meteorologia’, mas desvanece na sua capacidade de contemplar o mundo, a
história, as pessoas. É, portanto, o próprio Deus que nos desperta. Deus não
nos quer a olhar p’ró céu. Deus quer-nos a 'ser céu'! E isso muda tudo, e
muda-nos.
Mas
o que muda afinal? MUDA a nossa forma de começar cada dia, de olhar cada
pessoa, de ler cada acontecimento. MUDA-TE na medida em que não te faz
espectador da história mas protagonista. E MUDA-NOS porque nos leva a perceber
que aquele ‘o nosso coração está em Deus’ que dizemos em cada missa não é uma
metáfora mas uma realidade, um projeto, um dinamismo que tem o seu cumprimento neste
Jesus, verdadeiro Deus e plenamente homem, que com a sua ascensão aboliu as ‘fronteiras’
ou ‘portagens’ entre o céu e a terra, e que agora está presente junto de todos,
podendo ser invocado por todos, através de toda a história e em todos os
lugares.
Bento
XVI, comentando este acontecimento escreve: «Cristo junto do Pai não está longe
de nós; quando muito, somos nós que estamos longe d’Ele. Mas o caminho entre
Ele e nós está aberto. Não se trata aqui de um percurso de caráter
cósmico-geográfico, mas sim da ‘navegação espacial’ do coração que conduz da
dimensão de reclusão em nós mesmos para a dimensão nova do amor divino que
abraça o universo» e conclui: «Jesus parte abençoando. Abençoando, parte. E, na
bênção, permanece. As suas mãos continuam estendidas sobre este mundo. As mãos
de Cristo que abençoam são como um tecto que nos protege; mas, ao mesmo tempo,
são um gesto de abertura que fende o mundo para que o Céu penetre nele e nele
possa afirmar a sua presença. No gesto das mãos que abençoam, exprime-se a
relação duradoura de Jesus com os seus discípulos, com o mundo. Ao partir, Ele
eleva-nos acima de nós mesmos e abre o mundo a Deus».
Eis-nos,
portanto, diante das coordenadas para o nosso ‘GPS existencial’ e para o nosso ‘coração
de discípulos’ nesta semana: SER CÉU! Com um coração que, tendo como medida a
eternidade, é capaz de oferecer ternura aos que se sentem sós, perdão e
misericórdia aos que se sentem ‘indignos’ de Deus e da vida, e esperança aos
que não conseguem olhar para além do passado. No Evangelho Jesus é bem claro: «Ide...
Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos» (Mt 28, 16-20).
Para
não ficarmos simplesmente a olhar p’ró céu, mas a sê-lo, que os nossos gestos
dêem “Glória a Deus nas alturas”…e PÉS na terra! Pois a nossa missão é (re)partir.
BOA SEMANA!
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