De
quantas rugas é feita a tua história? Parece despropositada
a pergunta. Para alguns será ‘deselegante’ e ofensiva, mas gostaria de começar
por aqui esta semana!
Habitamos um tempo marcado por
grande arrogância e violência. Ser vulnerável é ‘coisa de fracos’. Os afetos
são facilmente mascarados (e manipulados!), as ‘etiquetas’ que colocamos nos
outros são uma ‘auto-defesa infantil’ de
quem não é capaz de, com adultez e sabedoria, lidar com os próprios limites. E,
pensar diferente, é hoje uma ‘ousadia quase pornográfica’...é paradoxal mas,
quanto mais ‘democráticos’ dizemos ser, quer como pessoas, igreja ou sociedade,
mais intolerantes nos manifestamos em nossas atitudes, palavras e gestos. Não
se trata de um ‘diagnóstico pessimista’, até porque sou 'evangelicamente
otimista' por natureza. Gosto de escutar e de contemplar as pessoas, e vou-me
dando conta do quanto temos afetivamente regredido, humanamente decrescido e
espiritualmente adoecido...voltemos à pergunta: "de quantas rugas é feita a tua história?"
Vem
tudo isto a propósito da Palavra com que Deus nos visita esta semana (Mc 1,
29-39). Jesus continua itinerante (peregrino!) e revela-nos que uma ‘Igreja em
saída’ implica também ‘sair da igreja’, pois nenhum muro pode deter a graça de
Deus que é sempre ‘sedutoramente irradiante’, é que “a casa de Deus é um
abrigo, não uma prisão” (Papa Francisco). Jesus sai dos ‘limites religiosos’ e inicia
uma ‘peregrinação da ternura’ que rompe preconceitos e derruba os muros da
indiferença. Para seguir Jesus é preciso ‘não ter fronteiras’! Por onde passa,
Ele se faz próximo, toca e ‘levanta’. 3 verbos essenciais para fazer irromper o
Evangelho nos corações e na vida.
O
‘Mestre dos recomeços’, ensina-nos que segui-lO não implica um ‘intimismo de
fuga’ nem, no extremo oposto, um apelo a sermos ‘tarefeiros do evangelho’. Na
hora da ‘saída’, Jesus é claro: precisamos ser ‘porta escancarada’ para quem
chega, sem qualquer tipo de blindagem ou subterfúgio (espiritual!). Precisamos
cuidar e deixar-nos cuidar. Precisamos de silêncio e de palavras. Precisamos escutar,
mas também responder. Precisamos rezar para saber discernir. Precisamos agir
para não atrofiar o amor. Precisamos avançar...para ir ao encontro!
Sair,
não ter fronteiras, tocar e curar. É neste ‘cenário’ que Cristo nos coloca e
questiona. Diante da ‘síndrome da vida perfeita’, o Evangelho ‘devolve-nos’,
como um espelho, as nossas dores e as nossas ‘rugas’ e leva-nos a descobrir,
cada vez mais, que elas são fruto do afeto e da memória, do tempo compartilhado
e da vida entregue. Sem pressas.
‘Sair’,
não nos levará muito longe, talvez nos leve somente ‘até à Porta’... aí, no
sabor e no saber de cada dia, descobriremos tantos e tantas, de ‘coração
faminto de esperança’. Vão pedir-nos abrigo e ‘o pão dos afetos’. Nessa hora,
tocaremos suas feridas, dançaremos juntos e, olhando-nos longamente nos olhos,
ofereceremos uns aos outros os ‘sulcos’ que o tempo escavou em nossos rostos. Então,
de mãos dadas, iremos sussurrar mutuamente essa entrega dizendo:
“Toma as minhas rugas, a minha história, o
meu afeto,
o meu tempo, a minha vida. Sem pressas”.
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