As palavras que dizemos têm o poder mudar o rumo da
história. Se forem ditas com banalidade farão da história, e da construção que
todos fazemos dela, um momento ‘trágico’, difícil e, quem sabe, às vezes
penoso. Essas são as palavras mal-ditas!
Por outro lado, as palavras têm também o poder de reconstruir, entusiasmar, conectar,
transformar, curar. Essas são palavras que nos fazem ver e experimentar a vida
como um milagre permanente.
Uma dessas palavras que tem sido ‘gasta’ (ou mal-dita) pela banalidade com que muitas
vezes a usamos, é a palavra vocação. Basta ler algumas das noticias eclesiais
para vermos como a palavra vocação aparece associada à ‘mendicidade’ de uma
Igreja (a nossa!) mais preocupada em manter estruturas passadas do que abrir-se
à graça infinita do futuro. A cada ano, neste Domingo do Bom Pastor, a palavra
vocação ‘reaparece’. Em alguns lugares ela é compartilhada com o entusiasmo de
quem tem dentro o ‘perfume da Páscoa’ e sente/sabe que o Pastor Bom e Belo é
sempre o primeiro a entusiasmar-nos! Noutros
lugares, repete-se o discurso monótono e bafiento, mais cheio de medo e de
autopreservação,...
A Igreja, por ser obra do Espirito Santo, vive em
mudança(s) permanente(s). É bom que nunca nos falte esta consciência e que não
nos falte também a coragem para ousar ‘a novidade que Deus espera de nós’: Um
Povo de homens e mulheres, chamados pelo nome, para viver de maneira quotidiana
a eternidade plantada pelo nosso batismo! Para isso, não basta somente falar de
vocação, é necessária que nos sintamos convocados para sermos ‘o povo da Invocação’, isto é, a
redescoberta daquele essencial que faz com que sejamos Páscoa para a história,
Páscoa no coração do mundo e da Igreja...
Recorda-nos isso mesmo o Papa Francisco, naquela
sua linguagem sempre transparente e cheia da graça de Deus, na Exortação ‘Alegrai-vos e Exultai’ quando diz:
“O Concílio
Vaticano II salientou vigorosamente: «munidos de tantos e tão grandes meios de
salvação, todos os fiéis, seja qual for a sua condição ou estado, são chamados
pelo Senhor à perfeição do Pai, cada um por seu caminho». «Cada um por seu
caminho», diz o Concílio. Por isso, uma pessoa não deve desanimar, quando
contempla modelos de santidade que lhe parecem inatingíveis. Há testemunhos que
são úteis para nos estimular e motivar, mas não para procurarmos copiá-los,
porque isso poderia até afastar-nos do caminho, único e específico, que o
Senhor predispôs para nós. Importante é que cada crente discirna o seu próprio
caminho e traga à luz o melhor de si mesmo, quanto Deus colocou nele de muito
pessoal (cf. 1 Cor 12, 7), e não se esgote procurando imitar algo que
não foi pensado para ele. Todos estamos chamados a ser testemunhas, mas há
muitas formas existenciais de testemunho. (...) Isto deveria entusiasmar e
animar cada um a dar o melhor de si mesmo para crescer rumo àquele projeto,
único e irrepetível, que Deus quis, desde toda a eternidade, para ele: «antes
de te haver formado no ventre materno, Eu já te conhecia; antes que saísses do
seio de tua mãe, Eu te consagrei» (Jer 1, 5).
Para ser
santo, não é necessário ser bispo, sacerdote, religiosa ou religioso. Muitas
vezes somos tentados a pensar que a santidade esteja reservada apenas àqueles
que têm possibilidade de se afastar das ocupações comuns, para dedicar muito
tempo à oração. Não é assim. Todos somos chamados a ser santos, vivendo com
amor e oferecendo o próprio testemunho nas ocupações de cada dia, onde cada um
se encontra. És uma consagrada ou um consagrado? Sê santo, vivendo com alegria
a tua doação. Estás casado? Sê santo, amando e cuidando do teu marido ou da tua
esposa, como Cristo fez com a Igreja. És um trabalhador? Sê santo, cumprindo
com honestidade e competência o teu trabalho ao serviço dos irmãos. És
progenitor, avó ou avô? Sê santo, ensinando com paciência as crianças a
seguirem Jesus. Estás investido em autoridade? Sê santo, lutando pelo bem comum
e renunciando aos teus interesses pessoais. Deixa que a graça do teu Batismo
frutifique num caminho de santidade. Deixa que tudo esteja aberto a Deus e,
para isso, opta por Ele, escolhe Deus sem cessar. Não desanimes, porque tens a
força do Espírito Santo para tornar possível a santidade e, no fundo, esta é o
fruto do Espírito Santo na tua vida (cf. Gal 5, 22-23). Quando
sentires a tentação de te enredares na tua fragilidade, levanta os olhos para o
Crucificado e diz-Lhe: «Senhor, sou um miserável! Mas Vós podeis realizar o
milagre de me tornar um pouco melhor». Na Igreja, santa e formada por
pecadores, encontrarás tudo o que precisas para crescer rumo à santidade. (...)
Esta
santidade, a que o Senhor te chama, irá crescendo com pequenos gestos. (...) sucede,
às vezes, que a vida apresenta desafios maiores e, através deles, o Senhor
convida-nos a novas conversões que permitam à sua graça manifestar-se melhor na
nossa existência, «para nos fazer participantes da sua santidade» (Heb 12,
10). Outras vezes trata-se apenas de encontrar uma forma mais perfeita de viver
o que já fazemos: «há inspirações que nos fazem apenas tender para uma perfeição
extraordinária das práticas ordinárias da vida cristã». Quando estava na
prisão, o Cardeal Francisco Xavier Nguyen van Thuan renunciou a desgastar-se
com a ânsia da sua libertação. A sua decisão foi «viver o momento presente,
cumulando-o de amor»; eis o modo como a concretizava: «aproveito as ocasiões
que vão surgindo cada dia para realizar ações ordinárias de maneira
extraordinária».
Deste modo, sob o impulso da graça divina, com
muitos gestos vamos construindo aquela figura de santidade que Deus quis para
nós: não como seres autossuficientes, mas «como bons administradores das várias
graças de Deus» (1 Ped 4, 10). Os Bispos da Nova Zelândia ensinaram-nos,
justamente, que é possível amar com o amor incondicional do Senhor, porque o
Ressuscitado partilha a sua vida poderosa com as nossas vidas frágeis: «o seu
amor não tem limites e, uma vez doado, nunca volta atrás. Foi incondicional e
permaneceu fiel. Amar assim não é fácil, porque muitas vezes somos tão frágeis;
mas, precisamente para podermos amar como Ele nos amou, Cristo partilha conosco
a sua própria vida ressuscitada. Desta forma, a nossa vida demonstra o seu
poder em ação, inclusive no meio da fragilidade humana»”.
Sem comentários:
Enviar um comentário